Na luta de classes, todas as armas são boas: pedras, noites e poemas.”
Paulo Leminski
Apresentação
Preparar o Movimento Estudantil para os crescentes desafios
Apresentamos a seguir a tese da Juventude Já Basta! ao Congresso dos Estudantes de Letras. O Congresso é um dos principais instrumentos dos estudantes para fazer o balanço das lutas passadas e reorientar as lutas futuras, além de ser momento para realizar adequações programáticas e estatutárias das entidades estudantis.
Para que o Congresso possa tirar as melhores estratégias para avançarmos em conquistas e organização – temos que levar em consideração que as conquistas principais não são apenas econômicas ou sindicais, mas políticas que organizem o movimento -, não podemos ficar presos ao localismo reducionista e nem à globalidade abstrata. É preciso procurar traçar coletivamente um panorama da realidade – uma síntese – para compreender os principais desafios que temos que encarar.
A parte dessa realidade que constitui nossa universidade e unidade não está solta no ar, mas é determinada dialeticamente pelo todo, pela totalidade que determina em última instância a parte. É por essa razão que a nossa tese parte de considerações da realidade mundial, nacional e do Movimento Estudantil (ME) como um todo, pois só assim podemos discutir a dinâmica do nosso curso, os principais desafios que encontraremos no próximo período – e não são poucos como todos sabem – de forma que dêem conta das tendências reais da luta.
Estamos em uma conjuntura geral marcada pelo fortalecimento da extrema direita e do reacionarismo, mas as múltiplas crises estruturais se sobrepõem cada vez mais, o que tende a mais polarização e explosões de todas as ordens. Nesse cenário, a estratégia de conciliação de classes fracassa miseravelmente – como vimos nos resultados eleitorais de outubro. Por isso, nossa tese se dedica à sua crítica e à apresentação de outra perspectiva ao movimento.
Enfim, é para contribuir com essa perspectiva que colocamos à disposição nossas teses e que convidamos você a contribuir com elas durante o Congresso. Assim, conjuntamente poderemos sair mais preparados para esse cenário de resistência, mas também de possibilidades de lutas mais radicalizadas e conquistas. Boa leitura, compas!
ESCREVER UMA NOVA HISTÓRIA COM AS NOSSAS LETRAS
Uma nova etapa de desequilíbrios e com tendência a polarização
- Já há algum tempo afirmamos que estamos diante de uma nova etapa do capitalismo mundial que introduz profundas crises que reagem umas sobre as outras. Isto é, uma nova etapa da luta de classes que apresenta uma mudança de signo qualitativo em relação aos elementos objetivos que condicionam o desenvolvimento histórico: existem problemas irreversíveis sob o capitalismo em todas as frentes para as quais olharmos.
- Os contextos de nossas vidas são cada vez mais extraordinário e os enfrentamentos políticos e sociais cada vez mais duros. Assim, diante de uma profunda crise econômica estrutural e da democracia burguesa em que emerge o fenômeno da extrema direita a nível internacional, a classe dominante quer nos fazer pagar por essa crise criada por ela mesma – e para isso se utiliza de métodos cada vez mais violentos.
- A tendência mundial é a do desequilíbrio. A época de guerras, crises e revoluções identificada por Lênin com o eclodir da Primeira Guerra Mundial recoloca-se incorporando novos problemas estruturais de barbárie e reação – a crise migratória, a crise ambiental, a crise econômica, a crise hegemônica e a crise geopolítica. No Oriente Médio isso é mais claro impossível: o Estado de “Israel” se utiliza de métodos terroristas para levar adiante o genocídio do povo palestino, condição elementar à construção de um etno-Estado “puro”. Ao mesmo tempo em que defendemos incondicionalmente o direito de autodefesa do povo palestino contra o Estado racista, colonizador e imperialista de Israel, nos posicionamos ao lado das nações subjugadas contra os Estados opressores sem nos confundir politicamente com seus governos e partidos burgueses. Uma saída política estratégica para o povo palestino exige uma linha de luta pelo fim do Estado sionista e que seja combinada com a luta por uma saída socialilsta. Não podemos, como fazem algumas organizações, descolar a luta contra o colonizador da luta anticapitalista, pois sem um Estado de transição ao socialismo não se pode resolver os problemas de nenhum povo oprimido. A alternativa à barbárie sionista exige uma Palestina única, secular, livre, não racista e socialista e a unidade dos povos subjugados do Oriente Médio em uma perspectiva independente, multicultural, multirreligiosa, secular e socialista.
- A crise ecológica que resulta do caráter cada vez mais destrutivo e voraz do modelo produtivo capitalista assume uma dimensão catastrófica e exige um redimensionamento da a luta de classes sob uma nova relação entre campo e cidade. No Brasil, os últimos meses deixaram claro que os problemas urbanos e agrários se combinam de maneira cada vez mais nítida e demonstram a necessidade de unificar as lutas dos povos originários, ribeirinhos, quilombolas, trabalhadores rurais com todos os explorados e oprimidos dos centros urbanos.
- Por conta da catástrofe climática e a ação criminosa do agronegócio, 80% do território nacional esteve encoberto pelas fumaças das queimadas. A Amazônia enfrenta sua pior seca da história recente, as ondas de calor são cada vez menos esporádicas e os fenômenos climáticos se potencializam nos quatros pontos cardeais do planeta como consequência às atividades antrópicas direcionadas à irracionalidade do lucro.
