Quando as mulheres começaram a escrever a história

8 de março, dia da revolta das mulheres trabalhadoras contra a escravidão doméstica” – poster bolchevique

A origem do 8 de março

Por Tofi Mazú, 27/01/2019

Está se aproximando 8 de março e o movimento feminista já está preparando uma nova greve internacional, mobilizações em todas as partes do globo, assembléias, documentos e inúmeras atividades. O Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, no calor da quarta onda feminista, ganhou uma relevância impressionante nos últimos anos; e, atualmente, sua organização na Argentina põe à prova os debates estratégicos que passam pelo ativismo. Nesse sentido, acreditamos que merece trazer à memória a história desta data emblemática.

As mulheres da classe operária

A história de 8 de março é marcada por diferentes eventos cujos protagonistas são mulheres trabalhadoras e militantes revolucionárias do século XIX e do século XX. O primeiro marco que traça a linha do tempo das mulheres na luta de classes remonta a março de 1857, quando trabalhadoras têxteis novayorkinas tomaram as ruas em meio a uma greve maciça para exigir dia de trabalho de 10 horas, e porque ganhavam menos da metade de seus colegas do sexo masculino; manifestação em que foram brutalmente reprimidas pela Polícia. Meio século depois, também em março, 15.000 trabalhadoras irromperam novamente em Nova York com a greve das passadoras. Dez anos mais tarde, em 1908, o incêndio na Fábrica Cotton, onde morreram 140 pessoas – a maioria mulheres – em meio a uma batalha com as forças repressivas, que estavam como sempre, defendendo a propriedade privada dos patrões. Todos esses fatos têm nuances em sua documentação e existem pequenas variantes e posições encontradas. Mas o que não há dúvida é sobre a origem proletária desta data. Se há uma coisa que podemos afirmar, sem dúvida, é que as mulheres escreveram sua história de luta contra a opressão sofrida como mulheres e a exploração sofrida como trabalhadoras.

A orígem socialista do 8 de março

Lênin definiu o século XX como um tempo de “crise, guerras e revoluções”. As mulheres, longe de serem estranhas ao seu contexto, ocuparam um papel fundamental nos tempos políticos agitados da época, onde a ordem social estabelecida era questionada pelas pessoas de baixo. Os partidos revolucionários da época deram às mulheres a possibilidade de fazer política, mesmo quando as leis de vários países as proibiam. Assim, se ergue a figura de Clara Zetkin, líder da socialdemocracia alemã, revolucionária que dedicou a sua vida a encarar a emancipação das mulheres, no quadro da luta pela emancipação de toda a humanidade.

Zetkin interveio tanto no movimento operário quanto no movimento feminista, no calor da luta pelo sufrágio feminino. Ela travou enormes batalhas contra o feminismo burguês, que procurou dirigir essa batalha apenas em termos de seus interesses como privilegiadas: sem lutar pelo voto das mulheres proletárias; um feminismo que baixou suas bandeiras com o advento da Primeira Guerra Mundial, para apoiar seus governos naquela carnificina imperialista. Uma das principais preocupações desta líder revolucionário era a organização das mulheres trabalhadoras, a participação política das mesmas e a necessidade de acabar com a barbárie que existia nas fábricas e nas casas. Embora em muitos países era proibida a sindicalização das mulheres, os partidos revolucionários foram um dos principais canais de expressão para as mulheres da época, grevistas ativas e combatentes da classe trabalhadora, e onde não capitulou ante os governos burgueses na luta pelo sufrágio. Daquele movimento emerge, e não de outro lado, o 8 de março.

Foi na Conferência das Mulheres em Copenhague, em 1910, organizada pela Segunda Internacional Socialista, que Clara Zetkin propôs organizar um Dia das Trabalhadoras tá cada 8 de março, em memória das trabalhadoras têxteis que haviam caído como Os Mártires de Chicago, lutando por seus direitos. Se em 1909 as trabalhadoras americanas e seus líderes socialistas deram um enorme passo na escrita da história, as e os revolucionários daquela época abraçaram entusiasticamente esta iniciativa, fazendo dessa data um emblema, sob o slogan “o voto da mulher unirá nossas forças na luta pelo socialismo“. O primeiro Dia da Mulher aconteceu no ano seguinte, em 1911.

A data escolhida para a primeira celebração deste evento do povo trabalhador foi, na verdade, 19 de março. Era o aniversário da revolução alemã de 1848, quando o rei da Prússia foi forçado a ceder à iminência de um levante proletário, que continha em suas demandas o sufrágio feminino. O epicentro deste evento foi, obviamente, a Alemanha; mas também foi realizado em outros países europeus. Como relatado por Aleksandra Kollontai – líder do Partido Bolchevique – em seu texto Dia Internacional da Mulher, a primeira celebração deu às mulheres oprimidas a possibilidade de intervir politicamente em defesa de seus próprios interesses, em muitos casos pela primeira vez em sua vida. As donas de casa, as empregadas domésticas, as lavadeiras, os tecelões … todas constituiram aquele “tempestuoso e vibrante mar de mulheres” que Kollontai descreve tão detalhadamente em seu artigo.

