É preciso dar passos para construir uma frente de esquerda socialista imediatamente

Nos dias  25 e 26 de setembro ocorreu a etapa nacional do 7º Congresso do PSOL. Em que pese ter ocorrido de maneira remota, o que alijou parte significativa da base partidária, que forças políticas da maioria tenham usado amplamente do aparato dos gabinetes e outros para transportar filiados para votar em suas teses, as votações deste congresso não significaram a imposição de uma maioria absoluta que calasse a voz da esquerda partidária como pretendia a direção majoritária. Ao contrário disso, as concepções, teses e forças de esquerda se mantêm vivas e em plena luta contra a refundação do partido. 

ANTONIO SOLER[1]

Maioria da direção não consegue calar a voz da base

Em nossa avaliação, a realização do 7ª congresso do PSOL deveria ocorrer em todas as suas etapas de maneira presencial, assim que as condições sanitárias fossem favoráveis, isso tende a ocorrer a partir de outubro deste ano. 

O enfrentamento ao governo Bolsonaro, as estratégicas e táticas para a mobilização, apresentação de um perfil do partido e superação dos desafios organizativos são temas que exigem que a participação da base do partido ocorra da forma mais ampla possível. Mas pelo afã do bloco Psol de Todas as Lutas (PTL) de impor uma maioria artificial ao partido, aprovaram a realização de um Congresso à distância que vai na contramão dessa necessidade de um rearme profundo e amplo da base partidária. 

Em um país em que 70% da população não dispõe de banda larga de internet, as plenárias virtuais realizadas nas fases municipais, estaduais e nacional do 7º Congresso, além de não garantirem a qualidade dos debates, acabaram por excluir milhares de filiados e militantes das apresentações de teses, debates e diálogos sobre os desafios da luta de classes e da construção do partido.

Quando da votação das teses na etapa municipal, assistimos um verdadeiro circo dos horrores que lembram as Peds (Processo de Eleições Diretas) petistas em que os filiados são chamados a votar sem que tenham participado organicamente das discussões partidárias que ficam relegadas à burocracia partidária. E como parte dessa prática assistimos em vários lugares as tendências ligadas ao PTL usaram do velho expediente burocrático do voto de cabresto em que os filiados são transportados em ônibus, vans e carros bancados pelos aparatos parlamentares, sindicatos e movimentos. 

Esse método petista (burocrático) de consulta às bases certamente não esteve a serviço da maior participação dos filiados ou da democratização do partido. Mas sim de criar uma distorção na representação nas instâncias de direção em todos os níveis para impor ao partido uma maioria absoluta que pudesse excluir a oposição de postos chaves da direção e calar as vozes da esquerda que, apesar destas distorções de aparato, têm encontrado cada vez mais eco na base partidária. 

A polarização da luta de classes fora do radar da direção majoritária

Uma vez pontuado o problema metodológico, organizativo e político de realizar o congresso na pandemia e usar os métodos petistas para a votação interna, é importante realizarmos uma primeira e breve apreciação das resoluções centrais para que possamos balizar a luta contra o frentepopulismo que devemos encarar daqui em diante.

Comecemos pela resolução de conjuntura internacional. Apesar da resolução ter pontos que se podem acatar, uma série de problemas na linha internacional (análise, estratégia e táticas) surgem e precisam ser pontuados para que a nossa luta por um rearme político correto seja dada.  

A resolução parte da crise econômica de 2008 e a caracteriza como um “estouro de uma bolha especulativa construída na esfera financeira de acumulação, [que] precipita um conjunto de revoltas populares.” Cabe destacar quando se coloca desta maneira acaba por deixar de fora que a crise de 2008 tem como base o processo de tendência de queda da taxa de lucro, de superprodução e de baixas taxas de acumulação. Torna-se, assim, uma caracterização superficial, localizada e conjuntural do processo, ou seja, de que a crise poderia ser algo mais pontual. Isto é, de que foi fruto de escolhas econômicas equivocadas, maquiando assim a essência destrutiva do metabolismo do sistema capitalista e a necessidade de superá-lo.  

Uma crise da reprodução capitalista complexa e de caráter estrutural que mesmo com o avanço das contrarreformas (aquilo que Michael Roberts chama de contratendências que dialeticamente aparecem para retardar, desacelerar e reverter a tendência da queda tendencial da taxa de lucro), aumento da exploração pelo uso de novas tecnologias e destruição das forças produtivas não tem permitido uma recuperação sustentável e em todo o planeta tem trazido enormes dificuldades para que se possa superar a crise de 2008 de forma definitiva.  

