Ataques bolsonaristas atualizam relevância de pensamento de Paulo Freire

Foto: site Nova Escola

Não importam os ataques. O baixo nível teórico e intelectual jamais atingirão Paulo Freire. Apesar de divergências pontuais em sua teoria, temos um imenso respeito a sua obra e história, que sempre renovam as esperanças, com sua mais genuína paixão reflexiva e transformadora para a educação brasileira.


O pensamento crítico que incomoda a classe dominante

Rosi Santos

Paulo Freire se estivesse vivo nesse último 19 setembro completaria 98 anos, nasceu em 1921 em Recife, Pernambuco. Pensador, educador e militante, foi o intelectual brasileiro com o maior número de títulos e cargos importantes na área da educação, lido em mais de 20 idiomas foi professor da Universidade de Harvard (EUA), Secretário de Educação de São Paulo em 1988, “Prêmio Educação pela Paz” da UNESCO, entre outros.

Mas, sobretudo Freire é uma das fontes de inspiração para o ativismo mundial da educação, e fundamentalmente, para o pensamento da esquerda brasileira. Sua grande contribuição para a pedagogia foi trazer as ideias da escolanovistas, para o ambiente escolar dos países da periferia do sistema capitalista. Aplicou uma metodologia e abordagem centrada na ideia de emancipação dos oprimidos, na valorização da experiência, do contexto social, na atividade dos sujeitos, na liberdade de criação dos educandos, na luta contra o autoritarismo e na valorização de uma gente empobrecida, em diversos aspectos.


“Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (pAULO FREIRE)

Em um Brasil de muitos pobres, trabalhadores informais e analfabetos, Freire pensava que a escola e o educador tinha uma dupla função:

A primeira delas, era que ao contrário da experiência da Escola Francesa presente no ensino superior com forte influencia nas origens das academias em nosso país, os educadores não eram iluminados, sabedores do todo, e as comunidades e os educandos ignorantes de tudo. Sua pedagogia ia na contra mão, de todo o passado oligarca e colonizador, tão presente naquela época e até mesmo nos dias atuais. A segunda, que ficou conhecida como a pedagogia dialógica, era baseada no diálogo e respeito com os mais simples, foi isso o que Freire mais promoveu em sua práxis.

Capa da primeira edição brasileira da obra Pedagogia do Oprimido, escrito em 1968 e só publicada no Brasil em 1974

Para ele, ninguém educa ninguém, mas também ninguém se educa sozinho, os homens e as mulheres se educam socialmente, através de um processo histórico de trocas culturais, de experiências e de aprendizados compartilhados.

Característica central de sua dialética pedagógica na Pedagogia do Oprimido, obra escrita em 1968, alvo de muitos debates e da qual possuímos algumas diferenças.

Mas não obstante, é o terceiro livro mais citado em trabalhos acadêmicos na área de humanidades em todo o mundo, estando a frente há vários anos, de clássicos como Vigiar e Punir de Michel Foucault e até mesmo de O capital de Karl Marx.

Mas, o que queremos destacar nesse autor que merece não só reverência mas estudo em seus diversos aspectos, é o projeto pedagógico político-militante freiriano, iniciado e percorrido junto aos trabalhadores humildes dos canaviais de Angicos, no Rio Grande do Norte, no início da década de 1960, o seu método transformador, e parte de seu exílio durante o regime militar e a resistência de seu legado.


De Angicos para o mundo, do mundo a patrono da educação brasileira

Foi com quase 400 trabalhadores, que Freire desenvolveu um método de alfabetização para adultos extraordinário, que se baseava no contexto e nos saberes da própria comunidade, respeitando as experiências próprias de vida desses indivíduos. Assim, a primeira grande experiência empírica de seu método, foi com esses trabalhadores esquecidos no campo. Com poucos recursos e que com a descrença de muitos. O projeto se converteu em um êxito o que o tornou Freire mundialmente conhecido e reconhecido.

