Somente a unidade na luta pode derrotar o neofascismo!

O governo sabe que existe um perigo real de contágio das rebeliões populares que ocorrem na América Latina sobre a realidade politica brasileira, por isso querem violentar a Constituição e a legislação para armar preventivamente o regime de dispositivos de repressão frontal a qualquer tipo de contestação popular. Cabe, assim, à esquerda socialista, particularmente ao PSOL, dar a máxima prioridade para a realização de uma campanha nacional com o objetivo de construir nas ruas a unidade de ação contra essa ofensiva reacionária.

ANTONIO SOLER e JOSÉ ROBERTO

A greve geral contra a reforma da Previdência do governo Macron na França (com mobilização de mais de milhão de pessoas) iniciada ontem, a extraordinária jornada de lutas na Colômbia, contra o golpe de estado e a total mobilização estudantil, no mês de outubro, na Costa Rica, são uma pequena amostra de que vivemos uma conjuntura internacional marcada por multitudinárias manifestações por demandas da juventude e mulheres, como também por emprego e salários (greve geral na General Motors nos EUA em setembro e os diversos dias de paralisação geral, de junho a setembro, no Uruguai, por ex.) e por reais rebeliões populares, principalmente no Cone Sul, mas também em outras regiões do mundo.

Ainda que apresentando profundas desigualdades em seu desenvolvimento, esses movimentos marcam um momento de polarização e importante contraponto ao giro à direita ocorrido na situação mundial, que vem atingindo profundamente o conjunto dos direitos – econômicos, sociais e políticos – dos trabalhadores e dos oprimidos nos últimos anos.

Evidentemente, se ainda não factualmente, essa polarização repercute sobre a realidade brasileira. Não é por acaso que Bolsonaro, além das ameaças de seu filho Eduardo e do seu ministro Paulo Guedes de recorrer a um novo AI5, enviou projeto de lei ao legislativo que visa endurecer a repressão contra os movimentos sociais através do excludente de ilicitude. Ou seja, sabe que existe um perigo real de contágio desse processo de rebeliões populares no Brasil em médio prazo e ameaça violentar a Constituição e a legislação para se armar preventivamente de dispositivos de ataque frontal a qualquer tipo de contestação popular.

Apesar disso, as contrarreformas têm avançado praticamente sem resistência devido à traição das grandes centrais sindicais. Esse foi o caso das “reformas” da Previdência que não foram enfrentadas com uma resistência à altura: na verdade foi negociada pela burocracia petista e não-petista. E para piorar o cenário, a esquerda socialista diante do avanço do projeto nas duas casas legislativas não tomou nenhuma iniciativa de convocação de ação unificada nas ruas para se colocar contra o avanço da “reforma”.

Como resultado, tivemos a aprovação da PEC da Previdência sem nenhuma resistência quando esta tramitou pelo Senado. A negociação na Câmara dos Deputados para que não atingisse servidores estaduais e municipais em troca de sua tramitação “sem maiores problemas”, como era de se esperar, foi ineficaz, uma vez que no Senado foi elaborada e aprovada uma PEC paralela incluindo estes servidores. Essa PEC foi aprovada no Senado e agora tramita na Câmara dos Deputados. Com essa vitória, a classe dominante e o governo se animam para avançar ainda mais sobre a classe trabalhadora.

Oportunismo deixa campo livre para Bolsonaro

Na ausência de manifestações massivas e unitárias contra o projeto político-econômico bolsonarista, o governo se apressa em apresentar projetos de lei e de emenda constitucional calcados na precarização e arrocho salarial; na demissão e redução do salário dos servidores públicos; na redução e extinção de impostos dos empresários; na entrega do patrimônio e fundos públicos para o capital financeiro e um longo etc.

Mais do que isso, se encoraja a vir publicamente expor seu conteúdo fascista ao se fazerem ameaças de reedição do AI5, de enquadrar políticos que o atacam na Lei de Segurança Nacional – fragmento contrarrevolucionário deixado pela ditadura militar brasileira já em seu final – e encaminhou projeto de lei para a Câmara dos Deputados que institui nas operações de Garantia de Lei e da Ordem (GLO – quando as forças armadas são convocadas para ocupar a função de política) o excludente de ilicitude, mecanismo que responsabilizaria agentes de segurança (soldados e policiais) apenas quando o excesso for cometido de forma dolosa (intencional).

Com um olho na possibilidade de contaminação dos movimentos populares pelo processo de rebeliões populares espalhando-se pelo mundo, o governo quer retirar a punibilidade das forças de repressão para que, atacando os movimentos contestatórios, ao fazerem vítimas fatais, ou não, se for alegado “forte pressão” ou “emoção”. Ou seja, esse é um projeto que se assemelha a uma licença para reprimir, lesionar e matar visto recentemente na Bolívia e em outros países em forte turbulência.

A par disso, Bolsonaro procura sua independência política lançando o Aliança para o Brasil, um partido que visa organizar a base bolsonarista e a liberdade de formular políticas neofascistas sem mediações. O que precisa ser verificado é a capacidade de organizar essa base neofascista para a mobilização de rua, para a luta direta, enfrentamentos armados etc., para que, assim, constitua-se de fato como um bate pau coletivo do governo e da classe dominante.

Esse governo ultraconservador – apoiado por setores da classe dominante, pela pequena-burguesia e por uma classe média imbecilizada – em seu afã bonapartista, quer impor medidas que pretendem estabelecer uma situação de semi estado de exceção preventivo. Um movimento político extremamente perigoso, pois além do apoio de um setor da classe dominante, da mídia e da classe média, pode estar contando com o apoio de um setor das forças armadas para isso, fato que ainda não está muito claro. Contudo alcançada essa fase, um endurecimento completo do regime, não fica afastado.