A crise e as políticas anticíclicas fizeram surgir movimentos mundiais a partir de 2011 e deram base para o “questionando dos partidos tradicionais tanto da direita quanto da centro-esquerda, uma nova geração de ativistas surgiu no calor desse ascenso, dando base para o desenvolvimento (onde já existiam) e a constituição (onde não existiam) a novas formações de esquerda radical e/ou anticapitalista.” Porém, a resolução votada no congresso em momento algum crítica e interpreta os limites, os desvios e as traições que as velhas e novas formações reformistas/burocráticos – a frente ou não de governos – provocaram apesar da enormidade que significou esse processo de rebelião popular que teve sua centralidade inicialmente na Europa e no norte da África, mas que acabou tomando conta do mundo todo.

A crise econômica e as políticas burguesas de destruição das forças produtivas encontram ou elegeram em vários países do mundo governos de conciliação de classes que aplicaram as mesmas medidas para recompor a valorização do capital e/ou manter estruturas políticas opressivas, fazendo com que essas velhas e novas formações políticas reformistas neo/formistas  fossem testadas. 

Nesse processo de fracasso da estratégia de conciliação que predominou em todo o mundo com destaque para a América do Sul, “surgiu uma extrema-direita anti-establishment que passou a questionar as instituições e organismos políticos, financeiros e militares multilaterais internacionais, bem como a democracia liberal enquanto regime de dominação”. Isso é um fato inegável e típico dos momentos de maior tensão da luta de classes. 

O que a resolução não trata é de que o avanço dessas formações políticas reacionárias só pude ocorrer no vácuo das forças da esquerda em grande medida devido ao fracasso da estratégia de conciliação de classes diante dos momentos decisivos da luta de classes, e permitindo assim o avanço das forças burguesas reacionárias que fizeram a situação mundial girar à direita. Porém, pela irresolução estrutural da crise econômica e pelas potencialidades da luta da classe trabalhadora, da juventude, das mulheres e dos oprimidos em nível mundial, junto com o giro à direita, a polarização e instabilidade se mantiveram, também,  como pano de fundo da situação política. Em certa medida como caráter permanente, de alternância entre avanço e recuo de rebeliões populares, condição que evidencia o não encerramento do ciclo destas rebeliões neste século e que deixa claro o seu limite político por uma série de razões.      

A experiencia com governos de direita e de extrema-direita pelo mundo que atuaram ferozmente para impor um patamar mais profundo de exploração e opressão sobre nossa classe fez com que uma nova onda de lutas surgisse, isso se pode ver na luta das mulheres, da juventude, dos negros, da comunidade LGBTQIA+, dos povos originários e dos trabalhadoes preecarizados contra a ofensiva da extrema-direita. Esse processo de ascensão da luta da juventude, principalmente, em todo o mundo acabou sendo interrompido pela pandemia da Covid. Porém, a pandemia acabou sendo o fator que fez explodir uma depressão mundial em uma economia que já estava dando sinais de que iria ter o seu crescimento interrompido apesar do crescimento econômico dos anos que a antecederam, principalmente pelo superendividamento das empresas privadas.

Na resolução podemos ler que “a economia de um mundo que girava em alta rotação foi freada bruscamente produzindo uma queda de 4,3% do PIB mundial”.Em que pese que a pandemia criou uma barreira/mediação momentânea para a luta direta das massas devido à necessidade do isolamento social, impactou a fundo o planeta, com milhares de contágios e mortes, aprofundamento da desigualdade social, desemprego e aumento da pobreza e miséria em todo o mundo – um fenômeno revelador das contradições antes maquiadas na antiga normalidade. O que contraditoriamente também tem servido para retroalimentar lutas decisivas para que o pêndulo político gire novamente à esquerda – apesar de não cristalizar governos e programas de esquerda, por isso aparece como tendência, mas que coloca importantes derrotas à extrema-direita -, como foi o caso das mobilizações da juventude negra estadunidense em 2020 que foram fundamentais para a derrota de Donald Trump.