- Outro elemento, um dos mais significativos desta nova etapa do capitalismo internacional, é, sem dúvidas, a crise estrutural dos regimes democráticos burgueses em que se expressa de maneira mais dinâmica um polo de crescimento da extrema direita a nível internacional, uma força política vitoriosa nas eleições de vários países. Isso acontece pela crescente fragmentação em curso dos campos políticos tradicionais como produto da crise estrutural do capitalismo em que as sociedades fazem-se cada vez mais desconformes com os seus respectivos governos: torna-se cada vez mais difícil às representações políticas resolverem os problemas das classes sociais no marco dos consensos democráticos clássicos da ordem democrático-burguesa. Por isso, o sistema partidário tradicional tende a entrar em colapso e o que emerge é um “arco-íris” de formações políticas, em muitos casos com pouca ancoragem orgânica.
- É evidente que a extrema direita hoje é uma força política do enquadramento global, um setor consolidado, em ascensão ou que se refortalece em países como Alemanha, Áustria, Argentina, Estados Unidos, “Israel”, Brasil, Hungria, Polônia e etc. Logo, subestimá-la de maneira facilista (uma das faces do impressionismo analítico e produto de uma militância empírica de natureza objetivista e economicista), como fazem alguns setores do trotskismo independente como PSTU e MRT, nos desarmaria para um enfrentamento de classes de natureza homérica que temos pela frente. Um enfrentamento que se deve munir, imprescindivelmente, com tudo que há de mais coerente e consequente do arsenal tático e estratégico da tradição do movimento operário.
- Por outro lado, superestimar a força dos nossos inimigos (a outra face de natureza derrotista do impressionismo), como têm feito as correntes internas do PSOL, MES e Resistência (dois oportunismos distintos, mas complementares entre si), é conceder campo demais à extrema direita e perder de vista a possibilidade dialética da reversibilidade da correlação de forças no terreno da luta de classes. É, em última instância, imputar uma virtude e grandeza aos nossos inimigos de classe que na realidade não possuem; é, sob a capitulação oportunista diante da ameaça “fascista”, negar as lições históricas do marxismo revolucionário do passado, desconsiderar a responsabilidade e o fracasso da da linha de conciliação de classes das direções majoritárias dos movimentos e partidos no combate à extrema direita, e, portanto, abrir mão de uma possibilidade estratégica de vitória.
- Por último, a conjuntura internacional segue girada à direita. Trata-se de uma conjuntura reacionária pautada por uma policrise permanente. Mas ao assumir um método cada vez mais violento e provocativo, também permanente, de se fazer política, o capitalismo deste século certamente fará explodir as bases sociais exploradas e oprimidas em defesa dos seus direitos. Que teremos uma erupção social não temos dúvidas, o que resta saber é quando e como e, assim, a tarefa central colocada aos socialistas revolucionários é fomentar e participar da resistência dos setores de massas, apresentar cada vez mais amplamente saídas anticapitalistas e preparar a militância – as novas gerações – para essa futura e provável explosão social dos de baixo.
Superar pela esquerda o fracasso da conciliação de classes
- A vitória eleitoral de Lula-Alckmin em 2022 foi importantíssima para a defesa das liberdades democráticas dos trabalhadores, à liberdade de pensamento, reunião e associação sindical/política sem as restrições que almejava impor o bolsonarismo e sua intenção bonapartista. Certamente, se reeleito para um segundo mandato, Bolsonaro iria desferir ataques ainda mais contundentes aos direitos democráticos.
- Contudo, ao limitar-se exclusivamente ao plano eleitoral, vendida a falsa ilusão de normalização do regime democrático burguês com Lula 3 e a possibilidade de disputar e empurrar a frente amplíssima para a esquerda (como diz ser possível o PSOL), abriu-se um enorme espaço para que a extrema direita, de forma combinada com a direita, pudesse sair extremamente vitoriosa nessas eleições municipais. A conciliação de classes criou, sem dúvidas, melhores condições para que a extrema direita caminhe a passos largos para a reversão da sua posição defensiva após 8 de janeiro e avance para conquistar a anistia aos golpistas e a reabilitação eleitoral de Bolsonaro.
- O atual governo liberal-social de Lula-Alckmin encontra-se hoje numa situação política desfavorável. Uma situação constituída organicamente pela própria natureza de classe burguesa desse governo de frente ampla à medida que governa exclusivamente com representantes da classe dominante e no marco exclusivo das instituições burguesas. Outro elemento dessa situação são as condições materiais do quadro internacional do capitalismo, que não permitem o crescimento capitalista visto na primeira década dos anos 2000, pois este não pode mascarar o antagonismo entre as classes sociais a partir da conciliação de classes como fazia o velho lulismo.
- Mesmo com um governo que deixa de ser social-liberal para tornar-se liberal-social, parte importante da classe dominante apoia cada vez mais o bolsonarismo para garantir os seus interesses e uma acumulação vinculada ao extrativismo devastador do agronegócio e da mineração. Toda essa situação faz o lulismo hoje perder base entre os mais pobres, entre os donos do capital graúdo e entre as velhas oligarquias. Essa erosão em sua base social subproletária e entre a classe dominante acaba por ter forte influência na correlação de forças que vem crescendo favoravelmente à extrema direita.