O contraponto a essa situação se apresentou com a revisão da prisão em segunda instância pelo STF que, como resultado imediato,  fez voltar a garantia do trânsito em julgado (mas que pode ser revertido através de mudanças na constituição ou lei ordinária, um debate jurídico que está sendo feito) e por consequência, permitiu a libertação de Lula, colocando um elemento novo no cenário político nacional, uma “pseudo-polarização” com Bolsonaro.

Sabemos ser essa uma vitória indireta, parcial e temporária, pois Lula é um jogador político real de oposição parlamentar a Bolsonaro, mas irá usar sua popularidade e capacidade de mobilização exclusivamente para a disputa eleitoral. Porém, contraditoriamente, a sua soltura aparece para amplos setores como uma vitória, uma possibilidade de enfrentar politicamente o governo e reverter a situação.

Temos claro que essa não é uma polarização real porque, de um lado, se tem um governo de extrema direita protofascista e, de outro, uma figura e um partido de centro-esquerda, burguês-operário, que não vai fazer o enfrentamento à altura ao governo. Pelo contrário, já está desviando todo descontentamento para as eleições de 2020/22.

Porém, não negamos que mesmo por essa via há uma ameaça ao governo porque a polarização eleitoral, em face da agudização dos problemas sociais, pode acabar fugindo ao controle das burocracias político-sindicais tornando-se um canal de catalização política para uma eclosão das lutas nas ruas. Daí a preocupação do governo e a ameaça a Lula de o enquadrar na Lei de Segurança Nacional, pois dessa contradição entre a percepção das massas do que pode significar a liberdade de Lula para suas lutas e a linha de levar tudo para a disputa eleitoral, surge uma tensão que deve ser explorada pela esquerda de exigências de que chame a luta nas ruas contra o governo.

Elementos da realidade reafirmam a necessidade de unidade

Apesar desta conjuntura adversa, existe crescente pressão política, econômica e social no Brasil, que, somada a conjuntura de continuidade dos processos de rebelião no Cone Sul, pode provocar uma mudança no cenário.

Temos como componentes que podem ser explosivos: a popularidade do governo que segue baixa (algo em torno de 30%), a semiparalisia econômica, o desemprego na casa dos 13 milhões, o significativo crescimento da miséria – cerca de 4 milhões, a crescente inflação de alimentos, a alta do dólar e a piora crescente das condições de vida.

Do ponto de vista político, tivemos momentos de resistência de massas da juventude com repercussão nacional contra o corte de gastos na educação e por autonomia das universidades que obrigou o governo a recuar em seus ataques, o que significa que a juventude é um setor que não está derrotado e que pode voltar à luta. Além disso, diante da catástrofe que acomete os serviços, devido à restrição orçamentária, do processo de privatização e da perda de direitos, começa a se colocar em marcha a resistência de funcionários públicos estaduais. Processos que podem, apesar do tremendo freio que significa a direção burocrática, particularmente a lulista, e do alto desemprego, impulsionar a mobilização de alguns setores da classe trabalhadora.

Por outro lado, o PSTU segue em seu economicismo estéril e a direção do PSOL, em seu oportunismo[1], pois mescla as táticas de unidade de ação, frente para lutar e frente política, ameaçando a independência do partido, pois a única unidade real que busca com o PT é em torno das campanhas eleitorais para 2020/22.

É preciso fugir ao sectarismo e ao oportunismo eleitoral, tendo claro que, além da necessidade de dar respostas comuns ao conjunto dos ataques econômicos (MP 905, privatizações e outros), frente às ameaças aos direitos democráticos é fundamental que a esquerda hierarquize esse tema e impulsione campanhas unificadas em seu entorno.

É preciso que todas as iniciativas políticas, atos, manifestações, encontros, congressos etc. tomem como central a luta contra o ataque aos direitos democráticos que estão sendo seriamente ameaçados, e também a exigência de que a esquerda socialista, todo o movimento social e os que se dizem defensores dos direitos democráticos atuem de forma unificada nesse momento para repelir os ataques em curso feitos por esse presidente neofascista.

Não se pode mais admitir o chamamento de atos em dias distintos como os que foram convocados para a primeira semana de dezembro, pela CSP-Conlutas e pela Frente Povo Sem Medo, respectivamente, bloqueando qualquer iniciativa de unidade na ação na luta contra a bonapartização do regime e em defesa dos direitos democráticos.

No sentido da superação desses fatos, incorporamo-nos ao chamado de todos os trabalhadores, movimentos e organizações sindicais a participarem do Seminário Nacional convocado pelo Fórum pelos Direitos e Liberdades Democráticas, a se realizar nos dias 14 e 15 de dezembro próximo, no SIMPEEN-SP.

Criado em fevereiro de 2019, propõe-se em ser uma alternativa na “construção de unidade para lutar contra os ataques à classe trabalhadora e contribuir para a construção e o fortalecimento de ações unitárias de resistência e luta diante de uma conjuntura de grandes retrocessos e perdas de direitos”, como descrito em seu manifesto de fundação.

Confiamos que seja um primeiro passo na efetivação da polarização existente no resto do mundo, a única com possibilidades reais de vitória: a UNIDADE NA LUTA NAS RUAS.

 


[1] Quando estávamos fechando essa nota foi votado na Câmara do Deputados o “pacote anticrime de Moro”, que aposta no punitivismo e no encarceiramento e que irá servir para criminalizar ainda mais os movimentos sociais e a esquerda, com votos de partidos da esquerda e da esquerda socialista, esse é um exemplo de oportunismo que desarma para a luta contra o avanço neofascista que vamos discutir em noutra nota.