A resolução cita a importância das lutas das massas para a derrota da extrema- direita (EUA), de avanços nos direitos contraceptivos (Argentina) e de direitos democráticos (Chile), mas passa longe de identificar que estamos em um ciclo político marcado pela polarização e instabilidade (uma ruptura com a normalidade da democracia burguesa, uma transposição dos choques políticos antes limitados pela institucionalidade para as ruas), que tem base nas irresolução da crise estrutural do capitalismo, que só pode ser superada com a retomada da ofensiva dos explorados e oprimidos, e que para isso superar a estratégia da conciliação de classes é fundamental. Ao contrário disso, afirma que “a  crise do neoliberalismo [deveria falar em crise do capitalismo como um todo], seja ele administrado pela direita mais dura, seja por administrações com algumas preocupações sociais – em ambos os casos com o aprofundamento da desigualdade e do desespero – não se resolve sem uma profunda alteração da correlação de forças que dispute a apropriação dos ganhos de produtividade do avanço tecnológico a favor das classes trabalhadoras.”  

Fica evidente o limite estratégico da resolução que diz que bastaria passar por estabelecer uma correlação de forças que permita apropriar os ganhos de produtividade a favor da classe trabalhadora sem poder político dos de baixo, sem medidas anticapitalistas e sem expropriar a burguesia. Este, então, é o horizonte da surrada e inviável tarefa de domesticar o capital, de humanizar o capitalismo e de conciliar os interesses antagônicos que apenas recriam as condições para mais um giro à direita e fortalecimento das formações políticas de extrema-direita. 

A tarefa de apropriar os ganhos de produtividade dos pelos trabalhadores passa por tarefas históricas da luta anticapitalista não apenas pela luta antineoliberal, como pretende a resolução, tais como: suspensão de todas as contrarreformas, redução da jornada de trabalho sem redução de salário, reformas sob controle dos trabalhadores, pelo não pagamento da dívida pública e reestatização das empresas sob controle dos trabalhadores, como alguns pontos centrais. Tarefas que requerem um profundo rearme político da luta de massas, a superação – o que nunca é posto pela elaboração da maioria – do reformismo/neo reformismo que, apesar da radicalização da luta de classes em várias partes do mundo são expressões políticas que ainda seguem predominando como representação, seguem desarmando para a cada vez mais necessária luta pelo socialismo. 

A grande conclusão estratégica da resolução é que “nem China e nem EUA representam um modelo a ser seguido”, mas é incapaz sequer de colocar como perspectiva a partir das lutas de resistência, a luta desde baixo pela retomada da ofensiva e para a construção de uma sociedade a partir mobilização auto emancipadora dos trabalhadores e dos oprimidos. 

Como não tem como perspectiva essa estratégia, a tarefa colocada pela resolução é a de “alargar sua articulação com outras forças políticas anticapitalistas do mundo, em particular da América Latina, como forma de compartilhar experiências, unificar diagnósticos e propostas de ação.” Ou seja, essa proposta de articulação quer incorporar “forças políticas anticapitalistas”, mas deixa de fora o que é de mais avançado dos últimos tempos e que está colocando outro patamar de radicalização da luta de classes, que é a representação direta dos movimentos radicalizados da juventude.    

A resolução internacional é fechada com chave de ouro. Não atribui aos governos de conciliação de classes responsabilidades que tiveram diante da crise do capital e que acaba por revelar o próprio limite da estratégia do partido ao dizer que “reconhecemos a necessidade de denunciar as manobras golpistas dos últimos anos, que tiveram como propósito desalojar projetos progressistas que buscavam dar uma resposta alternativa – ainda que limitada – à crise do capital.” 

Em primeiro lugar não se trata apenas de “denunciar as manobras golpistas”, mas de lutar contra elas com total independência políticas dos governos de conciliação de classes e dizer que estes governos constituíram uma “resposta alternativa à crise do capital” é um descalabro total. Foram governos que operaram no máximo com algumas medidas anticapitalistas, como foi o caso da Venezuela em dado momento, mas que estiveram no geral limitados ao marco do social-liberalismo. 

A estratégia da resolução aprovada desconhece totalmente a composição burguesa destes governos de conciliação de classes, os estreitos horizontes de políticas de compensação social, a desmobilização das massas que provocaram intencionalmente, e  as capitulações às contrarreformas burguesas, linha política que levou ao não enfrentamento à movimentação golpista.  

Assim, toda a estratégia política passa pela “necessidade de um novo ciclo de lutas por outro modelo econômico, político, social e ambiental” sem dizer com quais objetivos, táticas e fins, mas toda a construção análise e política da resolução indica claramente que se trata de levar uma luta não para armar o partido e os movimentos sociais de uma estratégia de disputar o poder a partir da luta direta dos trabalhadores e oprimidos, mas de ser parte da reconstrução dos mesmos governos de conciliação de classes que fracassaram diante da ofensiva do capital sobre o trabalho no último período através de formações de extrema-direita em todo o mundo. 