- No que diz respeito à política de Lula 3, o que se vê é uma espécie de continuidade da agenda de Dilma em aceno à burguesia em 2015/16 como forma de mostrar compromisso com os interesses da classe dominante numa tentativa de evitar o seu impeachment: uma brutal política de austeridade fiscal (o investimento em programas sociais foi reduzido em 87%) e a generalização da repressão às lutas nas ruas por esquerda de junho de 2013 até 21014 e 2015. Sendo assim, o atual governo de Lula não só legitima as contrarreformas impostas sob a mão de ferro de Temer e posteriormente de Bolsonaro, mas as atualiza e as complementam com novos ataques que massacram os trabalhadores e trabalhadoras e os serviços públicos.
- Fica transparente a posição consciente do governo em assumir como prioridade a questão econômica, mais precisamente políticas neoliberais que não tocam em temas tabus como o pagamento dos juros da dívida pública ou a taxação dos capitalistas, deixando todas as bandeiras democráticas de lado (a questão de “costumes” como dizem os reacionários): o fim dos tribunais militares, o fim do artigo 142 da Constituição, a legalização do aborto e etc. Desse modo, a extrema direita e o reacionarismo em geral ficou muito à vontade para legislar pelo parlamento temas como o Marco Temporal, a criminalização do aborto, das drogas e outros. Trata-se de um cálculo inconsequente feito pela esquerda da ordem que nos demonstra algo simples, contudo profundo: a ideia da garantia de que uma administração dos negócios e lucros da burguesia consolidará uma estável governabilidade e servirá como antídoto à volta da extrema direita. Uma lógica que reconhece exclusivamente como sujeito político a própria burguesia, e o que resta é mostrar um bom serviço à mesma – ao seu verdadeiro chefe. Temos como exemplo concreto do abandono de qualquer perspectiva democrática e progressiva a liberção feita pelo PT à sua base para votar favorável ao PL que equipara o aborto a homicídio.
- Há, contudo, outro elemento central que contribui à reabilitação da extrema direita e a vitória categórica da direita nessas eleições: a contenção consciente da mobilização social pelo lulismo e suas representações sindicais, estudantis e sociais. A frente ampla de Lula-Alckmin e todas as direções políticas e sindicais submetidas ao governo apostam exclusivamente no enfrentamento eleitoral à extrema direita, basta ver o papel ridículo que cumpriu a UNE (União Nacional dos Estudantes) no dia do estudante, sujeitando-se ao papel de “conselheira fiscal” do governo e exigindo a redução da taxa de juros, quando o governo mantém uma meta inflacionária extremamente restritiva de 3% ao ano.
- Mais ainda, o próprio indicado ao Banco Central por Lula defende justamente o contrário à redução de juros, o que torna ainda mais grave o cumprimento desse papel ridículo pela UNE e traidor diante da necessidade de derrotar o Novo Ensino Médio que empurra a juventude trabalhadora para o mercado precário de trabalho. A isso soma-se a urgente necessidade de enfrentar o novo teto de gastos, chamado de “Arcabouço Fiscal”, que restringe o investimento público em setores essenciais aos trabalhadores como educação e saúde para manter o pagamento corrente da dívida pública brasileira com banqueiros e empresários – montante que consome quase 50% do orçamento nacional.
- Recentemente, a catástrofe climática no país apontou de maneira pedagógica não só a natureza destrutiva do capitalismo deste século como dito anteriormente, mas como a conciliação de classes fortalece a burguesia agropecuária e os seus crimes contra o meio natural,contra os povos originários e contra os trabalhadores. O governo Lula-Alckmin construiu nada menos que o maior Plano Safra da história do Brasil, foram destinados mais de R$ 400 bilhões para os latifundiários ecocidas e, como se não bastasse, um repasse emergencial de R$ 6,5 bilhões de verba emergencial para os mesmos diante das queimadas que o próprio setor agraciado promoveu. Por outro lado, a reforma agrária e a demarcação das terras indígenas não aparecem nem mais nos discursos, tornou-se algo oposto pelo vértice do lulismo contemporâneo.
- Disse muito agudamente Marx que a história se repete. Acontece a primeira vez como tragédia e volta a se materializar como farsa. Assim, poderia ser essa a síntese em relação à derrota de Guilherme Boulos neste recente segundo turno eleitoral. Uma repetição da tática de frente ampla com a classe dominante em nome do combate ao “fascismo” que teve como orientação central o aceno à Faria Lima para que aceitassem a candidatura do PSOL como ferramenta administradora dos seus negócios (uma administração mais “humanizada” da barbárie capitalista). Não só, mas uma orientação política que se recusou conscientemente à luta direta nas ruas, a partir da mais ampla unidade de ação, para derrotar Nunes e sua chapa ultrarreacionária. Outra vez, uma repetição farsesca da lógica socialdemocrata em dissociar a tática eleitoral da luta pelas ruas, em apostar nos elementos mais progressivos da política – a luta de classes – para que se sobrepusessem aos mais atrasados; para que a vanguarda pudesse arrastar consigo as massas e não o contrário, como acontece quando se adapta ao parlamentarismo burguês. Mas, infelizmente, o pior é que não vimos essa separação entre luta direta e voto apenas entre os partidos da esquerda da ordem (PT e PSOL). Tal adaptação incorreu também no interior da esquerda revolucionária que defendeu suas táticas eleitorais de forma aberta (PSTU) ou envergonhada (MRT) sem fazer a ponte entre a tática eleitoral e a necessidade de lutar para derrotar a extrema direita em São Paulo ou em outras cidades.
