A notícia de maior impacto dos últimos anos foi da decisão de Edison Fachin de anular as duas condenações contra Lula em primeira e segunda instância é uma vitória democrática de fato. Mas devido ao seu caráter superestrutural e provisório só pode ser consolidada se tiver como correlata a abertura efetiva de um processo intenso de mobilização por baixo.
ANTONIO SOLER
Condenação de Lula e ofensiva reacionária
Nesta segunda-feira (8/3), Edson Fachin (ministro do STF)atendeu um habeas corpus impetrado pela defesa de Luis Inácio Lula da Silva no sentido de que Sergio Moro não é o juiz natural dos processos.[1] Assim, não julgou o mérito das condenações, apenas que do ponto de vista processual, como em 2016 Lula se tornou réu em uma operação iniciada no Distrito Federal, não poderia ser processado por Curitiba, dessa forma, os dois casos devem voltar para o Distrito Federal.
A questão é o porquê apenas agora, depois de anos de pedido da defesa de Lula para que o processo voltasse a Brasília, Fachin concedeu o habeas corpus. A hipótese mais aventada é de que teria sido uma manobra para evitar que o pedido de suspeição de Moro tivesse prosseguimento no tribunal e colocasse assim todas as decisões da Lava Jata sob suspeição. Mas a aparente manobra para arquivar o pedido de suspeição de Moro não foi bem-sucedida, pois no dia seguinte à decisão suspender as condenações de Lula, Gilmar Mendes, relator do caso, colocou novamente o pedido em julgamento na 2ª turma. Processo que está momentaneamente paralisado pelo pedido de vistas de Kassio Nunes Marques.
Bom, voltando ao tema central, com o processo sendo julgado novamente, mesmo que Lula seja condenado em primeira e segunda instância, dizem especialistas que essas hipotéticas condenações em tempo processual normal não poderiam impedir que Lula seja candidato em 2022. De qualquer forma, mesmo sendo uma decisão monocrática, por cima e provisória, a suspenção das condenações de Lula e a restituição dos seus direitos políticos reconstitui um direito da soberania popular, que foi tirada não apenas pelas decisões de Moro e do TRF-4, mas também com a participação ativa do alto comando das forças armadas.
Forças armadas fiam manobras reacionárias
Diante da iminente prisão de Lula, em abril de 2018, a sua defesa entrou com pedido de habeas corpus no STF. Em uma cronologia sumária, o pedido de habeas corpus no dia 4 de abril foi negado por 6 votos contrários a 5 favoráveis, já no dia 7 de abril Lula foi preso e a partir daí impedido de participar do processo eleitoral.
Essa decisão apertada acabou de ter a balança inclinada desfavoravelmente para Lula após o alto comando das forças armadas, em nome do General Vilas Boas, disparar dois tuites um dia antes do julgamento, 3 de abril de 2018. O primeiro dizia que “nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?” e um segundo em que “o Exército brasileiro compartilha o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais“.
Em entrevista concedida entre agosto e setembro de 2019, Vilas Bôas disse que vários comandantes do exército foram consultados sobre esse tuites e reconhece que o objetivo era interferir na decisão do STF fazendo-lhe uma “alerta”.[2] Nesse sentido, a ofensiva reacionária empresarial, parlamentar e judiciária, que com a prisão e inelegibilidade de Lula desembocou na usurpação direta do povo decidir, teve na intervenção do alto comando das forças armadas um fator decisivo. O que, em consequência e perigosamente desde essa intervenção, torna os militares fiadores deste governo.
Se Lula fosse candidato nesse ano teria chances reais de vencer Bolsonaro nas urnas, o que significaria uma certa astucia da história – a maquinação da classe dominante para impor as contrarreformas através de manobras reacionárias teria se colocado à luz do dia – depois do impeachment de Dilma sem que houvesse crime de responsabilidade. Assim, a manobra parlamentar ultrarreacionária apoiada pela classe dominante tirou Dilma Rousseff do poder para impor um governo puro sangue e levar a fundo as contrarreformas, seria desmoralizada com uma eventual vitória de Lula.
Então a prisão e o impedimento de que Lula fosse candidato em 2018 foi uma manobra ultrarreacionária complementar ao impeachment de Dilma Rousseff de 2016 para que a classe dominante, através dos seus partidos, pudesse dar continuidade as reformas ultraliberais que vem sendo aplicadas com grande intensidade desde 2016.
Lula: um conciliador radical
Como dizíamos acima, essa foi uma vitória indireta e momentânea da soberania popular que pode significar uma mudança real na conjuntura que só terá um caráter mais permanente, e capaz de mudar a correlação de forças política entre as classes, se tiver como consequência uma intensa mobilização por baixo que faça recuar não apenas o neofascismo, mas toda a onda de ataques ultraliberais.
Neste sentido, a recuperação dos direitos políticos de Lula não parece reverter a estratégia oportunista do PT. Ao contrário disso, parece que essa linha de não mobilizar para derrotar pelas ruas os ataques de Bolsonaro, mas apenas desgastá-lo para as eleições de 2022 e continuar a construir frentes com os partidos da classe dominante – inclusive os que participaram do “golpe” contra Dilma – ganha ainda mais força.
Lula em seu discurso na quarta-feira (10/03) deixou claro que o centro da sua ação política será a tentativa de reeditar um pacto social com a classe dominante – a mesmíssima que apoiou o “golpe parlamentar” – ao falar diretamente ao grande empresariado: “não tenham medo de mim. Eu sou radical porque quero ir na raiz dos problemas deste país“.
