Este texto tem o intuito de polemizar a tática eleitoral do PCBR, junto à sua juventude UJC, que se insere no movimento estudantil na USP e se apresenta como alternativa de esquerda “independente”.

Maria Cordeiro

O RECÉM PCBR

Lembro-me bem, há pouco mais de um ano, durante a longa viagem de volta do congresso da UNE, CONUNE, de Brasília para São Paulo, da chegada da notícia da expulsão de alguns membros do PCB, entre eles o influenciador Jones Manoel, relevante figura midiática desse partido.

Esse processo de críticas e expurgos da base e direção do longevo partido aparentemente estava em curso há alguns anos, e depois disso se tornar público, cada vez mais quadros foram expulsos. Houve a curiosa formação da tendência PCB-RR dentro do partido stalinista, e a partir de então, após alguns meses de debate e formação de um congresso paralelo ao comitê central, surge o PCBR, formado majoritariamente pela juventude do PCB “antigo”, a UJC.

Passado alguns meses, o recém PCBR, como declarado em sua plataforma oficial, após ter perdido sua legenda para o PCB, não se organizou a tempo para filiação nas eleições municipais deste ano. Nesse sentido, a organização não possui candidaturas próprias e declara que sua tática eleitoral é o apoio aos que se alinham a certos pontos programáticos delimitados pela organização.

A TÁTICA NAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2024

Eis que entramos no período de campanha e o PCBR de São Paulo declara apoio à prefeitura, a candidatura de Altino Prazeres, pelo PSTU, e à vereança, a candidatura de Luana Alves, pelo PSOL.

A respeito do Altino, a quem também estamos fazendo campanha, esta candidatura se coloca no campo da independência de classe, comprometida com a luta pelo socialismo. O PSTU, partido ainda que tenha traços sectários e economicistas, é solidário à esquerda socialista revolucionária, cedendo sua legenda a algumas organizações, que infelizmente são barradas de participar das eleições burguesas pela cláusula de barreira. No entanto, num contexto de polarizadas eleições de 2022, o PSTU dissolveu unilateralmente o Polo Socialista Revolucionário, o que avaliamos como um erro porque bloqueou a possibilidade de se construir uma frente da esquerda independente, uma ferramenta importante para impulsionar e politizar as lutas contra a extrema direita e contra os ataques do atual governo liberal social de Lula Alckmin. Este erro fez do Polo Socialista apenas uma frente eleitoral e, portanto, não foi capaz de se consolidar para levar adiante um programa radical da esquerda revolucionária.

Então chegamos ao apoio do PCBR à Luana Alves, que compõe o MES, tendência de nosso antigo partido, PSOL. Luana é trabalhadora da saúde e tem atuação no cursinho popular Emancipa, ligado também ao PSOL. O PCBR declara apoio à apenas a vereadora, sem acenar ao partido como um todo, e inclusive fazendo críticas ao candidato à prefeitura do PSOL, Guilherme Boulos – que tem ido cada vez mais à direita para tentar angariar votos. Isso se explica pois a organização tem como tática eleitoral o apoio baseado nos programas individuais de cada candidato, independente do programa de seu partido, ou ainda, da luta encarada após as eleições e o papel das organizações construídas pelos candidatos apoiados.

LULA, PSOL, MES E BOULOS: A LIQUIDAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA DE CLASSE

Aqui se coloca a polêmica: Os egressos do PCB adotam uma posição personalista, dissociando de forma mecânica a ligação entre partido, programa e ação. Da forma que a organização coloca, parlamentares do PSOL poderiam levar a luta para além da intervenção prática de seu partido, que no caso é hoje base do Governo Lula-Alckmin.

O governo Lula, é um governo burguês que, como qualquer outro, não questiona a propriedade privada, garante a exploração da classe trabalhadora e não faz oposição consequente às ações ecocidas do agronegócio. Ao invés de avançar em pautas democráticas, o governo dedicou-se a políticas fiscais, como o novo teto de gastos, que se tornou uma armadilha insustentável, limitando recursos essenciais e favorecendo a pressão da classe dominante para cortar a saúde e a educação. Embora ampare-se em ministérios voltados para igualdade e direitos humanos, sua atuação acaba aprofundando a barbárie capitalista e atacando populações marginalizadas, como mulheres e pessoas negras.

Em 2022, Lula alternou entre afirmar que o aborto era uma questão de saúde pública e se declarar contra, manipulando uma pauta histórica para conquistar votos conservadores. Além disso, em 2024, em conivência com a extrema direita, o governo selou um acordo no Colégio de Líderes para garantir uma votação simbólica do 1904/24, projeto chamado de “PL do Estupro” que equipara o aborto a um crime de homicídio, evitando que os deputados se posicionassem publicamente sobre a questão. Outro exemplo de política liberal nefasta apoiada pelo governo é a não revogação do Novo Ensino Médio, que não anulará o programa do NEM, assim como qualquer uma das reformas regressivas que perpetuam a política de cortes.