- Com essa derrota, numa cidade tão importante como São Paulo, a extrema direita avança por garantir as condições que almejava à sua reabilitação. Não só isso, o próximo governo de Ricardo Nunes, alinhado com Tarcísio e Bolsonaro, terá consequências dramáticas aos explorados e oprimidos se não for enfrentado da maneira mais consequente e coerente possível, ou seja, de forma política, unindo na ação todos os movimentos sociais contra os seus ataques.
- A agenda da extrema direita, agora fortalecida, é clara: privatizações dos serviços públicos, inclusive do ensino superior (há um projeto para tramitar na ALESP que imputa cobrança de mensalidades nas universidades estaduais), aumento da repressão sob as forças policiais, avanço sobre as liberdades democráticas, uma política implacável de austeridade fiscal e arrocho salarial, etc.
- Sendo assim, entendemos ser fundamental nos preparar para os enfrentamentos que teremos para o próximo período. A partir de uma localização política que coloque o movimento estudantil sob o princípio da independência de classes, se fará central combinar o projeto de universidade pública que queremos, enfrentando unitariamente os ataques da reitoria e dos governos em todas as suas instâncias, para refundar o movimento estudantil sob as bases do marxismo revolucionário.
- Nossa batalha é por recolocar o movimento estudantil, resgatando o que há de melhor na sua tradição e superando as atuais direções oportunistas ou sectárias. Para isso, é necessário um processo em que o ME encare suas tarefas de maneira mais política, ou seja, que encare suas demandas internas como um todo, desde as mais econômicas/sindicais até as mais políticas, sem deixar de passar pelas democráticas. Além disso, o ME tem que atuar conscientemente para unificar a comunidade universitária e os os trabalhadores e oprimidos para que se possa avançar ao projeto de construção de uma universidade para e pelos trabalhadores. Nesse sentido, a luta pelas cotas trans é um bom exemplo da necessidade de unificar os movimentos para que se avance na democratização do acesso à universidade. Apenas assim o ME poderá ser um dos sujeitos políticos protagonistas da luta de classes local, regional e nacional, levantando bandeiras anticapitalistas que enfrentem a extrema direita reacionária de Nunes, Tarcísio e Bolsonaro, assim como na constituição de oposição consequente ao governo liberal-social de Lula-Alckmin que além de atacar os trabalhadores abrem caminho para a volta da extrema direita em nosso país.
Movimento Estudantil: a juventude resiste em um mundo em múltiplas crises
- O Congresso dos Estudantes da Letras acontece em um contexto mundial de polarização, crises e tendências ao desequilíbrio. No Brasil temos a retomada da ofensiva da extrema direita, o que ocorre dentre outros fatores pelo espaço dado pela conciliação de classes lulista. Essa situação coloca desafios imensos ao conjunto do ME em geral e ao movimento estudantil uspiano em particular.
- A juventude tem protagonizado importantes lutas em todo o mundo nas últimas décadas. Nas primeiras décadas deste século, foi a vanguarda das rebeliões populares na América Latina contra a devastação neoliberal, depois em várias outras partes do mundo contra a crise econômica e contra governos reacionários.
- No passado mais recente, a juventude latino-americana se insurgiu contra repiques de governos neoliberais, como no Chile; a juventude feminina foi decisiva na luta pelo aborto legal na Argentina e a juventude negra estadunidense fundamental na luta contra o genocídio ao povo negro nos EUA, o que foi decisivo para a derrota de Donald Trump em 2020.
- Agora, além de protagonizar levantes e rebeliões em várias partes do mundo contra governos, a juventude tem se destacado no combate ao genocídio palestino levado a cabo pelo Estado de Israel e pelo imperialismo; contra o ecocídio e contra o avanço de governos de extrema direita – como é o caso atual “estudantaço” da juventude argentina contra o corte orçamentário de Milei às universidades públicas.
- O que a juventude em todo mundo está enfrentando é uma nova etapa da luta de classes, o limiar de uma nova época de guerra, crises e quiçá revoluções em que se somam uma série de outras crises estruturais: econômica, militar, geopolítica, migratória e climática.
- Essa sobreposição de crises de várias naturezas leva à tendência ao desequilíbrio em todas as esferas da vida, à polarização política e militar, novos imperialismos, colonização e a novas rebeliões populares. Fenômenos sobre os quais os explorados e oprimidos do planeta, apesar das dificuldades de alternativa e direção encontrada para fazer frente, reagem de diversas formas como apontamos brevemente acima.
Brasil: Construir uma direção combativa para o Movimento Estudantil
- No Brasil, em que pese suas especificidades, também travamos nas últimas décadas importantes lutas de resistência ao avanço do ultra reacionarismo que vem se afirmando através das novas formações governamentais de extrema direita, como a de Bolsonaro, mas também diante de governos liberais-sociais de conciliação de classes, como o de Lula-Alckmin.
- Desde o início do século – para ficar em um recorte mais recente -, o ME no Brasil protagonizou enfrentamentos importantes na luta contra a precarização do ensino em todos os níveis; na luta contra a carestia, pelo transporte público gratuito, contra ataques aos direitos democráticos e outros. Lutas essas que se chocaram contra governos burgueses de conciliação de classes, governos de direita reacionários do Centrão e governos de extrema direita.
- Durante a ofensiva reacionária impulsionada a partir de 2015, o movimento de mulheres e a juventude protagonizaram o #Elenão que quase virou o jogo. Já durante o governo Bolsonaro, participaram de importantes lutas contra as contrarreformas, como a da Previdência e contra os ataques à autonomia e ao orçamento público das universidades com o tsunami da educação em 2019.
