Publicamos abaixo o artigo Trabalho com o padrão, escrito por Roberto Sáenz. Esse é o oitavo artigo da SÉRIE PARTIDO. Agora a atenção é voltada para o tema de como aproximar, incorporar e consolidar novos militantes à organização revolucionária.

Quando se trata de grandes organizações de vanguarda ou de partidos com influência de massas, o recrutamento de novos militantes ocorre de maneira “natural”, quase espontânea, devido à força gravitacional que exerce essas organizações. Já, quando se trata de núcleos fundacionais ou organizações de propaganda, a lei gravitacional inverte-se. Assim, a incorporação de novos membros depende de um tremendo esforço dos seus militantes.

Esse é um esforço que depende da elaboração teórica, dos acertos políticos, das táticas e estratégicas. Além disso, conta a sistematicidade da agitação, propaganda e organização através dos meios eletrônicos e analógicos. Não se pode, evidentemente, descuidar-se da presença nas manifestações com colunas, da clivagem (diferenciação) sistemática com as demais organizações e da realização de atividades internas: cursos, palestras, mesas de debate, plenárias e festas.  

Mas, nada disso terá eficácia construtiva se a organização, seus núcleos e cada militante individualmente não desenvolverem o ofício construtivo fundamental que é trabalhar de forma consciente, sistemática e apaixonada com os padrões (listas) de contatos. Trabalho de ciência e arte construtiva, que parte da preocupação constante em estabelecer relações com novos ativistas das lutas, em analisar e caracterizar suas dinâmicas e necessidades e, a partir daí, progressivamente ir dando passos para que se incorporem à militância e às atividades regulares da organização. Boa leitura!

Redação

Trabalho com o padrão de militantes

Como estabelecer novos contatos e incorporá-los à organização

ROBERTO SÁENZ

Desta vez, vamos nos concentrar no trabalho com o padrão de membros, ou seja, a atenção sistemática dos simpatizantes pelo partido, a venda do jornal, o convite para determinados eventos e sua conclusão lógica: o convite para que eles se juntem à organização como militantes.

Estágios construtivos

As leis da construção de organizações não são as mesmas para pequenos núcleos revolucionários e para partidos com dezenas ou centenas de milhares de militantes. Existem núcleos fundacionais, partidos de propaganda, partidos de vanguarda ou partidos com ampla influência entre as massas, com toda a série de desenvolvimentos desiguais e combinações possíveis entre eles.

Mesmo historicamente, esse tem sido o caso desde as primeiras “seitas socialistas” quando Marx e Engels eram jovens, a Primeira Internacional, os partidos socialistas de massa da Segunda Internacional, as organizações revolucionárias com influência de massa da Terceira Internacional na época de Lênin e Trotsky, ou os grupos de vanguarda que caracterizaram o movimento trotskista.

Esses vários estágios construtivos obviamente envolvem diferentes relações entre a militância e aqueles que simpatizam com a organização, cujo caráter será diferente dependendo não apenas do tamanho do partido, mas também do contexto político geral.

Quando Trotsky teve de arregaçar as mangas para captar

À medida que o partido cresce, especialmente quando dá um salto de qualidade, ele se torna um fator cada vez mais objetivo. Ou seja, por sua própria existência, pelas posições políticas que defende, até mesmo pelo lugar histórico que conquistou na organização política do país como um todo, sua capacidade de atração é tamanha, sua força gravitacional é tamanha, que consegue incorporar novas camadas de militantes quase como um fenômeno que ocorre por si só, “espontaneamente”.

A modo de digressão, vamos destacar o paradoxo que Trotsky viveu na questão da construção partidária, o que mostra que nada na história, nenhum processo no reino da realidade, é mecânico ou linear. Quando se lê Minha Vida, percebe-se que, em sua militância na juventude, especialmente quando deixou a Rússia após a Revolução de 1905, Trotsky não se preocupava com a formação de partidos. Ele participava dos debates, reuniões e até mesmo dos “encontros” da social-democracia (especialmente da social-democracia austríaca) como se fosse um ambiente que tivesse sua própria entidade, já formada de forma construtiva. Logicamente, esses eram partidos socialistas de massa. Mesmo na época da Revolução Russa de 1917, o partido já estava formado. Trotsky juntou-se a ele como dirigente, empenhando-se em outras tarefas de dimensão histórica, como a formação do Exército Vermelho.

O paradoxo foi, de qualquer forma, que Trotsky viveu as leis da construção dos núcleos fundacionais (o recrutamento individual da militância) no último terço de sua vida, quando a Oposição de Esquerda estava sendo criada e a Quarta Internacional estava sendo fundada. Por isso, ele recebeu em seu escritório os mais diversos interlocutores, que tentou ganhar para seu movimento. Assim, ele fez o caminho inverso, passando da direção da maior revolução da história para a tarefa de recrutamento individual.

Seleção de militantes

Voltando à questão da relação entre o partido e sua capacidade de recrutar novos militantes, há altos e baixos, dependendo, também, da variação das situações políticas, mesmo que se trate de uma grande organização. Se a luta de classes estiver em ascensão, se o partido estiver na vanguarda, se tiver uma política correta que lhe dê prestígio, é óbvio que seu poder de atração será enorme.