Nenhuma crítica à conciliação de classes

Os efeitos da crise sobre as economias da América Latina (agro-exportadoras) a partir de 2012, a ofensiva do impeachment de Dilma em 2016 e a eleição de Bolsonaro em 2018 acabaram por constituir uma situação política abertamente reacionária no Brasil. Essa ofensiva reacionária nos últimos 5 anos foi responsável por uma série de medidas regressivas em todos os campos da vida. Dilma foi removida do governo porque a classe dominante precisava de governos ultraliberais (puro sangue) para desenvolver as contrarreformas que julgava necessárias – estes ataques começaram ainda no governo da petista com o estelionato eleitoral em 2014 reconhecido por Lula e a movimentação no Ministério da Fazenda que colocou Joaquim Levy, “o mãos de tesoura”, a frente da pasta. Mas foi certamente no governo Temer que as contrarreformas foram aprofundadas e com Bolsonaro que se colocou finalmente a correlação de forças necessárias para o avanço das medidas mais regressivas. 

É fato que “o governo de Jair Bolsonaro é resultado do golpe jurídico parlamentar de 2016, quando a ação reacionária de toda a direita, das grandes corporações e do capital financeiro promoveram o impeachment de Dilma Rousseff com o propósito de aprofundar a agenda neoliberal no país.” Mas não se pode deixar de levar em conta o papel que teve o PT e seus governos na eleição de Bolsonaro em 2018 e a consequente consolidação da situação reacionária no país. 

A postura do PT e seus governos foi de enfrentamento e repressão do movimento até 2014, depois quando Dilma se reelege ao contrário das promessas de campanha, passa a cortar direitos. Diante dos atos da direita em 2015/2016 e da abertura do processo de impeachment, o governo federal além de não fazer gesto algum para mobilizar setores de massas contra o impeachment acaba assinando a lei antiterrorismo para tentar estabelecer algum acordo com a classe dominante e evitar o impedimento. O resultado todo mundo conhece, Dilma é destituída no dia 31 de agosto de 2016. 

Em continuidade ao papel que a burocracia lulista teve nesse processo, no final de 2016 o PT e a CUT não levam a luta contra a lei do teto de gastos e em 2017 acabam fazendo manobras para desmobilizar a luta contra a reforma trabalhista e em 2018 Lula depois de julgado e condenado sem provas, entrega-se com o discurso de confiava na justiça, o que acabou por criar as condições para a eleição de Bolsonaro em 2018. 

É fato que “a vitória de Bolsonaro em 2018 se insere num contexto de avanço da extrema-direita no planeta, materializando-se numa série de governos ultra-reacionários, violentos e xenófobos em diversos países. Produto da crise estrutural do sistema do capital e da opção por saídas autoritárias, este fenômeno unificou parcelas do capital, das classes médias proprietárias, igrejas fundamentalistas, setores ligados aos aparatos militares e com apoio numa base de massas precarizada, especialmente entre setores dos mais vitimizados pela globalização neoliberal.” 

Obviamente que esse bloco de poder foi o que impôs todas as manobras reacionárias da classe dominante através dos seus agentes nos partidos burgueses, no congresso, na justiça e nas forças armadas para desalojar o PT do governo em 2016 e impedir que voltasse em 2018. Foram uma série de manobras reacionárias que constituíram golpes parlamentares, midiáticos, jurídicos com o apoio e a pressão da classe dominante e das forças armadas. No entanto, em sua análise da realidade, para depois justificar a política fentepopulista (aliança/participação/apoio a governos de colaboração de classes) a operação ideológica que faz a maioria da direção em sua resolução nacional se limita exclusivamente ao processo que levou à ascensão do neofascista no poder e assim retira a responsabilidade política do papel da burocracia de todo esse enredo, que foi em todo o percurso o de desmobilização e aceitação dos “golpes” em série sem resistência e que acabaram de colocar as condições para a instalação de Bolsonaro no poder, a instalação definitiva da situação reacionária e uma correlação de forças muito desfavorável – uma leitura intencionalmente unilateral para justificar o frentepopulismo

Aqui não cabe afirmar que teríamos derrotado sim ou sim essa ofensiva reacionária com outra política das direções majoritárias, mas certamente podemos dizer com toda certeza que o enfrentamento aos “golpes” sofridos com uma estratégia de resistência teria armado a classe trabalhadora e o conjunto dos oprimidos para enfrentar o golpismo nestes últimos anos e, claro, o resultado em relação à correlação de forças teria sido outro. Assim, não colocar a estratégia quietista/entreguista do lulismo como componente da equação que nos fez chegar até aqui, é parte fundamental do desarme político que quer impor a maioria da direção do PSOL para levar o partido para uma aliança eleitoral com o PT e aniquilar nossa independência política.   