A alfabetização ocorreu no tempo recorde de 45 dias, e a semente política plantada aí – mesmo em meados da reação do regime militar -, foi além das improvisadas salas de aulas, se manteve viva nas consciências de setores mais amplos da sociedade.


“A educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo.” (Paulo Freire)

O mérito de Freire consistia na valorização a consciência crítica transformadora e de um desejo genuíno de que todos os homens em qualquer idade e condições, poderiam ser sujeitos produtores de conhecimento, da ação política e totalmente livres. A experiência de Angicos foi tão exitosa, que foi levada para outras cidades da região como “projeto-piloto” sendo parte do Programa Nacional de Alfabetização.

Saber é poder

Em maio de 1963, logo após o início do projeto houve a primeira greve na cidade, a reação de fazendeiros foi imediata, e a experiência de Paulo Freire ficou conhecida como “praga comunista.”

A educação nunca é neutra, e de acordo com ele escolhe sempre estar a favor da emancipação ou da dominação, onde o discurso neoliberal, pragmático paralisa, e segundo o qual nos leva a “nos adequar aos fatos como eles estão se dando, como se não devêssemos lutar” para ele era fundamental que precisamente “as mulheres e homens se deem de outra maneira”[1], nesse sentido, ensinar e aprender são sinônimos de resistência, e principalmente: de formação política.

Para Freire, as práticas educacionais são sempre políticas, e nelas coexistem utopias que podem legitimar ou questionar as relações de poder que predominam na sociedade.

De tão ameaçador aos poderosos, o projeto foi totalmente interrompido no ano seguinte pelo Golpe Militar de 1964. Perseguidos muitos trabalhadores e educadores tiveram que queimar ou literalmente enterrar seus cadernos e livros nos fundos de casa. A experiência foi encerrada. E Freire foi obrigado a partir para o exílio no Chile no mesmo ano.

Foto: Jornal Del Sur

Antes do exílio Freire passou 70 dias preso, sob a “acusação” de comunista e subversivo. E até mesmo na prisão, fez o que acreditava. Chegou a pedido, de um dos oficiais, a ensinar a ler e escrever presos e recrutas no quartel, mesmo sendo preso por alfabetizar.

É fundamental nesse período de intensa polarização política e de tantas afrontas a escola e a educação pública em todos os seus níveis, não somente relembrar Freire, mas reclamá-lo e manter viva a chama de uma pedagogia subversiva, fundada no diálogo com os de abaixo, entusiasta da emancipação dos oprimidos, voltada para o protagonismo popular, desde a base. Com e para os trabalhadores e oprimidos.

A transformação é inegável

Dados do Instituto Paulo Freire, apontam que em Angicos, desde do encerramento do projeto em 64, até 2013 o analfabetismo não havia sido erradicado. Assim, vemos como no reduto da teoria freiriana foi simbólico, mas também gráfica, a interferência da dominação dos poderosos, e como agem as representações ainda vivas da ditadura na política hoje, com relação a educação.

Por isso, retornar à Freire é fazer memória, mas é sobretudo, refletir e lutar por uma educação pública de qualidade e democrática, para o desenvolvimento das potencialidades do povo, como sujeito político crítico.

Nesse sentido, a despeito das tentativas do bolsonarismo, da classe dominante do passado e atual, obscurantista e reacionária, Freire ainda não foi superado, e parece não perder sua real importância, porque sua teoria é justamente a antítese das práticas conservadoras, que buscam ensinar um mundo, ocultando as razões de ser de suas desigualdades e dos inúmeros problemas sociais, todavia, não resolvidos no país.

* O Instituto Paulo Freire fica no Edifício Paulo Feire – R. Cerro Corá, 550 – Alto da Lapa, São Paulo – Aberto de Segunda a Sexta das 9:00 às 18:00


[1] FREIRE Paulo, Pedagogia da esperança, 1992, p.90-1.