Frente Única e o programa da candidatura Boulos

JOSÉ ROBERTO SILVA

Assim como no mundo, aqui também passamos por um processo de ofensiva conservadora, em que, para acentuar o aprofundamento da hiperexploração dos trabalhadores, através da aprovação das contra reformas de todo tipo — principalmente a eleitoral, a trabalhista e a previdenciária — a burguesia não se furta a entregar ao conservadorismo o retrocesso das conquistas mais elementares da democracia burguesa. Como garantia disso, aumenta, nas suas mais diversas formas, a violência sobre os trabalhadores e movimentos sociais de todo o tipo: assassinatos seletivos nas periferias, assassinatos encomendados contra lideranças populares, repressão às mobilizações nos espaços públicos e intervenções militares.

Consequência do processo, ainda em aberto, de mobilização da juventude de junho de 2013, o espaço de disputa foi ocupado inicialmente por movimentos direitistas, que, assumindo as palavras de ordem de fora Dilma e Lula na cadeia, conseguiram levar milhares às ruas, dando suporte à manobra reacionária que culminou no impeachment e no fortalecimento de Sérgio Moro. Contudo, tais manifestações perdem peso pela presença reduzida, mas tonitroante, de elementos proto-fascistas que trazem às ruas o discurso do golpe militar preconizado por Jair Bolsonaro desde o parlamento. A marca maior destes movimentos foi a ausência da juventude e dos setores mais oprimidos da classe trabalhadora.

Porém, os ataques produzidos no governo Temer e a manipulação judiciária pela prisão de Lula acabam por trazer às ruas movimentos de sinal oposto àqueles. Os chamados de greve geral e as mobilizações pela democracia mostraram, em pelo menos dois momentos, uma disposição ímpar (desde 20 anos pelo menos) da classe trabalhadora de enfrentar o reacionarismo, fato que gera uma mudança na pauta política, que só não se materializa pelas ações da burocracia sindical pelega tradicional e da petista, em troca da manutenção de suas fontes de financiamento (imposto sindical) e da negociação da candidatura de Lula.

Uma outra marca das manifestações foi a participação das camadas médias da população que, se num primeiro momento, baixo o discurso contra a corrupção, alinham-se com a mobilização construída pela burguesia, posteriormente recuam, por conta da presença dos grupos fascistas, e participam, se não inteiramente, de maneira importante das manifestações seguintes apoiadas pelos setores de esquerda. Aqui, frise-se, a juventude e as mulheres são um traço importante.

Em suma, há um campo aberto onde explorados e oprimidos mostram disposição de luta e de organização, mas aguardam o chamado de forças consequentes para colocar um ponto de inflexão na conjuntura e apontar para além da resistência em que nos encontramos, confrontando o reacionarismo e, por consequência, o próprio capital.

A NECESSIDADE DA FRENTE ÚNICA

Se o levante juvenil de junho de 2013 colocou em xeque os projetos políticos burgueses em vigência até então, soterrou junto o Lulismo, como instrumento político de ação. Tal posição somente veio deixar à mostra que o PT, no seu projeto de conciliação de classes — até então a última esperança de transformação na participação política — já tinha sido abandonado pelas massas, notadamente pelas camadas médias já desde o final do primeiro mandato de Luis Inácio.

De outro lado, trouxe à tona também a ausência de um partido operário forte, que diante da fragmentação e do distanciamento do proletariado seja capaz de amalgamar as reivindicações dispersas e difusas da juventude e construir um movimento de massas amplo. O conjunto das forças de esquerda foi incapaz de apresentar um projeto de unidade da juventude e dos trabalhadores que levasse adiante aquelas mobilizações, ficando claro que as propostas de frente de esquerda até o momento apresentadas, com caráter meramente eleitoral, também foram rechaçadas por não se constituírem projeto político capaz de unir todos os setores de indignados.

A conjuntura reacionária, no entanto, tem levado à aproximação entre as pautas dos lutadores de gênero, juvenis, trabalhadores, desempregados, de etnia, sem tetos, sem terras, etc…, seja contra a possibilidade fascista, seja pela destruição de direitos democráticos e pela violência e bonapartismo do estado brasileiro. Outros sinais disso, para além das mobilizações de rua citadas, foram a votação da candidatura presidencial do PSOL, que soube falar à juventude, e também a fundamentalmente a expressiva votação de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro, que soube conduzir uma campanha que contou com o apoio dos mais diversos movimentos sociais, notadamente o de mulheres, com importante apoiamento das camadas médias daquele estado.

Portanto, diante da ausência de um instrumento poderoso dos trabalhadores, capaz de levantá-los por um projeto político próprio e socialista, e dos sinais de abertura de um período progressivo de lutas contra o reacionarismo, se faz imperativo a construção de uma frente de massas, de luta, de uma FRENTE ÚNICA de movimentos sociais, sindicatos e partidos da esquerda socialista (com todas as contradições que estes têm  — sectarismo, oportunismo, eleitoralismo e centrismo). Uma frente capaz de reunir e organizar o proletariado nas lutas pelas reivindicações mais imediatas de explorados e oprimidos, com vistas à sua unidade orgânica na construção de um projeto de poder próprio da classe, mirando o socialismo.

