Novo marco legal do saneamento básico significa privatização, encarecimento e exclusão

Maceió (AL). FOTOARENA/ESTADÃO

Na quarta-feira passada, 24/06, após dois anos de discussão, foi aprovado no Senado Federal por 65 votos a favor e 13 contra o novo marco do saneamento básico brasileiro (PL 4162/2019). Essa aprovação que contou, inclusive, com votos de partidos que se dizem progressistas – PDT, Rede e PSB liberaram o voto – significa um enorme passo ao processo de privatização do setor. Agora, o projeto irá para sanção presidencial de Bolsonaro, mas é necessário continuar a luta contra a privatização do saneamento básico, contra a EC 95 e por um fundo público para universalizar o acesso à água e ao esgoto tratados.

ANTONIO SOLER

O PL 4162/19 tem a sua origem política mais geral na ofensiva reacionária ultraliberal que assolou o país desde 2015 e, especificamente, no governo Michel Temer que iniciou a sua tramitação com a MP 844/2018. Essa MP foi arquivada por falta de acordo em junho de 2019, mas sob pressão do lobby dos operadores privados do setor, Tasso Jeiressati (PSDB) aproveitou o mesmo texto da MP e apresentou o PL 3.261, que em novembro de 2019 se converte no PL 4162/19. Foi aprovado na Câmara dos Deputados, reenviado ao Senado Federal e aprovado semana passada.

Como características centrais, o novo marco legal não permite que os municípios transfiram a execução de serviços de saneamento para empresas públicas estatais, obriga a licitação pública entre empresas públicas e privadas e não prevê verbas estatais adicionais para projetos de saneamento básico.

Assim, esse é um projeto que, longe de atender a necessidade de universalização do fornecimento de água e esgoto, como afirmam seus defensores, tem por objetivo privatizar todo o saneamento básico nacional e maior lucratividade das empresas privadas, o que encarecerá e tornará ainda mais restrito o acesso ao serviço de água e esgoto.

Reacionarismo agrava crise sanitária

A expectativa de aporte de recursos e atendimento da demanda por meio da privatização do setor passa muito longe da realidade dos fatos. Experiências em outros países e no Brasil demonstram exatamente o oposto em relação à ideia de que o setor privado seria a tábua de salvação para a catástrofe do saneamento básico em que vivemos.

Até o Bando Mundial, que pregava na década de 1990 a privatização generalizada deste e dos demais setores da economia, reconhece que o setor público é fundamental para o investimento no saneamento básico, vista a quantidade de recursos necessários.

Além disso, pesquisas demonstram que em 35 países 884 municípios foram obrigados a reestatizar os serviços de água e 287 municípios o de esgoto entre os anos de 2000 e 2017. O setor privado, ao buscar a lucratividade máxima, aumenta de forma abusiva as tarifas, não cumpre contratos de investimento, expansão e universalização – principalmente quando se refere às regiões periféricas.

No mundo e no Brasil várias cidades importantes tiveram que reestatizar o serviço, desde Paris a Manaus. Depois de duas décadas de privatização, 600 mil pessoas não têm acesso à água tratada e apenas 12,5% do esgoto é coletado na cidade que é a capital do Estado do Amazonas.

Algo similar ocorreu no Estado de Tocantins. A empresa privada BRK, dos 125 municípios que atendia devolveu 78 porque não eram “rentáveis”, impondo ao Estado a criação de uma autarquia estadual para operar nesses municípios.

A ausência do Estado

Os defensores do projeto afirmam que com a sua aprovação, agora, o país dispõe de “segurança legal” para enfrentar o problema do déficit de saneamento básico, mas especialistas dizem que o grande problema do saneamento não é o da ausência de um marco legal, pois a lei anterior, Lei 11.445 de 2007, já havia apresentado um marco legal depois de duas décadas sem nenhuma orientação ou regulamentação.

Mas o fundamental a considerar é que o atendimento a esse setor estratégico não pode ser feito sem um fundo nacional com o objetivo de universalizar o saneamento básico, o que é um direito constitucional básico.

No Brasil, as verbas públicas para o saneamento são compostas por fundos como: FGTS, FAT e Fundos Constitucionais. Ou seja, não existe como nos demais países aportes diretos do Tesouro. O que se agravou enormemente com a aprovação, em 2016, da Emenda Constitucional 95 que estabelece o aumento dos gastos públicos no orçamento apenas de acordo com o diferencia de inflação do ano anterior, ou seja, não há aumento real de investimentos. 

Em nenhum lugar no mundo se universalizou o saneamento básico sem um fundo nacional que conte com investimento direto de verbas do Tesouro, isso vale ainda mais em um país onde mais de 100 milhões de pessoas não tem esgoto tratado e 35 milhões não têm acesso a água potável.

Cálculos afirmam que para universaliza o saneamento básico até 2033 será necessário algo em torno a R$ 700 bilhões, mas a lógica estatal vai em sentido oposto, entre 2003 e 2017 o governo disponibilizou apenas R$166,1 bi – apenas R$117,4 bilhões foram executados.

Não é com privatização que vamos resolver essa situação catastrófica para o país e principalmente para metade da população brasileira, será necessário investimento público. Para isso, basta que seja suspensa parte do pagamento dos juros da dívida pública anual (cerca de R$1trilhão) ou que as grandes fortunas sejam taxadas que obteremos as receitas necessárias para resolver o grave problema sanitário nacional.

Romper com o neoliberalismo

Como visto em toda experiencia anterior de transferir às empresas privadas o serviço, as metas de atingir 99% do fornecimento de água e 90% de coleta e tratamento de esgoto em 12 anos com financiamentos públicos e privados (sic) contidos no PL 4162/2019 é uma falácia.

Esse projeto está a serviço da destruição das operadoras públicas, da privatização do setor e da lucratividade máxima das empresas privadas, o que irá acarretar encarecimento dos serviços, manutenção da precariedade e aprofundamento da exclusão sanitária.

Assim, a solução para a catástrofe do saneamento básico em que vivemos passa pela mobilização popular para reverter a lógica liberal e capitalista em que estamos inseridos. Ou seja, a nossa luta é para garantir a ampliação de verbas públicas e a presença do planejamento técnico e político estatal controlado pelos trabalhadores e usuários.  

– Não ao PL 4162/19;

– Revogação da Emenda da Morte (EC 95);

– Fundo Nacional de Universalização do Saneamento Básico”;

– Construção de Agências que deem apoio técnico e financeiro sob controle dos trabalhadores.

Referências: file:///C:/Users/Antonio/Desktop/MANIFESTO%20CONTRA%20PRIVATIZAÇÃO%20DO%20SANEAMENTO%20BA´SICO.pdf