Publicamos Os problemas de organização, por Roberto Sáenz. Esse é o sexto artigo da nossa SÉRIE PARTIDO. O tema transversal da nossa série é a construção partidária, mas esse artigo em especial dedica-se aos problemas de organização voltados à necessidade imperiosa de formar um tipo específico de quadro: o organizador político. De uma forma geral, não se pode avançar na construção partidária sem quadros, porém a característica dos quadros que são capazes de traduzir a linha geral em ações práticas calculadas, organizar as finanças e dirigir companheiros de base, é decisiva. Evidentemente que não se forma um quadro revolucionário sem o contato orgânico com a luta da classe trabalhadora e dos oprimidos, porém, não são formados tampouco sem uma vida partidária rica politica e teoricamente. Uma equipe de dirigentes que não é capaz de formar novos, fracassa de maneira miserável. Boa leitura!

Redação

Os problemas de organização

“Era muito mais claro e fácil abordar todos os problemas do ponto de vista dos princípios e da utilidade política do que do ponto de vista organizacional” (Leon Trotsky, “À Memória de Sverdlof”, 1925).

ROBERTO SÁENZ

Os chamados “problemas de organização” são geralmente aqueles que têm a ver com a construção do partido. Marcel Liebman apontou em seu estudo sobre Lênin que uma enorme parte de sua força foi dedicada aos problemas de organização: a organização do partido, a organização da tomada do poder, a organização da transição para o socialismo: a insistência na necessidade absoluta de organização pode ser encontrada em todos os escritos de Lênin e em toda a sua carreira.

Aqui, no entanto, não queremos lidar com o problema de forma tão ampla, mas abordar o problema da organização do ponto de vista dos problemas “organizativos” colocados pela construção do partido revolucionário e que estão atualmente em discussão na construção do Nuevo MAS e da corrente internacional Socialismo ou Barbárie (SoB).

Política e organização

A citação de Trotsky no início desta nota é aguda e faz parte de sua homenagem a Sverdlof, o grande organizador do partido bolchevique no primeiro período no poder. Ele morreu muito jovem e, quando faleceu, Lênin observou que sua estatura como militante era tão grande que três pessoas não eram suficientes para substituí-lo em seu posto de forma eficiente.

Trotsky apontou em seu artigo dois aspectos que podem ser “universalizáveis”: um, que resolver um problema político de forma prática é, em grande medida, a parte mais difícil da questão, e que Sverdlof se caracterizava pelo lado prático e organizacional de qualquer decisão política tomada pelos bolcheviques; ele era o tipo definitivo de organizador político de partido.

Por que isso acontece? Estamos levantando essa questão justamente porque a dinâmica atual de crescimento do nosso partido está deixando os problemas de organização em evidência. Problemas que exigem o surgimento de companheiros que sejam “organizadores políticos”. Ou seja, aqueles que têm a capacidade de lidar de forma prática com questões elementares que fazem parte do funcionamento do partido e que exigem tempo e dedicação especiais para lidar com elas: distribuir e recolher os jornais, cuidar das finanças do partido em sua equipe ou região, acompanhar os companheiros que estão se aproximando do partido, centralizar os endereços, números de telefone e e-mails daqueles que contatamos em uma atividade, e assim por diante.

Mas vamos nos aprofundar um pouco mais no que é um organizador político. Entre os quadros do partido, há pessoas de várias personalidades, características e dedicações. À medida que o partido se desenvolve, há uma tendência de se estabelecer uma certa divisão de tarefas, como acontece com qualquer organização que esteja crescendo e precise lidar com os problemas de forma menos artesanal. Essa divisão de tarefas deve evitar perder de vista a globalidade das questões ou cair em uma perspectiva estreita, o que significaria um desvio “organizativista”.[2]

No entanto, um certo tipo de especialização entre a direção e os quadros do partido, uma divisão cada vez maior de tarefas, não ser “tarefeiros” (fazer tudo, mas nada até o fim), é fundamental para poder avançar e construir, para amadurecer como organização. Um organizador político é justamente aquele camarada que tem as virtudes para resolver o lado prático das coisas: encontrar o camarada certo que possa realizar tal tarefa, propor soluções para organizar novas equipes e regiões, realizar as finanças e a coleta do jornal e dos vários materiais que o partido produz, o acompanhamento do recrutamento e assim por diante.

Acontece que, sem organizadores políticos, a atividade partidária se torna “espontânea”: há confiança de que a política certa é “suficiente”, e todo o resto vem como um “bônus”. Nada poderia estar mais errado do que isso. Já salientamos em outro lugar que não há nada menos espontâneo na vida política revolucionária do que a construção do partido. A política correta deve ser conscientemente organizada e colocada em prática da forma mais científica e sistemática possível, de modo a produzir resultados construtivos concretos.

Sverdlof, como o “tipo ideal” de organizador político, de acordo com Trotsky, era capaz de fazer tudo o que apontamos aqui e muito mais (ele era o principal organizador em uma época em que o partido bolchevique estava organizando o poder!) com base em uma série de qualidades, entre as quais ele enfatizou suas habilidades criativas para resolver problemas sempre novos, uma “intuição psicológica especial” para encontrar os melhores candidatos para uma determinada tarefa e um otimismo insuperável na ação, considerando que todo problema poderia e deveria ser resolvido.