Como escreveu Trotsky, “…Se houvesse na França um partido revolucionário consequente, nós seriamos firmes adversários da fusão com o partido oportunista. Nas condições de exacerbação da crise social, o partido revolucionário, em luta contra o reformismo, reuniria infalivelmente sob a sua bandeira a maioria aplastrante dos trabalhadores. O problema histórico não é reunir mecanicamente todas as organizações que representam diferentes estágios da luta de classes, mas, de reunir o proletariado na luta e para a luta. Se trata de dois problemas completamente distintos e, inclusive, às vezes contraditórios.” (grifo nosso). (1)

O CARÁTER DA FRENTE

Por conta do exposto, a frente proposta tem que ter, objetivamente, o caráter de uma frente de luta. Nestas situações, dizia ainda Leon Trotsky, quando tratava da Frente Popular, na França de 1936:”O proletariado não proíbe que alguém lute com ele contra o fascismo, o governo bonapartista de Laval, o complô militar dos imperialistas e todas as outras formas de opressão e ignomínia. A única coisa que os trabalhadores conscientes exigem dos seus verdadeiros ou possíveis aliados é que eles lutem efetivamente.” (2)

Lutar concretamente deverá ser a marca dessa unidade, decorrente de seus próprios objetivos mais imediatos, que são: contrapor-se ao estado de coisas, encarar a burguesia de frente e, finalmente, fazê-la recuar, recuperando os direitos históricamente conquistados que neste momento estão sendo destroçados em nome da manutenção do lucro a qualquer custo.

Qualquer forma de organização e mobilização de massas de trabalhadores por suas demandas mais básicas, neste momento, confronta o poder na forma estabelecida. Agudiza a já dura luta ideológica e o acirra a luta de classes. Portanto, não pode ser tão somente uma frente eleitoral ou uma ação isolada por reivindicações pontuais, mas uma luta dos explorados e oprimidos pelo poder, sem conciliação e com base na efetiva participação política dos trabalhadores. Consequentemente, o alcance dos objetivos dessa transformação exigirá a permenente mobilização de seus participantes, mantendo o programa nas ruas, na formação dos comitês de frente nos locais de moradia e de trabalho.

A frente precisa ser clara e honesta com os trabalhadores quanto a isso. O capital e seus representantes no parlamento dirão que os trabalhadores já tem direitos demais e que o estado não pode cumpri-los sem aumentar a exploração da força de trabalho. Protegerão a qualquer custo o pagamento dos juros da banca internacional e colocarão seu aparato repressivo para amansar os mais resolutos. Assim, a FRENTE ÚNICA não deve se reunir apenas para disputar uma eleição, mas para ter o caráter permanente de um programa de mobilização, organização e educação da classe para o confronto mais duro com a burguesia.

A CANDIDATURA BOULOS E O PROGRAMA DA FRENTE

A candidatura de Guilherme Boulos pelo PSOL floresce a partir de uma frente conformada pelo PSOL, PCB e MTST, junto com diversos movimentos sociais agrupados na Frente POVO SEM MEDO, trazendo também uma carateristica diferenciada das frentes eleitorais anteriores: uma concretização a partir do encontro dessas organizações em meio às diversas mobilizações de massa havidas desde 2015, principalmente. O mais importante disso é que essa unidade se dá, apesar do ambiente recionário, como resultado da ausência de uma derrota da classe trabalhadora. Pelo contrário. Esse componente de participação na luta política institucional, a partir da força das mobilizações, é o dinâmo que pode transformar essa candidatura na Frente Única com as caracterísiticas expostas, e também trazer de volta a força da massa trabalhadora para o ringue que mais conhece: as ruas.

Em resumo, acreditamos que a candidatura de Boulos deve expressar não só a indignação própria dos movimentos de luta contra a opressão, mas construir um programa que aponte claramente para a conquista do poder pelos de baixo. É sintomático sinalizar que não se trata somente de recuperar os espaços perdidos e de propor maior participação política dos setores mais a margem da sociedade pelos instrumentos da democracia burguesa. Trata-se, sobretudo, é de colocar a classe trabalhadora na gerência de seus destinos, mas sem, evidentemente, desconsiderar o estágio atual da luta de classes, desfavorável aos trabalhadores, principalmente pela indisponibilidade dos seus instrumentos históricos de conquista do poder, através de um programa legitimamente revolucionário.

Enfim, este é o momento de superarmos o estágio anterior de busca do reformismo e apresentarmos um programa anticapitalista que confronte a burguesia e a faça recuar sobre os seus próprios passos. Só a luta das massas nesses termos, com um programa e direção consequentes, trará de volta o sentido de classe adormecido pelo Lulismo. Só assim a unidade orgânica dos trabalhadores será reunificada e sedimentada. Até o momento o programa dessa frente eleitoral está muito assentado nas propostas da plataforma VAMOS, o que por si só já demonstra um avanço na construção de uma alternativa ao poder, porém, carregando os elementos reformistas de um programa de reivindicações imediatas, próprias do pré junho de 2013. Acima de tudo, é preciso que as forças da esquerda socialista ajam no sentido de debater, propor e avançar um PROGRAMA ANTICAPITALISTA.

NOTAS

(1) TROTSKY, Leon ¿A DONDE VA FRANCIA? México D.F.: Juan Pablos Editor, 1975 – pg. 105

(2) Ibidem, pag. 118