Bolsonaro no poder consolida a ofensiva reacionária, o que permite avançar contrarreformas ultraliberais importantes, tais como a da Previdência, privatização da Eletrobras, autonomia do Banco Central e outras que estão em curso. Esse panorama se soma à sua política genocida diante da pandemia, de destruição do meio ambiente, de armamento para sua base social e de medidas diretamente autoritárias e anti operárias. Bolsonaro é um neofascita em toda a linha, um inimigo declarado da classe operária e das massas oprimidas, de suas organizações e de suas lutas que precisa ser derrotado antes das eleições do próximo ano. 

Em que pese que tem prestado importantes serviços para a classe dominante com as contrarreformas, o negacionismo e a política de devastação ambiental, as pretensões bonapartistas dividem a classe dominante, isola o governo internacionalmente e leva a queda de popularidade diante da catástrofe social, ambiental e sanitária que temos vivido. 

A política genocida, o ecocídio, os ataques aos direitos democráticos e às instituições do regime levam a importantes derrotas do governo no STF, no Congresso e a ameaças de cassação do mandato ou da chapa. Com a divisão no andar de cima, “do ponto de vista institucional, desde meados de 2020 Bolsonaro enfrenta seguidas derrotas no STF(…)Cada dia mais frações das classes dominantes começam a desembarcar do apoio ao governo diante da paralisia na política econômica e das ameaças golpistas que agravam a instabilidade.” 

No entanto, Bolsonaro tratou de se blindar de um processo de impeachment entregando parte do governo e seu orçamento ao Centrão, por um lado, e por outro ainda tem apoio em de uma fração da burguesia, de um setor da pequena-burguesia, dos precarizadas, das igrejas neopentecostais, das forças armadas e das polícias estaduais. Ou seja, o que a resolução da maioria não diz, e que é fundamental que seja dito, é que apenas as movimentações pela superestrutura sem que haja um importante movimento de massas nas ruas não parecem ser suficientes para que Bolsonaro caia através de um processo de impeachment ou cassação da chapa no TSE. Nesse sentido, os atos realizados em 7 de setembro foram ao mesmo tempo testes golpistas, demonstração de força e chantagens para que as instituições não avancem em medidas que possibilitem o desalojar do poder. 

Os ataques que fez ao STF e as ameaças golpistas gerou certo desconforto e uma movimentação pelo impeachment em alguns partidos, mas bastou o recuo tático através da carta redigida por Temer para que tudo se recompusesse. Mais do que isso, as condições para que Bolsonaro possa se recuperar e chegar em outubro de 2022 em condições de reeleição estão sendo criadas pelo Congresso e pelo STF, o primeiro aprovando o projeto de lei que altera a lei de responsabilidade fiscal para que o governo federal possa gastar mais no próximo ano e o outro negociando a possibilidade de dividir o pagamento dos precatórios. Ou seja, criando condições para que o governo possa fazer o seu “Auxílio Brasil” e se realinhar eleitoralmente com os setores mais empobrecidos da classe trabalhadora e, por conseguinte, se bancar no poder ganhando ou não as eleições de outubro próximo.        

Diante da tarefa central que é colocar um movimento de massas radicalizado nas ruas como condição decisiva para derrotar Bolsonaro, a resolução da maioria afirma corretamente que “em linhas gerais podemos definir a evolução da oposição de esquerda ao governo Bolsonaro e a resistência social em três momentos”. Em sintese podemos dizer que foram a do momento pré-pandemia em maio de 2019 com foco no movimento contra os cortes educacionais, o de maio/junho do ano passado puxada pela torcidas antifascistas e pelo movimento negro e a iniciada em 13 de maio deste ano, também puxada pelo movimento negro.  

É certo que os vários atos contra Bolsonaro deste ano estão impactando o conjunto do movimento dos trabalhadores e dos oprimidos, com destaque para o movimento negro e indigena, e que estamos em uma conjuntura melhor para lutar pela queda do governo. Porém, em um exercicio impar de capitulacionismo, a maioria não tece uma linha sequer sobre o papel desmobilizador que a burocracia lulista tem cumprido em cada uma das fases de luta contra o governo – como exemplo mais recente e concreto temos o último dia 2 de outubro. 

