Apresentamos o décimo terceiro artigo da SÉRIE PARTIDO intitulado Legalidade nacional e extensão nacional do partido, de Roberto Sáenz. O autor traz a ideia clássica para o marxismo de que a participação nos processos eleitorais, em que pese não ser o centro da ação revolucionária, é fundamental para o alcance da política entre setores de massas, considerando que cotidianamente os partidos revolucionários atingem apenas franjas de vanguarda. Obviamente que a legalidade nacional – bem como a participação nas eleições e a própria eleição de parlamentares – não pode significar a queda no possibilismo politico, como ocorre com as correntes de origem trotskista do PSOL no Brasil, que entraram de malas e bagagens para o reformismo, ou mesmo no cretinismo parlamentar da FITU na Argentina que, vergonhosamente, não se coloca contra a proscrição eleitoral através da PASO. Em que pese estes terríveis desvios, que precisam ser combativos frontalmente, a conquista da legalização nacional é fundamental, não apenas no sentido de fazer a politica revolucionária chegar a setores mais amplos mas, também, para que o partido possa se construir nacionalmente a partir dos tremendos esforços que significam o deslocamento de quadros para os rincões do país; esforço sem o qual não se pode colocar em pé uma organização revolucionária de alcance nacional. Boa leitura!
Redação
Legalidade nacional e extensão nacional do partido
ROBERTO SÁENZ
“É pouco conhecido no exterior que o bolchevismo foi formado, fortalecido e temperado em longos anos de luta contra o revolucionarismo pequeno-burguês, que se assemelha ao anarquismo ou tomou algo emprestado dele, e que, em todos os problemas essenciais, negligencia as condições e exigências de uma luta de classes consistentemente proletária” (“Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, V.I. Lênin).
Estamos interessados em fazer aqui uma reflexão sobre o uso revolucionário da legalidade partidária.
A questão é a seguinte: quando as eleições estão estabelecidas entre amplos setores de massas como a forma característica de política, não participar delas é infantil e “esquerdista”: um tiro no pé que o partido dá em si mesmo.
Sem deixar de ser um recurso tático, é de enorme importância e pode ajudar a dar um salto de qualidade na construção e na influência da organização revolucionária. Porque a campanha eleitoral dá ao partido a oportunidade de chegar a setores mais amplos do que o habitual; de poder chegar a setores de massa com suas propostas quando seu público habitual se limita à vanguarda.
E de chegar, no caso das eleições presidenciais, fazendo propostas gerais porque, em qualquer caso, o partido tem sua candidatura presidencial e, portanto, está instalado no contexto das “ofertas eleitorais” gerais, que dizem respeito aos problemas gerais do curso da sociedade.
Insistimos: o fato da participação eleitoral ser tática não significa, dialeticamente, que ela não possa ser de enorme importância: que ela sirva de trampolim para colocar o partido em um degrau mais alto de seu desenvolvimento, conseguindo atingir e impactar com sua política setores que estariam totalmente fora de seu raio de ação habitual sem o ponto de apoio que pode ser a campanha eleitoral e os meios que ela coloca à sua disposição.
Mas a isso, que é amplamente conhecido, gostaríamos de acrescentar outro aspecto: a importância de obter a legalidade nacional para a extensão nacional da organização revolucionária. A legalidade nacional também é a “condição técnica” para que se possa apresentar candidaturas presidenciais.
O que acontece é que o partido geralmente não atinge todas as províncias ou estados do país. Ele se concentra no centro do país ou, no máximo, em algumas das províncias mais importantes. Mas quando o reconhecimento eleitoral nacional é alcançado, quando uma candidatura presidencial é lançada, ele pode chegar, por assim dizer, aos cantos mais distantes do país. O bolchevismo utilizou todas as brechas da legalidade para participar da Duma czarista (uma espécie de câmara parlamentar ultra adaptada e antidemocrática) a fim de estender sua influência entre as massas trabalhadoras da Rússia naquela época. Fez isso lutando contra as tendências de ultraesquerda do partido, que se recusavam a participar de eleições parlamentares mesmo quando a maré revolucionária de 1905 havia diminuído e um período reacionário havia se instalado.
Mas não se trata apenas do bolchevismo: na tradição do trotskismo antes e depois da Segunda Guerra Mundial, as eleições eram um veículo para a construção de organizações revolucionárias, desde que, é claro, seu uso fosse revolucionário e não levasse a uma adaptação eleitoralista.
Talvez os jovens militantes não saibam, por exemplo, que no distante ano de 1938 a organização trotskista do Vietnã (em um acordo heterodoxo com as forças stalinistas daquele país), sob a candidatura de Ta Tu Tao, ganhou a prefeitura de Saigon. Infelizmente, esse triunfo não pôde ser mantido porque o socialismo revolucionário era organicamente fraco e o stalinismo rompeu essa aliança “antinatural”, chegando ao ponto de, no início da década de 1940, assassinar o próprio Tao como trotskista (foi Ho Chi Min quem ordenou esse crime).
Mais perto no tempo, o PST morenista da década de 1970 fez um uso revolucionário da participação eleitoral em 1973 para transformar essa organização em um partido nacional. Os militantes daqueles anos conheciam muitas curiosidades acerca dos quadros que foram enviados para abrir – por meio da campanha eleitoral – novas províncias e regiões das formas mais improváveis.
De qualquer forma, está claro que obter a legalização nacional para qualquer organização revolucionária é uma enorme conquista e uma alavanca construtiva que a coloca em outro patamar sob todos os pontos de vista. O fato de participar das eleições presidenciais, de ter uma candidatura presidencial, já a coloca diante do público em geral como uma organização nacional, “uma das grandes”, tornando-a visível como uma organização nacional.
Mas isso se agiganta nas atuais condições históricas observadas internacionalmente, onde, apesar do surgimento de um ciclo de rebeliões populares, as eleições continuam a ser valorizadas pela grande maioria como o momento político por excelência. Nesses casos, qualquer partido revolucionário que se preze deve se esforçar para alcançar a legalidade nacional a fim de poder enfrentar a participação eleitoral. Não fazer isso seria criminoso para suas próprias possibilidades políticas.
Mas isso tem sua expressão no campo construtivo: a participação eleitoral nacional (independentemente dos votos obtidos) é uma enorme alavanca para o avanço da construção nacional do partido. Duas coordenadas se combinam aqui. Por um lado, é claro que a legalidade nacional e a candidatura presidencial permitem que o partido se estenda nacionalmente, chegue a todos os cantos do país, “plante” núcleos partidários ali. Mas, ao mesmo tempo, permite algo mais estratégico: possibilita atingir setores mais amplos do que o normal; trata-se de organizações com muito peso de jovens e estudantes, possibilita, de qualquer forma, atingir os locais de trabalho por meio de uma campanha eleitoral realizada de forma sistemática, que se torna orgânica e estrutural na porta das fábricas e de outros locais de trabalho. Isso sem prejuízo da extensão territorial que toda campanha eleitoral exige; das tarefas de agitação entre amplos setores que a caracterizam.
Em resumo, a legalidade nacional é uma ferramenta extraordinária para a extensão nacional do partido e deve ser entendida como tal por toda a militância. É uma ferramenta que deve ser explorada ao máximo por meio da realização de uma campanha eleitoral socialista e revolucionária que lute para que a consciência dos trabalhadores vá além de suas limitações habituais de demandas e estabeleça a luta pela independência política da classe.
Traduzido de izquierdaweb.com/legalidad-nacional-y-extension-nacional-del-partido-2
Ilustração: Terry Winters, Renderização paralela 2, 1997.