No momento presente em que Bolsonaro já provoca fissuras no apoio de setores burgueses e contra-ataca ferozmente “alertando” para um fechamento do regime, é necessário que as forças da esquerda socialista saiam de seu posicionamento economicista e eleitoralista, de um oportunismo quase covarde, e apresentem propostas concretas para a transformação do cotidiano de panelaços e dos movimentos localizados de resistência dos trabalhadores (petroleiros, metalúrgicos da Caoa Chery) em um movimento vivo e dinâmico de independência de classe.
Nesse sentido, apresentamos abaixo documento de organização de nossa corrente internacional – Socialismo ou Barbárie – o Nuevo MAS, da Argentina, como contribuição para elaboração de um programa de unificação da esquerda revolucionária e dos movimentos de mulheres, juventude e operário.
NUEVO MAS, 26/03/20
A pandemia do coronavírus chegou à América Latina. Além da situação no resto do mundo (na China e no Sudeste Asiático, parece haver um controle relativo da pandemia no momento; enquanto na Europa Ocidental ela parece estar fora de controle e está explodindo neste momento nos EUA). Em nosso subcontinente se registram casos em todos os países, destacando os quase 2.500 infectados no Brasil, mais de 1.200 no Equador, número semelhante no Chile e mais de 500 em nosso país.
Diante dessa situação, na Argentina, Alberto Fernández declarou quarentena em 20 de março (há boatos de que sua extensão até 12 de abril é quase um fato). Embora, do ponto de vista da saúde, seja uma medida correta – medieval, mas correta, dadas as circunstâncias – deve ser acompanhada de um conjunto de iniciativas que permitam enfrentar essa dramática epidemia nas melhores condições, levando em consideração a precariedade do sistema de saúde na Argentina. Como aconteceu em todo o mundo, o subfinanciamento e a privatização da saúde pública nas últimas décadas levaram a uma estratificação de classe do sistema de saúde, onde trabalhadores, tanto dos setores formais como informais e os populares, devem recorrer a hospitais. esvaziados, com crises de infraestrutura e trabalhadores precárisados e mal remunerados.
Ao mesmo tempo, mantendo a quarentena necessária, dadas as condições, alertamos sobre a dinâmica de um virtual estado de sítio que está se desenvolvendo com a colocação das forças repressivas nas ruas (NT.: proposta que já vem sendo aventada no Brasil), a prisão de centenas de pessoas e a entrada delicada das Forças Armadas na execução de tarefas civis, como a distribuição de alimentos nos subúrbios, uma situação que poderia ocultar a disposição do governo nacional e da Província de Buenos Aires de fazê-las intervir – política e militarmente, por assim dizer – na eventualidade que a crise econômica e a escalada das mortes gerem mobilizações populares.
É que o outro efeito da quarentena é pôr em “parada” uma economia que já acumulou anos de recessão e aumento das taxas de desemprego, informalidade e pobreza. Enquanto o colapso da economia global está previsto em uma crise mais dramática do que a de 2008, as medidas anunciadas pelo governo até agora parecem uma gota no oceano: absolutamente insuficiente diante dos bolsões de uma população completamente desamparada, gerada pelo capitalismo dependente argentino e seus governos nas últimas décadas.
Diante da pandemia e da consequente crise de saúde, econômica, política e social que ela gera, nossa organização propõeum programa operário e socialista, anticapitalista e solidário para enfrentá-la, o que impulsiona a organização desde abaixo e que coloca em primeira linha os cuidados de quem cuida de nós, as trabalhadoras e trabalhadores da saúde:
1. Aumento urgente do orçamento da saúde. Dobrar o salário para todos os seus trabalhadores. Fornecimento de roupas, máscaras e álcool em gel. Vamos cuidar de quem cuida de nós. Por comitês de profissionais de saúde em hospitais e clínicas para exigir os recursos necessários. Testes massivos para evitar a disseminação na população e descentralização dos estudos.
2. Sistema universal de saúde, para que todos os pacientes possam ser tratados indistintamente em qualquer centro de saúde, público ou privado. Reconversão da indústria para a produção de suprimentos médicos e tudo o que é necessário para enfrentar a pandemia. Nacionalização sem pagamento de laboratórios que lucram com a saúde das pessoas.
3. Pelo fornecimento de medicamentos gratuitos para aqueles que precisam. Fora a burocracia sindical das obras sociais e controle democrático por comitês de trabalhadores eleitos pela base.
4. Suspensão por 15 dias da produção e desinfecção de todos os locais de trabalho, com licenças mantendo 100% do salário. Comissões de segurança e higiene organizadas por seus trabalhadores nos ramos essenciais para garantir atendimento.
5. Proibição de demissões. Manter a planta permanente de todos os contratados, precarizados e autônomos. Aumento de 50% nos salários para todos os trabalhadores. Aplicação da cláusula de gatilho indexada mensalmente. Salário Universal para os desempregados, de acordo com o valor da cesta básica.
6. Plano de obras públicas para impulsionar a economia, com todas as medidas de higiene necessárias para cuidar dos trabalhadores da construção e outros setores de suprimentos. Plano de habitacional popular, saneamento e esgotos para evitar a aglomeração das favelas. Construção de novos hospitais de alta complexidade.
7. Urbanização urgente de moradias e assentamentos. Conversão de hotéis em albergues para pessoas em situação de rua.
8. Rever os preços de todos os produtos de consumo em massa até 1º de fevereiro de 2020 e congelá-los. Abastecimento de todos os produtos de necessidades básicas. Expropriação de qualquer fábrica ou comércio que especule com preços. Aumento imediato das pensões e indexação mensal de acordo com a inflação. Cancelamento do aumento de 51% no monotax.
9. Duplicação de frequências de transporte nos horários de pico para evitar a superlotação quando setores produtivos são liberados da quarentena; incorporação de pessoal e colocação em circulação sob o controle de seus trabalhadores. Transporte público gratuito.
10. Promover a organização a partir de baixo, onde o trabalho é retomado ou é um serviço essencial. Exijir que os líderes sindicais parem de distrair e exija nacionalmente que nenhum local de trabalho permaneça ativo ou retome tarefas sem condições estritas de higiene e saúde.
11. Não à militarização. Alertamos contra uma dinâmica crescente do estado virtual de cerco. Não à legitimação das Forças Armadas genocidas com a desculpa da pandemia. Solicitar às organizações sociais, políticas, sindicais e estudantis que colaborem em conjunto em todas as tarefas necessárias, com todas as garantias de higiene e segurança.
12. Pelo direito incondicional ao protesto social e à promoção de todas as ações de solidariedade entre os trabalhadores. Direitos organizacionais completos para a classe trabalhadora, mulheres e jovens.
13. Não ao pagamento da dívida externa. Que a crise seja paga pelos capitalistas. Impostos progressivos sobre grande riqueza, empresários, bancos e especuladores. Exapropriação e colocação em funcionamento de qualquer fábrica que feche ou despede sob o controle de seus trabalhadores.
14. Nacionalização da banca e monopólio do comércio exterior e câmbio sob administração e/ou controle de trabalhadores. Para um plano econômico dos trabalhadores.
15. Por um governo dos trabalhadores e do povo. Pelo socialismo.
Tradução: José Roberto Silva