A direção majoritária, inclusive com o apoio da direção do PSOL em alguns momentos, desautorizou as manifestações em maio do ano passado, as retardou o quanto pôde e este ano não foi diferente quando interrompeu a convocação dos atos a partir também do mês de maio. Sem falar que o método da construção dos atos pela Frente Fora Bolsonaro passa totalmente pela superestrutura, sem qualquer participação ativa das bases. Essa absoluta falta de crítica à burocracia lulista tem razão de ser. Não está a serviço de encontrar as melhores táticas para mobilizar de forma autônoma as massas e para construir uma alternativa de massas superadora do lulismo, mas, sim, a qualquer custo, de estabelecer uma aliança eleitoral com o PT que lhe permita ser parte do governo e eleger mais parlamentares.

Em relação às tarefas centrais a resolução afirma: “A primeira é natureza conjuntural: lutar pela unidade para viabilizar o impeachment de Bolsonaro, sem deixar de apresentar um programa emergencial de medidas para defender a vida, o emprego, o direito à comida, a defesa das reivindicações e direitos de todos os setores sociais atacados. A segunda tarefa é de natureza mais estratégica, a saber, apresentar um projeto de reconstrução do país, capaz de aglutinar forças populares, reorganizar a esquerda e disputar o imaginário por um novo projeto de mudança e esperança.” 

Estão embutidos nestes dois eixos amálgamas, distorções e desvios da linha da maioria. Em primeiro lugar propõem táticas de unidade de ação e de frente única sem nenhuma diferenciação com a burocracia lulista, nenhuma exigência pública  ou denúncia. Ou seja, a tática de diferenciação (denúncias/exigências) tão importantes para emparedar a burocracia e para apresentar uma alternativa de direção são totalmente descartadas. Em segundo lugar confundem totalmente a tática de frente única (defensiva ou ofensiva) com a tática de frente política de esquerda. 

A tática de frente para lutar tem que estar a serviço de organizar as massas desde a base para combater o neofascimo, política e fisicamente. Já a de frente de esquerda se propõe a uma aliança disputar o poder (por vias legais ou não) político, constituir um governo operário, por isso não pode ser feito em aliança com um partido da conciliação de classes como o PT, mal chamado de esquerda. Ser parte da aliança política ou participar de um governo com esse partido em qualquer nível significa romper com os interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora, ou seja, liquidar o projeto de superação dos lulismo pela esquerda. 

Para finalizar os apontamos à resolução vamos à concepção programática aprovada pela maioria que se limita totalmente ao campo do diálogo com a classe trabalhadora de maneira atomizada e na reversão das contrarreformas dos últimos dois governos. Uma política que fica apenas nas medidas antineoliberais e não avança para medidas anticapitalistas decisivas para resolver os problemas mais sentidos da classe e abrir caminho para o socialismo. 

Apesar de falar em “superar o neoliberalismo, construir uma nova hegemonia das classes populares e promover as bases para um socialismo democrático e libertário. Esse é nosso compromisso”, a proposta de eixos programáticos não menciona temas centrais para que as bases para o socialismo sejam criadas, tais como: interromper o pagamento da dívida pública, taxas as grandes fortunas e o capital financeiro, estatizar o sistema financeiro, reduzir a jornada de trabalho sem reduzir os salários, realizar a reforma agrária de forma radical e sob controle dos trabalhadores. Ou seja, apesar de dizer o contrário, a maioria, para abrir caminho para a aliança e a participação em um governo federal do PT, quer convencer a militância do PSOL que se pode avançar politicamente para o socialismo com um programa desenvolvimentista com poucas pitadas de políticas de compensação e consulta popular.  

Tática eleitoral para capitular ao petismo

O centro da luta de classes hoje passa pela derrota do neofascismo nas ruas, isso é ponto pacífico. A questão é com qual linha, estratégias e táticas vamos impor o impeachment e abrir o caminho para uma ofensiva dos explorados e oprimidos.  

Como dito acima, para nós é preciso combinar a mais ampla unidade de ação, frente de luta e frente de esquerda sem amalgamados, com total liberdade de crítica contra a burocracia, a serviço da mobilização e da auto-organização dos trabalhadores e oprimidos e da construção de partidos revolucionários – condições decisivas para que possamos avançar na tarefa estratégica central que é construir o socialismo. Qualquer tática que vá contra esse caminho tem que ser rejeitada por toda a base partidária.