Este texto de Aleksandra Kollontai data de 1920, três anos após a classe trabalhadora russa tomar o céu por assalto. Nele, a autora afirma: “O Dia da Mulher Trabalhadora foi organizado pela primeira vez há dez anos na campanha pela igualdade política das mulheres e pela luta pelo socialismo. Este objetivo foi alcançado por mulheres da classe trabalhadora na Rússia. Na república soviética, mulheres trabalhadoras e camponesas não precisam lutar pelo sufrágio ou pelos direitos civis. Já conquistaram esses direitos: o direito de votar, de participar dos Soviéts e de participar de todas as organizações coletivas (…) Mas os direitos por si só não são suficientes. Você tem que aprender a usá-los. O direito de voto é uma arma que temos que aprender a usar em benefício próprio e da república operária. Em dois anos de poder soviético, a própria vida não mudou em nada. Estamos apenas no processo de lutar pelo comunismo e estamos cercados pelo mundo que herdamos de um passado sombrio e repressivo. Os grilhões da família, o trabalho doméstico e a prostituição ainda são um fardo pesado para a mulher trabalhadora. Mulheres trabalhadoras e camponesas só podem se livrar dessa situação e alcançar uma igualdade real, e não apenas na lei, se colocarem todas as suas energias em fazer da Rússia uma sociedade verdadeiramente comunista “.

A Rússia foi o primeiro país onde a igualdade legal entre homens e mulheres foi alcançada, o primeiro país onde o aborto foi legalizado e onde a homossexualidade deixou de ser penalizada. Tudo, da mão da revolução que em 1917 se levantou para construir uma sociedade completamente diferente, à imagem e semelhança dos explorados e oprimidos. A maior façanha da classe trabalhadora nasceu com as trabalhadoras na rua num 8 de março, naquela data estabelecida por suas irmãs e irmãos de classe de diferentes países do mundo, reunidos em congressos e conferências socialistas.

As herdeiras das trabalhadoras que não puderam queimar

O movimento feminista, apoiado por importantes organizações revolucionárias, conquistou uma série de direitos fundamentais ao longo da história. No entanto, como disse Aleksandra, A Vermelha, a situação básica das mulheres não mudou. Cada conquista do movimento melhora as condições de vida de cada um de nós, sim; mas com mais de um século de luta, ainda sofremos o flagelo dos trans-travestis-femicídios; Na maior parte do mundo não podemos decidir sobre o nosso corpo; continuamos nos piores empregos; e a casa e o bordel permanecem verdadeiras prisões para milhões de nós outras e de nós outros. É que ainda não mudamos o mundo. Nós não temos o poder, as e os trabalhadores. O mundo continua governado por esse 1% que vive às nossas custas. A guerra contra o capitalismo patriarcal que as trabalhadoras da Cotton empreenderam quando foram queimadas ainda é válida e hoje, em tempos que se espera mais tumultuados, manifesta-se com todas as suas forças.

Las Rojas inscrevemos nosso feminismo na bandeira do socialismo, na perspectiva de construir um mundo completamente novo. Para isso, precisamos de todas nossas força. As mulheres e as, os trans e travestis constituem uma trincheira estratégica na luta contra esse sistema podre, onde empresários, funcionários e sacerdotes ditam as leis. A ditadura do capital governa com o braço patriarcal cada vez mais evidente e é por isso nos colocamos de pé e as feministas somos uma praga cada vez mais temida pelos governos de todo o mundo. Mas, por isso mesmo, do próprio rim do feminismo ressurgem os reformistas e os burgueses, aqueles que querem nos dividir, nos separar e amarrar nossas mãos para que não avancemos em questionar tudo. Se no passado o feminismo burguês procurava vincular as mulheres trabalhadoras às fileiras dos governos imperialistas, hoje na Argentina elas abraçam o Vaticano e governadores como Manzur. Por isso, para nós, torna-se imperativo construir um # 8M independente, que retome as bandeiras daquelas que souberam construir esta data com o objetivo de questionar o poder burguês.

Como disse Rosa Luxemburgo, não temos nada a perder, a não ser as nossas correntes. Os explorados e oprimidos, por outro lado, temos um mundo por ganhar. E o movimento feminista é chamado hoje, mais do que nunca, por desempenhar um papel fundamental nessa tarefa emancipatória. Sigamosr fazendo história.

Trad.: José Roberto