Obviamente que Lula sabe que não é e nunca foi radical, está mais para um conciliador radical. Ir à raiz dos problemas para ele é no máximo ter políticas keynesianas fracas e de compensação social, jamais enfrentar o problema com medidas anticapitalistas, por isso coloca na mesma frase “não tenham medo de mim” e “sou radical”, apesar da aparente contradição lógica, sem deixar de ser coerente com sua política. Para Lula e seu partido serem radicais, a orientação liberal, oportunista e eleitoreira desses teria que ser substituída por uma orientação socialista, independente e voltada centralmente para a luta direta. Mas o oportunismo e a covardia política do lulopetismo – desde as mobilizações de 2013 responsável em grande medida pela situação política em que estamos hoje – não dão sinais de reversão.
A restituição da elegibilidade de Lula sem dúvida restitui provisoriamente o direito democrático, usurpado com o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, de as massas elegerem seus candidatos. Mas considerando as forças (parlamentares e extraparlamentares) que se envolveram nessa ofensiva ultrarreacionária, o seu apoio ao atual governo e às contrarreformas, não está dado em hipótese alguma que esse direito seja garantido até as próximas eleições sem um intenso processo de mobilização para garanti-lo.
Lula se entregou a polícia no dia 7 de abril de 2018 dizendo que confiava na justiça: deu no que deu…Nós não confiamos na justiça e muito menos na estratégia oportunista que Lula e seu partido têm desenvolvido há décadas. Por isso, não podemos suspender a crítica às traições do lulismo e, muito menos, embarcar em um remake de governo de conciliação de classes, o que exatamente foi defendido por Lula em seu discurso.
A luta radical pela independência do PSOL
A linha política apresentada por muitos setores do PSOL no sentido de construir uma “frente única de esquerda” e “programa de reformas estruturais com medidas anticapitalistas”, visando um “governo de esquerda”[3] sem nenhuma denúncia do papel que cumpriu Lula e o PT para a formação da situação reacionária em que vivemos, soa, no mínimo, muito preocupante.
Não queremos acreditar que atrás dessa formulação algébrica, por assim dizer, os companheiros cogitem que o PSOL possa fazer parte de uma frente eleitoral ou mesmo de um governo burguês. Preferimos acreditar que os companheiros procuram fazer uma exigência para dialogar com a base petista. Mas se é esse o caso, o fazem eliminando toda denúncia de décadas de traição, e não parece que isso contribua para superar o lulismo e afirmar o PSOL como alternativa estratégica.
Para nós, precisamos deixar claro para toda a militância de base da esquerda que o PSOL é o maior entusiasta da unidade de ação, obviamente que com independência política, com todos que queiram lutar para derrotar Bolsonaro. Precisamos dizer claramente que não podemos confundir um só instante unidade de ação contra Bolsonaro com frente política com a classe dominante, pois um acordo político-eleitoral com setores da burguesia, como em modo continuum tem feito o PT, seria apenas mais uma traição que recriaria as mesmas condições políticas que fracassaram há pouco tempo e que permitiram que avançasse essa ofensiva reacionária.
Bolsonaro apesar de toda a crise, mantem cerca de 30% de apoio popular, base em setores do empresariado e nas forças armadas, por isso não temos nenhuma garantia efetiva de que os direitos de Lula serão garantidos até lá, que qualquer resultado desfavorável a esse governo seja respeitado ou mesmo que não ajam tentativa golpistas no meio do caminho.
Dizer que só podemos derrotar Bolsonaro e o conjunto da ofensiva burguesa com táticas de mobilização direta não significa que as táticas eleitorais não sejam importantes, mas que essas são secundárias em relação às primeiras. O desprezo dessa regra básica da luta de classes pelas direções de massas tem custado muito caro para a classe trabalhadora no Brasil, como já dito acima.
Para aproveitar a possiblidade aberta de uma mudança na conjuntura a partir da retomada dos direitos políticos de Lula, não podemos nos deitar em berço esplendido e esperar passivamente as eleições de 2022, como faz o lulopetismo. Se Lula quer ser radical de fato, tem que nesse momento colocar-se à frente da luta pelo lockdown nacional, por renda emergencial de um salário-mínimo, por vacinas para todos a partir da quebra das patentes e pelo fora Bolsonaro, não voltar a acordar novamente com a classe dominante uma frente política com vistas a mais um governo de conciliação de classes, como mais uma vez foi anunciado em seu discurso.
Da mesma forma que temos que repudiar táticas que não levem à luta permanente pela unidade de ação e por construir efetivas frentes de mobilização, repudiamos as que afastem o PSOL da luta por construir uma direção para o movimento de massas que supere o lulismo. Assim para nós o PSOL tem que lutar por uma tática de unidade da esquerda colocando-se claramente contra qualquer aliança eleitoral com a classe dominante, pois, como visto milhares de vezes, essa linha do petismo só serve desarmar a luta as massas e permitir o avanço das forças reacionárias.
[1] Lula foi julgado na 13ª Vara Federal da Justiça Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato, por Sergio Moro e pelo TRF-4 (segunda instância da justiça federal) por supostos esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro através do tríplex de Guarujá (SP) e do sítio de Atibaia (SP). Processos esses que nunca tiveram provas diretas, mas sempre a culpa a partir de “convicções” de Moro e dos julgadores da 2ª instância.
[2] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/02/livro-de-ex-chefe-do-exercito-expoe-a-volta-da-politica-aos-quarteis.shtml
[3] Veja sobre esse tema a posição de Valério Arcary em https://www.brasildefato.com.br/2021/03/11/reformas-estruturais-e-medidas-anticapitalistas-para-um-governo-de-esquerda.