Em sua resolução sobre eleição, a maioria afirma que não quer “simplesmente um governo de “salvação nacional”: queremos um governo de esquerda, comprometido com os direitos sociais, o meio ambiente, a soberania nacional, a superação dos preconceitos e da violência de Estado. Um governo à serviço da igualdade e da justiça social.” Obviamente que esses objetivos não podem ser conquistados com governos de conciliação de classes, como os do PT. Esses governos serão necessariamente a repetição, claro que em um contexto econômico ainda mais difícil, da estratégia de conciliação de classes, participando partidos burgueses ou não.

A tática eleitoral do PSOL deve estar a serviço do fortalecimento de nossa bancada parlamentar e de cargos executivos, do movimento social e da construção do partido, mas isso não pode ser feito ao custo da perda da independência de classe. A resolução eleitoral mais uma vez confunde os termos da questão ao dizer que prioridade no atual momento é “a construção da unidade entre os setores populares para assegurar a derrota da extrema-direita”. Esse processo de diálogo deve envolver elementos programáticos, arco de alianças e não pode ser uma via de mão única.” Como já foi dito, as táticas privilegiadas para lutar contra Bolsonaro são a da unidade de ação e de frentes para lutar e não a aliança política ou a participação  em governos que estarão necessariamente a serviço da classe dominante. Se isso ocorrer, será o fim do PSOL como partido que pretende superar pela esquerda o lulopetismo. 

Para nós e para 44% do partido representado no 7º Congresso, diante de uma conjuntura em que o debate eleitoral já está posto sob a opinião pública em sua ampla maioria, a melhor tática eleitoral hoje é a de lançar uma pré-candidatura independente. Isso porque, ao contrário do que vocifera o lulismo, inclusive da maioria da direção, uma pré-candidatura do PSOL cumpria dois papéis fundamentais hoje. 

Em primeiro lugar, diante da ausência de uma pré-candidatura que convoque para a luta, visto que Lula não convoca e nem chama os atos, a nossa se jogaria na tarefa central de hoje que é a organização do Fora Bolsonaro. Depois, uma pré-candidatura teria o papel de construir no interior da esquerda (de fato) uma frente política a partir de uma ampla discussão programática para a luta de classes e para as eleições de 2022.  

A resolução eleitoral aprovou “autorizar a Executiva Nacional do PSOL a iniciar diálogos formais para a construção de uma frente eleitoral das esquerdas com vistas à unidade no plano nacional, bem como autorizar as Executivas Estaduais a fazerem o mesmo no plano local quando possível, levando em consideração a necessidade de derrotar a extrema-direita e os governos reacionários que tenham agenda alinhada ao governo Bolsonaro.” 

Sem assumir abertamente, esse item da resolução é na prática a tática eleitoral de fazer aliança com o PT em 2022. Ao contrário disso, quase metade do partido entende que amalgamar as táticas de frente para lutar e frente de esquerda será um desastre para o partido, principalmente quando se quer enquadrar partidos da conciliação de classe, caracterizando o PT como “esquerda”. Apoiar essas alianças ou participar destes governos significa governar de acordo com os interesses dos patrões, atacar direitos dos trabalhadores, desmobilizar as organizações de massas e reprimi-las quando saem do controle. 

Outro item da resolução aprovada decide “convocar uma Conferência Eleitoral Extraordinária, formada pelos membros do Diretório Nacional do PSOL, para o primeiro semestre de 2022 com a finalidade de tomar as definições conclusivas sobre a tática eleitoral, distribuição dos recursos do fundo eleitoral, política de alianças, regulamentação das candidaturas coletivas e temas afins.” 

Adiar a decisão de ter uma pré-candidatura para negociar um acordo com o PT é abrir mão da independência política do partido. Diante das dificuldades de mobilizar amplamente, a cena política hoje exige uma pré-candidatura socialista para discutir saídas estratégicas, construir o PSOL e correr por todo o país organizando a luta para derrotar o governo. Assim, a votação imposta pela maioria nos fragiliza como partido, pois nos deixa sem uma ferramenta oficial e fundamental para fazer política hoje. 