Programas não se sustentam por si só. Esse é o caso do MES, tendência a qual Luana constrói. O MES, dentro das tendências maiores de seu partido guarda-chuva é a que possui falas mais vermelhas. A organização e sua juventude, Juntos!, falam nos espaços estudantis sobre o fim do capitalismo, colocam a necessidade de se expropriar fazendeiros e o agronegócio e criticam de forma tímida e abstrata o governo federal. No entanto, no campo da prática, faz-se valer os interesses eleitoreiros da tendência, amarrada por ser base do governo para manter suas representações parlamentares. O MES votou a favor da federação partidária com o partido burguês eco-capitalista e financiado por herdeiros do Banco Itaú, REDE – Sustentabilidade. O fato é que fica claro o eleitoralismo dentro do grupo, que não tem independência de classe justamente por ser base, mesmo que envergonhada, de Lula 3. Contraditoriamente, não é incomum ouvir de seus representantes (os mais ingênuos ou desavisados) que gostariam de romper com o PSOL, que criticam o governo Lula, no entanto que o racha seria apenas depois das eleições (eleições quaisquer do momento).

Dentro da universidade, o papel do MES não é diferente. Sua organização de juventude, o Juntos!, foi responsável, aliado ao Correnteza (UP) e em menor medida a UJC (PCBR) pela liquidação da greve de 2023.

A greve do ano passado foi complexa e demonstrou que é possível a mobilização em massa das bases da universidade. No entanto, foi sua direção que por uma mistura de oportunismo e falta de sensibilidade tática nada páreo para uma reitoria implacável, bloqueou o desenvolvimento e radicalização da greve, deixando-a sem orientação para avançar. As organizações dirigentes mencionadas, inclusive, nunca chamaram uma assembleia que declarasse o fim da greve, a qual foi definhando até cair.

Juntos e companhia no final do ano passado, começaram a cantar vitória num discurso irresponsável de que aquela greve já estava ganha. No entanto, o quadro de falta de professores, e outros problemas levantados pela mobilização não foram conquistados, criando assim ilusões e pressão para o fim da greve antes de qualquer vitória efetiva. Além disso, o diretório central não construiu uma aliança operário estudantil, ferramenta fundamental para a luta na universidade e se ausentaram de todas as assembleias do SINTUSP. Por fim, UP e Juntos! denunciaram à mídia burguesa a ocupação estudantil feita à contragosto do DCE – que inclusive conseguiu ganhos concretos, como impedir a punição coletiva de milhares de estudantes pela reitoria.

O movimento estudantil e de mulheres são historicamente ponta de lança na luta anticapitalista contra todo tipo de exploração e opressão. É tarefa do Diretório Central dos Estudantes, organizar e construir essas lutas. Hoje em dia, o DCE Livre da USP, gestão composta pelo Juntos!, UP e outras correntes do PSOL não constrói as lutas da ordem do dia frente aos ataques da reitoria aos estudantes, principalmente em relação aos graves casos de violência sexual e de gênero dentro do campus. Após mais de uma denúncia de estupro dentro do campus este ano não houve mobilização significativa do DCE para organizar o movimento feminista dentro da universidade contra ataques à própria vida dos estudantes. Além disso, não foi organizada presença do corpo discente pelo DCE em atos importantíssimos como o do dia 28 de Setembro, pela legalização do Aborto na América Latina e Caribe, nem do ato contra as queimadas, por uma reforma agrária radical no dia 22 de setembro.

Outra questão que coloca em xeque a independência de classe de Luana e MES é o apoio sem críticas ao cada vez mais a direita Guilherme Boulos (PSOL) e Marta Suplicy (PT) para a prefeitura de São Paulo. A crítica à esquerda da ordem, representada por Guilherme Boulos (PSOL) e Marta Suplicy (PT), revela um programa burguês e demagógico para as eleições. Eles propõem resolver as filas da saúde, que aumentaram 70% sob a gestão de Nunes, sem eliminar a privatização e as Organizações Sociais; melhorar o transporte sem estatizar os serviços ou implementar a tarifa zero; enfrentar o déficit habitacional sem tocar no capital imobiliário; e aumentar a segurança através da repressão, propondo dobrar o efetivo da GCM, ao invés de abordar as causas sociais da violência urbana. Acreditamos que as soluções para os problemas da cidade devem seguir direções opostas. Boulos, em 2020 construiu uma campanha ainda com independência de classes, hoje, acena cada vez mais à direita com uma campanha desarticulada.