- Na pandemia da Covid-19, a luta se deslocou para o cuidado sanitário pelo direito ao isolamento social, ao auxílio aos desempregados e à vacina. Já, no final do governo Bolsonaro, apesar da burocracia que dirige o ME jogar no campo da frente ampla com a classe dominante e na política de apassivamento e desarticulação que rejeita as ruas, a mobilização universitária para derrotar eleitoralmente o neofascismo foi fundamental.
- Após a derrota eleitoral de Bolsonaro e o ato golpista de 8 de janeiro de 2023, Lula 3 – governo liberal-social de tentativa de normalização do regime democrático burguês – em vez de aproveitar o momento político favorável para derrotar estruturalmente o golpismo, girou seu governo às contrarreformas, como é o caso do novo teto de gastos e da reforma tributária – sem falar nos cortes orçamentários, no maior Plano Safra da história concedido à burguesia bolsonarista do agronegócio, na tesourada ao BPC e outras medidas de cunho reacionário e/ou conciliatório com a burguesia..
- Neste ano, o principal movimento grevista foi a luta dos servidores técnico-administrativos, dos docentes e estudantes das universidades e institutos federais. Esse movimento respondeu à precarização do trabalho, ensino e pesquisa nas universidades e institutos federais e durou mais de 60 dias. Durante o processo grevista iniciado pelos trabalhadores, os estudantes também se mobilizaram e fizeram greves em várias instituições: UFF, Unirio, UFMG, UFG, UFPR e outras.
- A mobilização enfrentou o governo que deixou claro que queria impor uma derrota aos grevistas. A burocracia lulista também cumpriu um papel reacionário através da construção do PROIFES (entidade criada burocraticamente pela direção da CUT com o objetivo de acabar com a independência do ANDES e da SINASEFE). Apesar de não ter conseguido reajustes salariais para esse ano, reivindicação central dos técnicos e dos docentes, esse movimento foi a principal experiência com o governo burguês de conciliação de classes do Lula 3 até agora.
- Esse é um breve percurso que podemos fazer nessa parte de nossa tese sobre o ME brasilerio dos últimos anos. Movimento que tem dado demonstrações de disposição de luta, mas que enfrenta um enorme desafio para fazer história: superar a sua direção burocrática majoritária. E aqui cabe um parênteses para o resgate de alguns elementos históricos que permitem entender o perfil político das atuais direções do ME.
- De meados dos anos 1960 do século passado até o final dos 1970, o Movimento Universitário (na época ainda não havia um movimento secundarista organizado) foi o protagonista absoluto na luta direta contra a ditadura, construindo e exigindo uma política correta de unidade de ação que enfrentasse os militares nas ruas e se articulasse politicamente contra as forças políticas ultra reacionárias que deram suporte à política ditatorial de então.
- Com o surgimento no final dos setenta de um sindicalismo combativo que se consolida no início dos oitenta, dirigido por uma ala da velha burocracia que cria o PT e a CUT, esse movimento capitaneia a luta pela redemocratização do país. Com o lulismo na direção do novo sindicalismo, há um giro na política de unidade de ação para uma política de frente ampla e de conciliação de classes. Esse giro foi baseado nas antigas teses etapistas do PTB e do PCB da existência de uma burguesia nacional democrática, com a qual seria possível impulsionar um programa nacional-desenvolvimentista, que passa a dominar a esquerda e o ME e instala o neopeleguismo no âmbito sindical. Resumidamente, esse foi o ato fundador do frenteamplismo com a classe dominante – da corrente que domina o ME até os nossos dias (PCdoB e PT e agora o PSOL com a sua capitulação ao lulismo).
- A derrota das greves do final dos oitenta e a aplicação voraz do neoliberalismo dos anos 1990, reforçaram essa política em todas as suas premissas Porém, a partir da eleição do governo de Lula 1 no início dos anos 2000, a direção majoritária do movimento sindical/estudantil dá mais um passo à direita, passa a compor um governo burguês de conciliação de classes e faz com que a perda da independência de classe ganhe um patamar ainda mais profundo, pois a defesa desse tipo de governo da classe dominante passa a ser o último e máximo horizonte às transformações sociais. Assim, jogam desde então todas as suas ações na política de apassivamento, despolitização e desmobilização de todo e qualquer movimento social.
- Essa é a origem teórica e política de uma direção do ME burocrática e oportunista que aposta sempre na desmobilização das bases e, por isso, durante momentos de ascenso do movimento contra Bolsonaro não teve nenhum papel de destaque. Agora, com a volta do lulismo, se dedica única e exclusivamente à defesa do governo, mesmo que para isso tenha que se enfrentar por direita com a luta independente.
- Para ficar em um exemplo recente, esse foi exatamente o papel que cumpriu a União Nacional dos Estudantes (UNE) na greve dos servidores e dos estudantes federais deste ano. Em que pese o grande apoio e participação dos estudantes à deflagração de greves estudantis, a direção da UNE esteve totalmente ausente dessas lutas com o argumento absurdo de que qualquer luta contra o governo fortalece a extrema direita. Na verdade, o que fortaleceu a extrema direita foi a posição do governo de, além de não atender as reivindicações dos grevistas, tentar desqualificar a greve; posição essa que foi acompanhada pela direção da UNE (composta por UJS, Juventudes do PT e LPJ).
