Superar a “esquerda capitalista”

Nessa conjuntura, que demanda dos trabalhadores e das suas organizações um enfrentamento histórico ao avanço das forças reacionárias, a “esquerda capitalista” (partidos que têm origem operária mas que passaram para a defesa da ordem capitalista) precisa ser superada para que a classe trabalhadora construa organizações, táticas e programas à altura dos acontecimentos.   

BETO VIEIRA e ANTONIO SOLER

Desde a reabertura democrática, em 1985, este é disparado o pior momento para a classe trabalhadora brasileira e para os oprimidos, pois, além da perdas de direitos econômicos e sociais, com Bolsonaro no poder estamos sob ameaça de fechamento do regime político. Como esse é um governo declaradamente inimigo dos trabalhadores e de suas organizações, não se trata apenas da ameaça à soberania popular nas eleições, mas também está sob perigo o que é mais sagrado para nós: o direito de auto-organização e de luta. No entanto, a classe trabalhadora não sofreu uma derrota histórica e pode reagir. Para isso, será necessário colocar em pé um poderoso movimento que tenha como tarefa central lutar por medidas emergenciais para garantir a vida de milhares de pessoas, principalmente as mais desassistidas, e para expulsar o neofascista e todo o seu governo do poder. 

Uma longa história de traições

Com Bolsonaro à frente do governo, a patronal quer consolidar o seu sempre desejado sonho de impor sobre os assalariados, autônomos e desempregados o projeto ultraliberal de organização social. Mas precisamos considerar que não chegamos a esse ponto de um dia para outro. Em governos anteriores também sofremos brutais ataques aos nossos direitos, vide as privatizações dos governos de Fernando Henrique Cardoso, “reforma da Previdência” de Lula, cortes de benefícios de Dilma e “reforma trabalhista” e “teto de gastos” de Temer, sem falar em uma série de outros direitos políticos e sociais. 

Em outros países o neoliberalismo foi imposto desde a década de 1970/80. No Brasil, como a luta contra a ditadura colocou uma poderosa resistência a partir do final da década de 1970, que durou até o início dos anos 1990, as políticas neoliberais foram retardadas. A desregulamentação das leis trabalhistas, a mais profunda reforma da Previdência, o desmonte dos serviços públicos, a privatização do patrimônio público, a desindustrialização da economia em detrimento do aprofundamento da economia primária, dentre muitas outras, é a demonstração de que a classe trabalhadora está em desvantagem econômica nesta luta. 

Nesse período decadente da história do capitalismo, em que as forças produtivas da sociedade entram em choques cada vez mais violentos com as forças destrutivas, vitórias econômicas estruturais são muito difíceis de se obter e manter. No entanto, não podemos confundir derrotas econômicas com derrotas políticas e de organização da classe trabalhadora para defender os seus interesses momentâneos (salário, direitos sociais e políticos) e históricos (poder da maioria, fim da exploração e da opressão).

As derrotas que temos sofrido, como a da “reforma da Previdência” são graves não apenas pelo resultado econômico e sobre a vida da maioria dos trabalhadores, mas porque aconteceram sem que uma grande resistência fosse realizada. As direções dos grandes sindicatos, centrais sindicais, movimentos e partidos não organizaram uma resistência à altura da necessidade. PT, PcdoB e de outros partidos da esquerda da ordem se limitaram a negociar a “reforma da Previdência” no Congresso Nacional em detrimento da luta a partir da base.

O resultado já sabemos: além de ter passado a terrível reforma da Previdência, saímos mais enfraquecidos para enfrentar a sequência dos ataques de Bolsonaro e do Congresso Nacional. Ataques que só não avançaram no segundo semestre de 2019 porque o contexto das rebeliões populares na América do Sul e as crises entre Governo e o Congresso frearam momentaneamente a votação de outros projetos não menos destrutivos para nós.  