Nesse sentido, não há lógica em se diferenciar individualmente programas de dois candidatos que dividem o mesmo panfleto e constroem o mesmo partido. Um apoio mecânico cai num personalismo reformista, que nada tem a ver com a direção estratégica dos revolucionários nas eleições burguesas. Se constrói assim, uma falsa esperança que certa figura, apenas por ter um programa formalmente combativo, pode fazer frente ao seu próprio partido e atuar conforme os interesses dos trabalhadores. A prática faz valer o programa e o PSOL se prova, cotidianamente, ser um partido reformista que capitula à conciliação de classes, mesmo que se pinte de vermelho.

O PAPEL DOS REVOLUCIONÁRIOS NAS ELEIÇÕES

É certo que nós revolucionários podemos e em certos casos, devemos participar das eleições burguesas. A história nos mostrou que não se chega ao fim da exploração capitalista pelo parlamento, mas é justamente na época das eleições que há mais abertura de diálogo para se discutir com a classe trabalhadora nosso programa. No entanto, como já dito acima, um programa não se sustenta por si só e não se deve nutrir falsas expectativas sobre partidos que não seguem com independência de governos e patrões. Diante desse debate é preciso retomar a questão estratégica e voltar à Rosa Luxemburgo e suas críticas à social-democracia.

A luta pelas reformas são importantes e progressivas, mas nunca um fim por si mesmas. Uma vez eleitos, os candidatos revolucionários têm um papel auxiliar à militancia na base. Coloca-se a tarefa de, dentro do covil dos bandidos, expor para a classe trabalhadora as traições, mentiras e falácias da política burguesa. Por isso, segundo Rosa, fazer um discurso no parlamento é sempre falar “pela janela”. Assim, se torna imprescindível e absoluto o lugar de oposição que os revolucionários devem ocupar dentro do governo, titubear nesse quesito é se amarrar ao jogo de cartas marcadas das instituições e vender a luta pela emancipação dos explorados e oprimidos por um assento confortável.

Em segundo lugar, o papel dos comunistas neste momento deve ter sempre o objetivo de educação política da classe trabalhadora. Levar adiante um programa revolucionário é uma parte desse trabalho, mas é preciso ter consciência do que está atrelado a este programa, que certamente não paira no ar. Panfletos podem estar pintados de vermelho, podem ter as palavras mais revolucionárias antes lidas, e potencialmente servem como uma ferramenta de levar a política adiante. Entretanto, como é o caso de Luana Alves e sua tendência, MES, o programa não se vale na prática e mascara um partido traidor e uma política conciliadora de classes. Isso acaba por legitimar um governo liberal que ataca o meio ambiente, população trabalhadora, juventude, negros e mulheres. Por conseguinte esta não é a forma de se levar uma política adiante, fazê-lo é irresponsável e apenas constroi a derrota do movimento.

Em terceiro lugar, é crucial que, durante a luta por concessões no legislativo, se valorize a pressão das massas fora do parlamento; em outras palavras, a base parlamentar serve como um recurso auxiliar para o essencial: promover a mobilização dos oprimidos e explorados, que é a única forma concreta de conseguir reivindicações. A construção da luta nas ruas está longe de ser prioridade do PSOL e do MES, que apostam quase que exclusivamente em seus parlamentares.

Além disso, na USP, o Juntos como parte do DCE desmobiliza a base dos estudantes, ficando meses sem chamar uma assembleia frente a ataques brutais contra a permanência dos discentes trabalhadores, como foi o caso da tentativa de implementação das aulas com início às 19:00h, que foi revertido pela pressão estudantil à revelia de qualquer movimentação do DCE para organizar a luta. Algo semelhante ocorre com os casos de violência de gênero, que foram denunciados até na mídia burguesa, mas aparentemente não foram suficientes para o DCE construir uma assembleia, atos, ou qualquer espaço democrático de organização da luta frente a esses ataques com divulgação ampla, qualificada, com passagens em sala, não apenas um post no instagram em meio a inúmeros.

Nesse sentido, é preciso negar qualquer ilusão de que mudanças significativas nas condições de vida possam ser obtidas por meio de ações parlamentares, ou que parlamentares socialistas, de maneira benevolente, possam resolver os problemas. É fundamental educar as massas de forma contínua, enfatizando a confiança em suas próprias capacidades, sem cair em armadilhas de programas “brilhantes” mas estampados por logos de partidos sem independência de classe, que rifam a estratégia revolucionária.

Diante do que foi exposto acima, mesmo que a participação nas eleições seja um aspecto tático, esses momentos são importantes para educar politicamente a militância e os setores que escutam à esquerda. Seja apresentando candidaturas ou chamando a votar por algum partido ou bancada em específico, a esquerda revolucionária não se deve prestar ao “embelezamento” das correntes reformistas que capitularem à conciliação de classes. Nós do SoB e da juventude Já Basta, apresentamos a Bancada Anticapitalista sob esses critérios expostos pela Rosa e chamamos a votar por Altino para a prefeitura no primeiro turno.