- A mesmíssima posição se formou no 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes (Conune), ocorrido em julho de 2023 em Brasília. No Congresso, a direção da entidade reafirmou essa política de capitulação ao Lula 3 e de traição de qualquer movimento independente dos trabalhadores e oprimidos.
- Desde a abertura, o 59º Congresso foi um foi um show de horrores da perda da independência política. A adaptação é tamanha que a principal ação durante o Congresso foi a realização de um ato em frente à sede do Banco Central para pressionar pela redução da taxa de juros em vez de lutar pela estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores ou pela revogação do Novo Ensino Médio que afasta os estudantes das universidades e os empurra diretamente ao mercado precarizado de trabalho.
- Esse Congresso também serviu para constatar que a antiga Oposição de Esquerda da UNE morreu. Correntes como a Juventude Sem Medo (Afronte, RUA, Fogo no Pavio, Travessia e Manifesta) passaram para o campo majoritário ao defender a resolução conjuntural apresentada pelo bloco da burocracia pelega. Já o autointitulado “bloco de oposição” formado Juntos/MES, UJC/PCB e Correnteza/UP não tem qualquer independência em relação ao governo Lula 3 e à burocracia lulista e não representa uma alternativa consequente à política traidora e burocrática da UJS na UNE.
- Diante dessa falência da antiga Oposição de Esquerda da UNE, e da prática pelega da direção dessa entidade, como vimos defendendo desde o ano passado no Congresso da entidade, nossa tarefa é reconstruir o campo da Oposição de Esquerda Independente da UNE sob um programa socialista, independente e antiburocrático.
- Essa é uma tarefa central para enfrentar a direção majoritária e retomar um ME combativo que mobilize os estudantes pela base para derrotar os ataques neoliberais de todos os governos e a extrema direita bolsonarista que se refortalece. Mas, além do oportunismo descarado das forças que romperam com o campo da oposição para entrar no campo político do governo e dos representantes da classe dominante, enfrentamos uma combinação de sectarismo, por um lado, e oportunismo, por outro, praticado pelos compas da Rebeldia/PSTU e da Faísca Revolucionária/MRT que os inviabiliza como construtores dessa tarefa histórica. Setores que durante o Congresso, por exemplo, se negaram por razões distintas a compor uma chapa independente de oposição de esquerda.
- A tarefa pela reorganização da Oposição de Esquerda na UNE segue. É essa lacuna instalada na realidade do ME que nos exige a construção de uma política consequente para o movimento. Fazemos um chamado às organizações da esquerda independente, em especial às juventudes do Rebeldia e da Faísca Revolucionária, para que rompam com o sectarismo/oportunismo e, assim, trabalharmos conjuntamente pela reconstrução desse campo e pelo esforço unitário de inflamar as lutas da juventude com medidas anticapitalistas.
- Esse é o primeiro passo para que possamos construir um movimento estudantil e uma UNE com uma política classista, combativa e democrática, que rompa com os métodos burocráticos e seja independente dos governos e dos patrões. Essa é uma tarefa indispensável para aqueles que querem impulsionar a luta pela revogação integral do Novo Ensino Médio e do Arcabouço Fiscal, derrotar o Marco Temporal, as privatizações de todos os governos, lutar em defesa dos direitos ameaçados pela ofensiva da extrema direita e exigir a prisão de Bolsonaro e de todos os golpistas.
USP: luta por cotas, permanência, igualdade e democracia demanda direção à altura
- Agora tratemos do ME na USP. Todos sabem que o ME uspiano tem um protagonismo político histórico com lutas estratégicas que remontam ao século XX, à resistência à ditadura militar e às lutas que desembocaram na redemocratização burguesa no Brasil. Mas nos limites desta tese, nossa análise não precisa ir tão longe para tomarmos uma medida da dinâmica e das necessidades políticas atuais.
- Basta verificarmos que a onda histórica de ocupações de universidades em todo o Brasil no final dos anos 2010 contra a extrema precarização das universidades federais – provocada por uma política de expansão de Lula 2 que dividiu os poucos investimentos com o financiamento das universidades pagas -, foi impulsionada pela greve e pela ocupação dos estudantes da USP e de outras universidades estaduais no ano de 2007 contra a decretos de José Serra (PSDB) contra a autonomia universitária.
- Uma série de movimentos, greves e ocupações que se seguiram no período posterior – passando pela importante participação dos estudantes da USP em Junho de 2013, pela luta contra a ofensiva reacionária para derrubar Dilma em 2016, pela luta contra o governo Temer e Bolsonaro e etc – foram realizadas pelos estudantes da USP.
- Lutas essas radicalizadas que tiveram uma queda durante os anos ultra reacionários de Bolsonaro mas que voltaram de forma importante durante a greve no ano passado tendo como pauta central a luta pela contratação automática de professores que ficou conhecida pelo “gatilho automático de contratação”. Essa foi uma greve que começou em um cenário em que os estudantes sofriam por vários problemas na moradia estudantil, falta de professores, ataques de militantes neofascistas e autoritarismo da reitoria.
- Depois de expulsar provocadores fascistas da FFLCH, os estudantes queriam se organizar em assembleia, mas Paulo Martins (diretor da unidade) quis fechar os prédios de forma autoritária, o que foi o estopim que faltava para a combinação de descontentamentos que fez eclodir a greve dos estudantes no dia 18 de setembro de 2023. Essa foi uma importante greve que ocorreu após a pandemia, desenvolveu como eixo de mobilização – depois de vários enfrentamentos com a direção do DCE – a luta pelo gatilho automático, pelo auxílio permanência de um salário mínimo paulista e pela devolução dos Blocos D, K e L. Um acontecimento que marcou a retomada do movimento estudantil na USP, que mobilizou amplamente os estudantes, mas não saiu categoricamente vitorioso porque teve como barreira os limites políticos da atual direção do DCE.