Outra coisa, totalmente diferente, é se for aberta uma conjuntura em que Bolsonaro possa ganhar no primeiro ou segundo turno das eleições. Ai para evitar que o neofascista ganhe as eleições e a use para ir a um fechamento direto do regime se coloca taticamente o voto crítico em Lula, isso em hipótese alguma pode significar participar de uma aliança eleitoral com o PT ou participar de seus governos em qualquer âmbito. Mas, como fazemos política a partir da conjuntura presente, não ter uma pré-candidatura significa abrir mão de apresentar uma alternativa de esquerda independente no processo político posto hoje. Mas, o debate no interior do PSOL segue vivo e aberto, 44% da base partidária entende a importância de uma pré-candidatura hoje e seguirá lutando pela sua posição com ainda mais força através do nome do deputado Glauber Braga. 

Golpe na representação da base do partido

Como não bastasse o fato do 7º Congresso ter sido realizado durante a pandemia, causando a exclusão e a despolitização do processo e a utilização de métodos de aparato para levar filiados para votar em suas teses, a maioria na resolução sobre organização partidária em vez de tratar dos problemas mais sentidos em termos de organização e funcionamento aprovou um item em sua resolução que até então não tinha sido discutido em lugar algum.

Depois de todo o falatório abstrato sobre nova esquerda contra o sistema, que a base do partido precisa participar de forma mais ativa, que o PSOL precisa ser um partido mais inserido na realidade, sem que nenhuma proposta concreta fosse feita para que a direção em todos os níveis de fato garantam a nucleação, diálogo entre as várias instâncias partidárias, submissão dos mandatos à direção e base do partido, formação teórica permanente da militância e abertura dos sites nacional, estaduais e municipais para todas as posições políticas do partido, a resolução nacional afirma que precisamos de uma “revolução democrática”. 

Essa “revolução” se manifesta na fase nacional do 7º Congresso através de uma alteração na composição da Executiva Nacional sem que antes tenha aparecido em tese ou discussão alguma em todo o pré-congresso partidário. A Executiva Nacional que tinha 18 membros passa a ter, agora, na “gestão 2021-2023 uma Executiva Nacional de 19 membros e um DN de 61 membros, respectivamente, alterando para esse período a disposição estatutária sobre o tema.” Ou seja, essa é uma mudança no órgão cotidiano de direção do partido que não foi discutida com a base em nenhum momento, que distorce a representação do congresso e que apenas favorece a representação dos setores majoritários do partido. A maioria trabalhou com métodos ilegítimos para ter ⅔ do partido, mas mesmo assim não conseguiu obter tal resultado. Para criar uma desproporção no final do processo, mudando as regras no fim do jogo, foi dado esse golpe que distorce a vontade da base do partido. 

Impulsionar já uma Frente de Esquerda Socialista para as lutas e para as eleições

Mesmo com as distorções provocadas pela realização do Congresso em plena pandemia, métodos de aparato utilizados pela maioria e uma construção política que desarma o partido para as tarefas centrais da luta de classes e que dá mais um passo rumo à capitulação total ao lulismo, o 7º Congresso demonstrou através da votação de importantes temas, como o da candidatura própria que contou com a votação de 44% dos delegados, que o debate no interior do PSOL segue vivo, que o caminho para o frentepopulismo não está ainda sedimentado e que a esquerda tem um amplo campo para lutar pela independência política.

A vanguarda lutadora e setores do movimento de massas, esperam da esquerda do partido, do Movimento Esquerda Radical e das correntes socialistas revolucionárias que compõem o PSOL que apostem a fundo na luta independente para derrotar Bolsonaro e todos os ataques em curso. Mas, além disso, querem ouvir da esquerda que lutará até o final contra a liquidação do PSOL como alternativa de esquerda ao lulismo, que não irá compor aliança eleitoral e, muito menos, qualquer governo de conciliação de classes. 

Nesse sentido, para se contrapor à frente política de conciliação de classes com a burguesia que a maioria do PSOL está articulando com o PT e cia, é preciso abrir imediatamente a discussão em torno da necessidade de dar passos para a construção de uma Frente de Esquerda Socialista. Essa frente já tem na realidade importantes elementos (a articulação Povo na Rua, a esquerda do partido e a pré-candidatura de Glauber Braba) que devem ser combinados e potencializados com o objetivo de organizar o conjunto dos socialistas. Esse polo de lutadores dentro e fora do PSOL não se renderá à capitulação ao lulismo dentro e fora do PSOL e continuará construindo uma saída anticapitalista nas lutas e nas próximas eleições.

[1]  Colaboração e revisão de Renato Assad.