O lulopetismo e o pecado capital

O caminho da chegada da extrema direita no governo tem explicações de todos os gostos – desde as que responsabilizam somente o PT por todos os males até aquelas que o tiram de toda análise dos principais fatos -, mas vamos aqui considerar a ofensiva reacionária movida pela classe dominante sem deixar de nos ater ao papel da esquerda da ordem e suas organizações diante o fato.

Com raríssimas exceções, a maioria das direções dos instrumentos de luta criados pelos trabalhadores  cometeram o maior e capital erro quando o assunto é a disputa da hegemonia política e a luta de classes: adotaram a estratégia de conciliação de  classes. De forma lenta e gradual, o movimento lulopetista foi adotando a linha de conciliação com a patronal. Isto pôde ser observado nas greves e na condução do governos municipais e estaduais durante as décadas de 1980/90 até se chegar a um projeto de poder central no início dos anos 2000 com o mesmo perfil político-teórico. Ou seja, a idéia central que conduziu os governos Lula e Dilma de que é possível, junto com parte da burguesia, fazer governos que atendam os dois lados. 

Foi assim que em seus governo, a partir de um período de retomada do crescimento econômico, o PT ao invés de fazer reformas de base e apostar na organização direta dos trabalhadores, manteve políticas neoliberais combinadas com medidas de compensação e de esvaziamento do movimento social.

Quando a crise econômica de 2008 bateu com força na América Latina, a partir de 2012, a linha levada pelo PT e Dilma foi a de manter as medidas neoliberais, reprimir o movimento social, trair as promessas de campanhas de 2014 e a ceder a todas as chantagens da patronal, como exemplo a “lei antiterrorismo”. Mas não teve jeito, os ricos queriam impor um governo “sangue puro” que fosse, a seu ver, mais eficiente para garantir as suas contrarreformas e os seus lucro

O resultado: o lulopetismo foi abandonado pelos seus “amigos ricos” e perdem o apoio dos seus milhares de “ex-amigos pobres”. Nesse quadro, ao não reagir à ofensiva reacionária em 2015 e 2016, foram impedidos de continuar no governo pela manobra reacionária parlamentar do impeachment contra e amargaram a condenação e prisão sem provas de Lula que o impediu de disputar as eleições de 2018, mesmo sendo o candidato com a maior intenção de votos. 

Por algum momento, achavam os mais otimistas ou ingênuos que o lulismo depois de tudo isso iria aprender com os erros do passado e fazer um inflexão rumo a uma postura de independência, retomar a organização da classe trabalhadora e embarcar no vagão dos companheiros que não abandonaram a luta de classes, mas eis que fazem exatamente o oposto: redobram a aposta no conformismo, na institucionalidade e na conciliação de classes.

Atrás da conjuntura

Há duas semanas atrás, enquanto o país inteiro se polarizava contra ou a favor da continuidade de Bolsonaro na Presidência da República, devido à sua política negacionista e genocida – fenômeno manifestado na movimentação política de amplos setores rompendo com o governo, nos panelaços diários, na divisão explícita da classe dominante e nas ameaças sistemáticas de golpe militar -, em sua penúltima reunião nacional, o PT,  com defesa de Lula, decidiu a linha de que não se deveria lutar pelo fim do governo Bolsonaro.

Em conformidade com o modelo de gerenciamento da democracia burguesa, o PT decidiu por não aderir ao Fora, Bolsonaro. Ou seja, mesmo sabendo que com este sociopata no governo correremos o risco de não termos mais eleições, que os direitos de nossa classe podem ser totalmente destruídos e que sofreremos cada vez mais com a dura repressão do Estado às nossas organizações e dirigentes, nem assim, a burocracia lulista não abriu mão da decisão de continuar com o alinhamento com parte da burguesia no sentido de “desgastar” Bolsonaro e tentar voltar ao governo na eleição de 2022.

Uma semana depois, em reunião nacional, decidem por aderir ao Fora, Bolsonaro dizendo que agora “o Brasil e as instituições estão diante de uma escolha entre Bolsonaro ou a democracia” 2. Ou seja, da mesma forma que outras organizações de “esquerda” encaram tardiamente a necessidade de fazer a luta política direta contra o conjunto do governo que já estava colocada há algum tempo na realidade nacional. 