- Em primeiro lugar, a greve não foi preparada pela direção do DCE, que veio a reboque do movimento, porque praticamente abandonou a perspectiva de luta direta e os espaços de organização dos estudantes. Quando o movimento foi detonado espontaneamente, essa direção não apostou no eixo central da greve que era a conquista de mais contratações de professores e do gatilho automático. Além disso, não dialogou com os técnicos administrativos – não participou de nenhuma assembleia convocada pelo SINTUSP – e com os docentes para construir um movimento em unidade operário-estudantil; por último não apostou em métodos de luta mais radicalizados.
- E para piorar esse cenário, a reitoria emitiu a uma Circular que retirava o direito de reposição de aulas, ameaçando a reprovação sumária de milhares de estudantes em um claro ataque direto ao direito de greve. Parte do movimento compreendeu a gravidade do que poderia significar tal precedente e apontava à necessidade de radicalização do movimento. Entretanto, a direção do DCE dividiu a assembleia que aprovou a tática da ocupação dos Blocos K e L e enfraqueceu o movimento. Chegaram inclusive a denunciar publicamente à Folha de São Paulo a ocupação dos estudantes! Porém, foi a ocupação da antiga reitoria que obrigou a burocracia universitária a baixar a Circular fazendo com que a greve não terminasse derrotada.
- Depois da greve, a Direção do DCE demora 9 meses em convocar a primeira assembleia estudantil deste ano para organizar novas eleições. Eleições que apesar da falta de coragem política da direção do DCE, foram um marco importante porque demonstrou o espaço político atualmente ocupado pela esquerda do movimento estudantil na USP. Nessas eleições, venceu a chapa Fazer Valer a Luta (composta por Correnteza, Juntos, Afronte, PCBR rompeu) mas houve um importante fortalecimento da oposição independente na FFLCH com o importante resultado da chapa que compusemos (INTIFADA) e da esquerda independente.
- Após a eleição da entidade, o movimento estudantil na USP entra em ponto morto apesar de nenhum dos grandes problemas terem sido resolvidos. Ao invés de aproveitar o processo eleitoral para dinamizar a luta pelos temas centrais, como contratação de professores, bolsas e moradia, a direção do DCE, dedica-se única e exclusivamente à tarefa eleitoral da forma mais politicista possível, ou seja, totalmente desvinculada da luta direta.
- Esse cenário de crise de direção se manifestou de forma bastante nítida durante a última assembleia geral dos estudantes. Além de ser uma assembleia esvaziada devido ao deslocamento do eixo e à péssima convocação, a assembleia aprovou uma resolução que desarmou totalmente os estudantes para o principal tema que era a luta para derrotar Nunes e a extrema direita no segundo turno. Enquanto fomos a única corrente do movimento estudantil que propôs durante todo o processo eleitoral e na reta final do segundo turno que a única tática que poderia derrotar Nunes em São Paulo era levar a luta para as ruas através de ações conjuntas com outros setores da universidade, a direção do DCE fez aprovar que a única coisa a fazer seriam as rotineiras panfletagens.
- Esse breve balanço das posições da direção do DCE demonstra que a mesma política de conciliação da direção da UNE levada a nível nacional é a que leva a direção do DCE da USP. Essa é uma política que confunde deliberadamente os estudantes no sentido de que é um erro construir uma oposição de esquerda a esse governo de conciliação de classes e de enfrentamento à extrema direita.
- Ou seja, essa é uma linha que impede que os estudantes tenham entidades independentes do governo liberal-social para lutar pelos seus direitos e que ao mesmo tempo lutem contra a extrema direita. Nunca ser parte política de um governo burguês de conciliação – como é o caso dos governos do PT – garantiu vitórias contra o (neo)fascimo. Pelo contrário, entrar ou apoiar esse tipo de governo apenas serve para tirar as lutas diretas das ruas e abrir espaço para o avanço da extrema direita, como vimos nesse processo eleitoral.
- É por essa razão que pensamos ser necessário construir outra direção ao movimento estudantil. Uma direção que unifique os setores independentes dos governos, de toda a patronal e da reitoria, pois acabamos de ver no que resulta essa linha de fazer frentes políticas com governos de conciliação de classes.
- Também pensamos que os setores que se mantém na independência de classes precisam corrigir sua postura, não podem fazer como os companheiros do Rebeldia que no final da greve do ano passado assinaram um documento com a direção do DCE fazendo um balanço distorcido da realidade e desarmando a base dos estudantes. Também vimos nessas eleições uma posição política que separou as lutas diretas da política eleitoral ao mau e velho estilo da socialdemocracia, uma polêmica que travamos fraternalmente com os compas. Na política internacional a nossa principal diferença é como encarar a luta contra o genocio em Gaza, pois não se diferenciam politicamente do Hamas e não defendem uma Palestina livre e socialista.
