A uma semana da mais importante e tensa eleição desde a redemocratização do país, as ameaças autocráticas e os perigos golpistas, sob o método da violência política, reafirmam a indefinição por ora do curso político-eleitoral como principal traço da conjuntura nacional. 

RENATO ASSAD

No dia de ontem (23), Roberto Jefferson, passou das palavras à ação – montou uma provocação golpista para medir a reação e as condições para ir a uma ruptura institucional. Ao se deparar com a Polícia Federal na porta de sua casa com um novo mandado de prisão, após ter violado diversas vezes o regimento de sua reclusão domiciliar, atirou granadas e fez disparos de fuzil contra os agentes federais que cumpriam nova decisão judicial do ministro Alexandre de Moraes. Chamou atenção a conduta extremamente cordial e amistosa dos policiais que entraram em sua residência para negociar a prisão do bolsonarista.

O novo fato político levado a cabo por Jefferson no último domingo antes da ida às urnas para a decisão do segundo turno entre Lula e Bolsonaro, não pode -em hipótese alguma- ser considerado como ponto fora da curva, raio em céu aberto ou mero caso de polícia. Pelo contrário, o que fez representa de maneira explícita a essência do bolsonarismo e sua disposição por meio de métodos violentos (ainda diluídos em ações individuais) e provocações que vão tateando as condições sociais e políticas para cimentar a manutenção de Bolsonaro e seu projeto de poder. Isto é, uma ruptura com o atual regime e a sua bonapartização.[1]

Roberto Jefferson, testa de ferro da ala mais radical do bolsonarismo e porta-voz daquilo que o atual e nefasto presidente se limita a dizer pelas entrelinhas, levou adiante o que Bolsonaro tem construído e o que gostaria que sua base protofascista fizesse de maneira coletiva e organizada. Não à toa o atual presidente teve como um de seus pilares de governo a política de armamento civil com a desregularização do acesso às armas que triplicou o número de armas registradas no país nos últimos 3 anos.[2]

Se surpreender com o que fez Roberto Jefferson só é possível através das lentes de uma das faces do impressionismo: o facilismo – o menosprezo ao inimigo e à sua natureza política, a velha caracterização de Bolsonaro como um mero energúmeno. Portanto, aferir com precisão o significado dessa ação é central para adequar o guia para a ação dos setores política e sociais que defendem as liberdades democráticas.

Por mais que Bolsonaro, hoje, tente se desvincular da figura de Jefferson, agora acusado por dupla tentativa de homicídio, o que se viu por parte do chefe de Estado foi na verdade uma tentativa de martirizar o mesmo e construir uma narrativa que responsabilizasse o TSE e o STF pela situação. O discurso de que essas instâncias teriam provocado a reação do presidente de honra do PTB através dos ataques às “liberdades” -um dos eixos centrais do atual governo de tensionamento para a ruptura institucional- ficou evidente quando Bolsonaro anunciou que enviaria seu ministro da Justiça para a residência de Roberto Jefferson onde só recuou por orientação de seu comitê de campanha.

Contudo, a narrativa de sua base e apoiadores após o fato de ontem se divide em apostar na desvinculação da figura de Jefferson ou apoiar esse suposto mártir que tem enfrentado a “censura” do tribunal eleitoral e federal. Apoiadores do presidente se reuniram na frente da casa do bandido e além de reivindicarem a atitude do mesmo, agrediram um cinegrafista da Rede Globo que cobria o ocorrido. Bolsonaro, enquanto isso, apenas esboça uma narrativa de se afastar daquele que hoje  é centro dos noticiários e parece esperar a repercussão em sua base social e nas pesquisas para cimentar sua tática nesta reta final de campanha.

A verdade é que Roberto Jefferson só pôde fazer o que fez porque o bolsonarismo e sua campanha estão em ofensiva consolidada pelo uso combinado da máquina pública e de importantes demonstrações de força política e social pelas ruas, isto é, pela atual correlação de forças que favorece a extrema-direita. Isso se deve muito pela postura conservadora, passiva e traidora do lulismo e da esquerda da ordem que não respondem à altura os casos de violência política bolsonarista e seguem saturados pela aritmética parlamentar sem apostar um milímetro sequer na luta direta pelas ruas para derrotar Bolsonaro no próximo dia 30.