Além do “atraso” em relação à agitação pelo Fora, Bolsonaro, a direção do PT ainda não se decidiu pela linha do impeachment ou por qualquer outra forma de cassação desse governo. Na atual situação política só poderemos derrubar Bolsonaro a partir de uma forte mobilização que obrigue Maia (Presidente da Câmara) ou Toffoli (Presidente do STF) abrirem esse processo via Congresso ou STF. 

Esses senhores sabem que um processo de impeachment, ao contrário da desculpa que dão – de que esse processo atrapalharia a tomada de medidas contra a pandemia -, pode mudar a correlação de forças de forma significativa. Os representantes dos patrões temem que a continuidade da mobilização dos trabalhadores e dos oprimidos em sequência ao impeachment pode fazer com que as demais medidas de ataque contra nossa classe sejam bloqueadas e revertidas. 

Daí a importância de agitar essa palavra de ordem e fazer a mobilização direta para derrotar Bolsonaro. Mas o processo de luta pelo Fora, Bolsonaro como política geral tem que assumir formas concretas. Nesse sentido, também é parte da estratégia de conciliação com a grande burguesia a direção do PT  não ter ainda decidido por entrar com pedido de impeachment de forma unificada com os demais partidos de oposição. 

Outro enorme problema nessa conjuntura é que ela requer, por um lado, a máxima unidade de ação para derrotar o neofascista Bolsonaro e, por outro, a total independência de classe. Nesse sentido, nenhuma surpresa quando a CUT, que é dirigida pelo PT, convocar um 1º de Maio com a presença de FHC e Maia, linha tão escandalosa que gerou uma crise interna na CUT. Uma coisa é ação pontual contra Bolsonaro e o neofascismo outra, totalmente diferente, são ações de frente única da nossa classe, como é o caso do 1º de Maio. Uma das datas fundacionais do movimento operário moderno em homenagem aos Mártires de Chicago que foi tomada como dia mundial de luta contra a exploração e opressão da nossa classe. 

Como vemos, o conjunto da concepção e da prática política do lulopetismo é extremamente prejudicial para a estratégia de luta independente, pois, como ainda dirige a maior parte dos movimentos sociais, além de bloquear ou desviar a ação de parte significativa da classe trabalhadora, desarma os que estão dispostos para a luta. Por essa razão, estamos diante da necessidade de superar essa direção e construir outra que esteja à altura da classe trabalhadora e dos seus desafios imediatos e históricos. 

Fora, Bolsonaro, Mourão e todo esse governo reacionário!

O povo trabalhador tem que decidir! Eleições gerais, já!

Plano dos trabalhadores contra a pandemia!

Convocar um 1º de Maio independente dos patrões e da burocracia!

Unidade de ação para derrotar Bolsonaro!

Fortalecer os Comitês de solidariedade e de luta!

Unificar as lutas!

1.O capitalismo tem seus métodos, e fases, que são aplicados levando em conta sempre a correlação de forças de um determinado momento. Por aqui, o neoliberalismo chegou inicialmente a partir do governo FHC em meados dos anos de 1990, foi continuado na forma social-liberal com os governos petistas nos anos 2000, retomado em forma mais agressiva com o Temer e, agora, com o reacionarismo de Bolsonaro, chega ao seu ponto máximo. Como vemos, as políticas ultraliberais não são apenas resultado do atual  governo, mas sim de um acúmulo de derrotas que a classe trabalhadora vem sofrendo. Ataques que vem sendo desferidos de forma lenta e gradual desde a promulgação da Constituição de 1988. Esse não é apenas um fenômeno brasileiro, mas parte de um processo mundial. A desvantagem na luta em defesa dos direitos econômicos é expressão direta do capitalismo que vivemos desde o início do século XX que, depois da Queda do Muro de Berlim, encontrou nas chamadas políticas neoliberais as condições para o aumento da exploração sobre os trabalhadores e a dilapidação das riquezas naturais. 

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