O crescimento do Nuevo MAS e da corrente SoB nos apresenta o desafio concreto de formar camaradas organizadores políticos: nossos Sverdlofs. Camaradas que saibam ser sistemáticos e tomem em suas próprias mãos as tarefas específicas da construção do partido, entre elas o recrutamento de novos camaradas. Somente com esse esforço, e somente com isso, já teremos um aumento nas fileiras do partido, um aumento de novos militantes que já está acontecendo, mas que deve ser organizado conscientemente para que não escapem como “água entre os dedos”.

A formação dos quadros

Os problemas de construção do partido revolucionário nos levam a outro problema: o da formação de quadros. O fato é que os partidos de vanguarda são, no final das contas, partidos de quadros; isso no sentido de camaradas que se destacam no contexto de uma situação que não é revolucionária e que, portanto, são politicamente avançados em relação à média da sociedade.

Ao mesmo tempo, porém, ninguém nasce um “quadro” no sentido adequado do termo. E quando nos referimos a um quadro, o que queremos dizer é um camarada que assume a responsabilidade por si mesmo e que, de alguma forma, se torna um dirigente na tarefa que tem de assumir. Esse passo à frente de um novo grupo de membros do partido para se tornarem dirigentes é de vida ou morte quando o crescimento do partido está ocorrendo. Se os novos quadros não forem formados, não haverá como dirigir uma organização que almeja uma dimensão maior.

Por outro lado, e em um sentido geral, pode-se dizer o seguinte: um dirigente é aquele que forma novos dirigentes. Ou seja, não há tarefa específica mais importante para uma direção – no sentido construtivo do termo – do que formar novos quadros e dirigentes. Porque, além disso, como Gramsci afirmou com precisão, alguns oficiais podem formar um exército, mas um grande número de soldados rasos, se não tiverem oficiais, nunca conseguirão fazê-lo. Em termos partidários: o que cria a base para o crescimento e o futuro da organização partidária, para as possibilidades de seu desenvolvimento e extensão, é, em última análise, o número de quadros que ela possui.

Isso nos leva ao problema específico da formação de quadros, que obviamente não é tão mecânico quanto pode parecer à primeira vista, mas uma das tarefas construtivas mais difíceis na construção de organizações revolucionárias.

Há vários problemas aqui que se referem a uma série de circunstâncias, objetivas e subjetivas. Objetivas são as circunstâncias da luta de classes; é óbvio que uma luta de classes mais aguda, em que experiências mais profundas podem ser desenvolvidas, ensina mais. Uma formação que, além disso, tem elementos “geracionais”, porque certas circunstâncias históricas não são algo conjuntural, mas se referem a certos estágios da luta de classes e esses estágios têm características definidas que se estendem por vários anos. É evidente, por exemplo, que a formação que se podia obter na década de 1970 era superior à que se pode obter hoje, em condições menos radicalizadas, embora ascendentes.

Em segundo lugar, o tamanho do partido também é, até certo ponto, um fator “objetivo” para cada camarada que o integra. Uma organização maior, com maiores responsabilidades na luta de classes, com maiores demandas construtivas e organizacionais, é obviamente mais formativa em geral.

Entretanto, há obviamente fatores subjetivos na formação dos quadros, fatores que são de imensa importância do ponto de vista político.

O fato é que os dois fatores mencionados como “objetivos” podem ser contrabalançados em parte, na medida em que o partido, mesmo que seja menor e construído em condições menos radicalizadas, dê forte centralidade à politização de sua militância, à abordagem política de cada problema em primeiro lugar e também a uma formação teórica fortemente enraizada nos clássicos; mas uma formação que não seja doutrinária, mas que ensine cada camarada a pensar por si mesmo.

Embora o que seja mais formativo seja uma ampla experiência prática que, ao mesmo tempo, seja objeto de reflexão consciente dentro do partido (e não algo assumido empiricamente), é fato que o grau de politização da organização, sua amplitude de visão, o fato de a discussão política e teórica ter hierarquia, é um fator fundamental na politização da militância. Essa politização também decorre, e não menos importante, da maneira sistemática pela qual a luta de tendências é realizada, ou seja, ter de “medir-se” contra os militantes das organizações socialistas adversárias.[3]

Em tudo isso, também é necessário contrabalançar, entre as gerações mais jovens, os tempos atuais, em que o grau de politização da sociedade e o nível cultural são muito mais baixos do que no passado, na medida em que – como já apontamos em outro lugar – a “ligação” com os fatos da realidade é muitas vezes o “fast food” da mídia eletrônica, e o hábito de ler jornais (para não mencionar o estudo teórico e político sistemático) foi quase completamente perdido.

Tomar as tarefas de construção do partido em nossas próprias mãos

De qualquer forma, está claro que a escola mais importante é a da luta de classes e isso deve estar na mente de todo novo companheiro: não há substituto para a experiência prática na luta da classe operária. Portanto, toda oportunidade de participar de uma luta dos trabalhadores ou das atividades de apoio, aprendendo com ela e com o contato com os trabalhadores, é vida ou morte, ainda mais quando se trata, como no nosso caso, de uma organização caracterizada por uma nova geração do partido.

Dentro disso, uma das questões mais difíceis no momento é justamente a formação de organizadores políticos. Ou seja, de um tipo específico de quadro partidário que tem a ver com uma organização que está crescendo, que foi construída com base na força da política partidária, mas que é menos habilidosa em questões construtivas. Uma das tarefas do momento é, portanto, levar em conta a necessidade de especializar os camaradas nas tarefas organizativas gerais do partido.