De qualquer forma, continuará a haver um filtro necessário ligado ao fato de que nem todos se juntam a uma organização revolucionária em um momento em que as coisas estão radicalizadas e a própria vida pode ser colocada em risco. Por esse motivo, mesmo que o partido esteja crescendo, aqueles que gostariam de se juntar a ele por puro carreirismo ainda estarão à espreita.

Esse último aspecto obviamente muda quando o partido já está no poder. Nesse caso, há uma inversão total das leis acima mencionadas: em vez de apostar em trazer novos militantes para o partido, trata-se de ter uma atitude vigilante, trazendo o melhor das novas gerações, mas evitando a adesão dos setores que o fazem por puro oportunismo. Sabe-se que parte das razões para a degeneração do Partido Bolchevique foram iniciativas como a Leva Lenin, em 1925, em “homenagem” ao dirigente revolucionário morto, que consistiu em uma manobra organizativa de Stalin para trazer para o partido toda uma nova camada de “militantes” carreiristas que, por definição, estariam destinados a servir ao aparato de forma disciplinada.

Portanto, à medida que a organização revolucionária cresce, uma série de condições deve ser estabelecida para a transformação dos novos camaradas em militantes plenos. É claro que isso não pode ser uma operação de culto. A seleção ocorre “naturalmente” quando se trata de uma organização pequena, pelo simples fato de ser uma organização pequena; ser membro de um partido como esse é um peso e uma responsabilidade, uma luta e um esforço consideráveis que só podem ter satisfações “ideais”.

Outra coisa é que a entrada de novos companheiros na organização, à medida que ela se consolida e se fortalece, assume um conjunto de critérios de militância (estabelecidos por Lênin em 1903): reunir-se em um órgão do partido, contribuir para as finanças, passar o jornal do partido e disciplinar-se de acordo com o que o partido define como sua linha política.

Esses critérios básicos de militância são assumidos de forma mais consistente à medida que o partido se consolida, cresce, assume maiores responsabilidades e, também, à medida que a luta de classes se torna mais aguda e um critério construtivo frouxo pode deixá-lo exposto aos golpes da repressão. É nesse ponto que o caráter militante do partido entra em cena.

Romper a inércia

As “leis de recrutamento” que apontamos para organizações com ampla influência orgânica entre as massas ainda não refletem o estágio construtivo da generalidade das correntes atuais. Existem as maiores e as menores, e as maiores têm uma força gravitacional superior. Entretanto, mesmo no caso delas, a necessidade de atividade de recrutamento para a nova militância está na ordem do dia.

É aí que entra o problema de trabalhar com o padrão. O “padrão” é o nome dado ao grupo de simpatizantes que cada equipe partidária, cada militante, tem ao seu redor. É possível que esses simpatizantes venham para o partido porque concordam com suas posições, ou que o partido tenha realizado uma campanha em um determinado campo de sua atividade e, como resultado disso, tenham aparecido pessoas que simpatizam com a organização. Mas aqui estamos interessados em apontar outra coisa: a importância do esforço subjetivo sistemático para conquistar simpatizantes por parte da organização, ter a iniciativa para esse fim e que isso resulte no comparecimento desses simpatizantes, por exemplo, a determinados eventos, marchas, atividades partidárias ou o que quer que seja. 

O partido de vanguarda (ou aquele que está em um estágio construtivo ainda não desenvolvido) ainda não é um fator objetivo; como tal, não é facilmente “elegível” por aqueles que estão fora dele. Além disso, o partido sempre atua em um campo político caracterizado pela concorrência com outros partidos e tendências socialistas, que também competem pela atenção das pessoas mais ativas. Assim, se não houver um esforço subjetivo, consciente e organizado por parte da militância do partido para atrair essas pessoas, elas simplesmente voltarão sua atenção para outras organizações.

É claro que, quanto menor for a organização em questão, maior será o esforço subjetivo da vontade da militância para trazer novos trabalhadores e estudantes, simplesmente porque sua força gravitacional, sua atratividade, será menor do que a das outras organizações que competem politicamente no recrutamento.

Daí o esforço específico (que tem sua dimensão organizacional) do trabalho com o padrão, que começa com uma lista de simpatizantes e contatos de cada companheiro, bem como uma caracterização, uma definição de suas características políticas.

Se quisermos transformar esse padrão em novos militantes, se quisermos que eles girem cada vez mais em torno do partido, se quisermos que o partido cresça em tamanho, devemos realizar uma atividade organizada, sistemática e não aleatória em torno dele.

Resumindo: é necessário um esforço e uma iniciativa específicos para aumentar o número de membros, para aproveitar cada oportunidade, cada lampejo de luta, para se cercar de novos militantes. Ou seja, ter a coragem de estabelecer contato, romper a timidez nessa questão: passar o jornal, pegar o telefone, o e-mail [o whats], acompanhar sistematicamente cada novo companheiro e companheira… Em suma, não se deixar levar pelo fluxo pós-moderno da inércia das coisas, mas ter uma atitude ativa, militante, organizadora em torno do padrão e do convite para participar de cada nova atividade que o partido realiza.

Capa: “Suíte Santa Fé” (2010), de Bill Barret.