Como dissemos anteriormente e de maneira sistemática, a indefinição do atual cenário político-eleitoral segue como elemento central da atual conjuntura nacional. O lulismo e aqueles que capitularam à frente ampla burguesa com Alckmin, como o Psol, são responsáveis pela frustração após o resultado do primeiro turno, calcada na falsa ilusão de que as coisas estariam resolvidas e garantidas apesar das alianças com a direita e independente das iniciativas pelas ruas. Quer dizer, pelo desarmamento de nossa classe para enfrentar de maneira coerente as ameaças neofascistas e golpistas da extrema-direita que faz desse segundo turno uma outra eleição – qualitativamente mais perigosa.

O desfecho eleitoral deste capítulo final segue em aberto com uma mínima e frágil vantagem para Lula segundo as últimas pesquisas eleitorais. Porém, a correlação de forças ainda é favorável ao bolsonarismo e a possibilidade de que a violência política siga ganhando terreno nesta semana, no dia das eleições e após a votação é muito provável. Esta tendência, com uma estratégia já muito bem definida pela manutenção do poder, pode ter como resultante um cerco de violência durante o dia das eleições que faça o número de abstenções dos votantes de Lula subir, a partir do medo, e assim inverter os resultados do primeiro turno. Ou reunir força política e social suficiente para, diante de uma apertada margem de vitória de Lula, não reconhecer os resultados eleitorais e edificar um Capitólio à la brasileira, podendo ou não sair triunfante.

Por isso, nesta última semana de campanha eleitoral e diante da gravidade da provocação golpista que fez Roberto Jefferson -que não puxou o gatilho sozinho- e da escalada de violência política que está sendo gestada e que pode ir a outro patamar, faz-se necessário e urgente uma resposta imediata pelas ruas que seja capaz de frear os métodos bolsonaristas e de construir um sentimento comum de coragem para defender pelas ruas as liberdades democráticas e garantir a soberania popular perante aos resultados eleitorais.

Lula, PT, centrais sindicais, UNE, UBES e todas as direções de movimentos sociais precisam convocar uma reunião emergencial para que nesta semana, com o objetivo de garantir dois importantes dias de mobilização nacional sob a ampla unidade na ação. Reivindicamos que estes setores paralisem pela base as atividades laborais e de estudo e se somem ao movimento estudantil da USP que convoca às ruas para a próxima quinta-feira, 27. Além disso, no dia 30, dia da votação, é preciso que estes setores convoquem atos-vigílias nas capitais e principais cidades do país para impedir toda e qualquer aventura golpista que não respeite os resultados eleitorais. A esquerda socialista deve exigir isso publicamente e construir tal orientação tática nos locais e estruturas em que possuem trabalho. Esta é a ordem do dia – a tarefa da semana e que deve marcar centralmente o epílogo desta dramática campanha.

“A força da classe trabalhadora, desde o ponto de vista de sua ação sobre as massas e de sua capacidade para arrastar a luta é infinitamente maior na luta extraparlamentar do que na luta parlamentar.”[3]

Por último e não menos importante, tema que mereceria um artigo inteiro, reivindico a memória de Genivaldo Santos, Evaldo Rosa dos Santos, Ágatha Vitória Sales, João Pedro Mattos Pinto e todas as vítimas assassinadas pela polícia militar e seu gatilho fácil respaldado na jurisdição criminal do Estado Burguês que destrói famílias cotidianamente nas periferias e favelas do Brasil. A mesma polícia que sorria e pedia com sutileza para que Roberto Jefferson se entregasse.

[1]  Um regime que tem como centro de seu funcionamento as instituições “pétreas” do Estado: burocracia, forças armadas, polícias, decisões por decretos e estado de exceção. Ou seja, a dissolução do parlamento e das liberdades democráticas (o direito à greve e livre organização) onde cada ação militante se torna um perigo real.

[2]  vhttps://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/08/31/em-3-anos-numero-de-armas-registradas-por-cacadores-colecionadores-e-atiradores-quase-triplica-e-chega-a-1-milhao.ghtml

[3]  Palavras de Lenin citadas na obra de TROTSKY,L. Historia de la Revolución Rusa. 3a ed. Buenos Aires: RyR,2015. p.779.