Dessa vez caiu sem mesmo assumir oficialmente: Mais um episódio de um governo que tem sofrido reveses importantes, mas mantém retórica e medidas de ataques ao conjunto dos explorados e oprimidos – tanto pela retirada de direitos, seja pelo avanço da agenda ultraliberal como pela ameaça constante aos direitos democráticos
Gabriel Mendes
Após a demissão – e fuga do país – de Weintraub, que foi Ministro da Educação por mais de um ano e esteve à frente de uma série de ataques à educação e às universidades públicas além das incontáveis declarações reacionárias que reforçaram o caráter autoritário do governo Bolsonaro, que convocou o terceiro nome a assumir o cargo.
Carlos Decotelli é formado em ciências econômicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com uma longa carreira associada ao mercado financeiro, onde inclusive conviveu com Paulo Guedes nos anos 90 e é co-autor de livros sobre gestão do agronegócio, gestão de finanças, entre outros temas.
Antes de vir à tona que parte do seu currículo traz mais algumas fake news ao governo, como a falsa informação de que é doutor pela Universidade Nacional do Rosário, na Argentina, a indicação do novo ministro foi amplamente elogiada por setores da mídia que se manifestaram no sentido de ressaltar que o ministro é da “ala técnica” do governo, o que na prática significa que está ligado política ultraliberal encabeçada por Paulo Guedes e apoiada por essa mesma mídia que endossa privatizações e “reformas”.
O perfil moderado foi destacado por jornais como a Folha de São Paulo¹ que colocou como missão para o novo ministro “distensionar relação com poderes”, talvez uma referência a Weintraub que durante reunião ministerial falou em “botar vagabundos” do STF na cadeia e reforçou a fala ao visitar o acampamento protofascista dos “300 do Brasil”.
Além do trabalho para o mercado financeiro, Decotelli teve duas experiências no setor público. A primeira foi como membro da equipe de transição do governo Bolsonaro, e a segunda foi quando esteve à frente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) por 8 meses, órgão que faz a transferência de recursos do MEC para estados e municípios, além de outras funções que fazem o órgão ser “o banco” do ministério.
A repercussão por sua indicação mudou rapidamente após o reitor da Universidade de Rosário afirmar nas redes sociais que o ex-ministro não concluiu o doutoramento e outras universidades irem no mesmo caminho, o que abriu uma crise antes mesmo da nomeação. Após apenas alguns dias de impasse, com uma soma de questionamentos ao currículo “inflado”, nesta terça-feira (30), Decotelli foi pressionado pelo governo e apresentou uma carta de demissão, é notório como o tratamento dado pelo governo foi muito diferente do que teve Weintraub, que saiu com direito a vídeo de despedida, abraço e todo um operativo que possibilitou que saísse do país sem ser preso.
Diante de mais um ex-ministro que cai, parte de um governo que tem sofrido reveses importantes mas mantém retórica e medidas de ataques ao conjunto dos explorados e oprimidos – tanto pela retirada de direitos, pelo avanço da agenda ultraliberal como pela ameaça constante aos direitos democráticos – precisamos pesar com as facetas da crise sanitária e econômica que abrem fraturas no andar de cima, e que podem expor ainda mais as entranhas do bolsonarismo e muitos dos mecanismos que possibilitaram a ascensão de um projeto autoritário-ultraliberal no governo central.
Com o avanço das investigações que pressionam Bolsonaro, com a prisão de militantes que compõem sua base fiel, ligados pelo financiamento da sua estrutura político-financeira composta por parlamentares e membros do governo, também sob investigação, além, é claro, do cerco sobre o núcleo familiar que ganha novos contornos com a prisão de Queiroz. Assim o governo sobe o tom na retórica contra os poderes da República e contra um campo cada vez maior de adversários taxados de “esquerdistas”.
Fraturas que podem avançar no interior do governo, entre as “alas” que medem seus próximos passos e decidir se vão dar sustentação a retórica golpista ou buscar alternativas que não incluam Bolsonaro e o restante da familícia.
Decotelli mal chegou e já caiu, não poderemos saber se iria conseguir cumprir a difícil tarefa de se tornar figura mais abjeta e nociva para a educação do que Abraham Weintraub. Poderia não ser um extremista tresloucado, preocupado em fazer ataques xenofóbicos, em avançar numa cruzada contra a esquerda ou se dedicar a fazer ataques ao STF e ao Congresso nas redes sociais, mas sem dúvida estaria dedicado ao ataque sistemático às universidades públicas e às políticas educacionais que não sejam aquelas que beneficiam os grandes conglomerados educacionais privados, aplicando na educação a cartilha de seu colega Paulo Guedes.
¹https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/06/moderado-e-apoiado-por-militares-decotelli-tem-missao-de-distensionar-relacao-com-poderes.shtml