- Da mesma forma, os compas da Faísca apresentam políticas com as quais temos vários desacordos. Se colocaram contra a luta pela prisão de Bolsonaro, são contrários ao Fora Tarcisio, o que pode unificar vários setores contra esse governo assassino de extrema direita, e agora nas eleições voltaram a apresentar a linha de voto nulo envergonhado diante da retomada da ofensiva da extrema direita em todo o Brasil. Na política internacional em relação à Faísca, cometem o erro oposto dos compas do Rebeldia: não defendem incondicionalmente o direito de resistência palestina, independente de quem seja a sua direção.
- Apesar das diferenças que temos com esses setores, pensamos que construir uma alternativa de direção para o DCE da USP é fundamental para um movimento estudantil que esteja à altura dos seus desafios atuais e que resgate o protagonismo que já teve nas lutas pelos explorados e oprimidos. Essa estratégia geral passa pela luta por unificar estes setores em uma frente entre os que sejam totalmente independentes do governo como ponto de partida – não com neo-estalinistas que apenas fingem serem independentes dos governos de conciliação de classes. Depois, é necessário encarar a necessidade de unificar as lutas para enfrentar politicamente o governo de Tarcísio, que tem a proposta de privatizar a educação pública paulista através da cobrança de mensalidades das universidades estaduais e da privatização da gestão das escolas de ensino médio, unificando os vários movimentos de resistência em torno do não às privatizações, contra o genocidio da juventude negra e pelo Fora Tarcísio.
- Como bandeiras mais específicas, pensamos que precisamos enfrentar os desafios na USP através da retomada da luta pelo gatilho automático, pela ocupação do Bloco K e L pelos estudantes para fins de moradia estudantil, pela luta contra a violência de gênero, por garantias das condições de estudo e pesquisa com o aumento substancial das bolsas permanência e por cotas às pessoas trans e pela democratização da universidade. Processo esse que não pode estar desvinculado das lutas mais de fundo contra as fundações privadas no interior da universidade, pelo fim dos convênios com o Estado colonizador e assassino de Israel, pelo fim do vestibular e pela eleição direta para todos os cargos de direção na universidade.
- É preciso superar a incorreta conclusão de que estamos em meio a uma derrota histórica. Essa falência político-teórica nos desarma para a luta ao se defender que diante da ofensiva reacionária temos que apoiar e disputar politicamente governos burgueses de conciliação de classes como fazem as correntes que hoje dirigem o DCE da USP. Trata-se de um completo colapso estratégico que apenas serve para retroalimentar as condições políticas de avanço da direita e da extrema direita, ou seja: o refluxo do movimento dos trabalhadores e dos oprimidos.
- Por essas razões, nós, da Juventude Já Basta!, defendemos a necessidade de refundação do movimento estudantil e a construção de um Bloco de Oposição Independente na USP e na UNE com chapas unificadas da esquerda socialsita para disputar as eleições dos Centros Acadêmicos e o DCE na USP.
- Para reorganizar o movimento estudantil de forma democrática, independente e combativa no próximos período, defendemos:
- Organizar os estudantes com amplas assembleias estudantis periódicas, plenárias unificadas de estudantes, professores e trabalhadores – efetivos e terceirizados;
- A realização de um amplo Congresso dos Estudantes da USP que não acontece há mais de 10 anos;
- Construir a unidade operária-estudantil: nosso lado é o dos trabalhadores dentro e fora da USP. Defendemos um DCE que esteja lado a lado das categorias terceirizadas e defendendo suas bandeiras como o BUSP para as terceirizadas;
- Cerramos trincheiras com as categorias em luta a nível estadual e federal, como os professores, metroviários, entregadores de aplicativo e TAEs;
- Defendemos a proporcionalidade para a direção de todas as entidades estudantis, que o DCE da USP e os CAs sejam compostos por todas as chapas e assim expressem proporcionalmente os votos dos estudantes na base;
- Devemos lutar pela construção de uma oposição de esquerda na UNE e para o DCE da USP;
- A realidade e nossos objetivos estratégicos colocam os seguintes eixos para a luta no próximo período por:
- Auxílios de permanência no valor de 1 salário mínimo paulista para toda a demanda; devolução dos blocos D, K e L;
- Reabertura imediata dos alojamentos do Crusp;
- Gatilho automático de professores e funcionários;
- Política de combate à violência de gênero que seja incluída no currículo de todos os cursos da universidade, espaços de discussão e criação de uma comissão permanente de prevenção;
- Ampliação da frotas e volta dos circulares gratuitos; defesa das cotas étnico-raciais, ampliação à comunidade Trans e o fim dos vestibulares;
- Reabertura de vagas nas creches para atender toda a demanda; espaços de discussão e debate para avaliar os impactos das mudanças climáticas sobre as condições de estudo na USP;
- Efetivação dos trabalhadores terceirizados sem a necessidade de concurso público; defesa da saúde pública e dos aparelhos de saúde da universidade, pela reabertura do atendimento do HU para toda a população, com verbas públicas e contratação de trabalhadores efetivos para toda a demanda;
- Uma universidade a serviço da classe trabalhadora e gerida de forma democrática pelos seus trabalhadores e estudantes. Eleição direta para reitoria e abertura imediata do livro de contas da USP;
- Unificar a luta contra a extrema direita em nível nacional e estadual, contra as privatizações, contra o Marco Temporal, pelo fim da PM, pela legalização das drogas, pela prisão de Bolsonaro e pelo Fora Tarcísio;
- Pela construção de um bloco de oposição de esquerda ao governo e de enfrentamento à extrema direita.
Escrever uma nova história com as nossas Letras
A universidade em que pisamos
- A Universidade de São Paulo desde que surgiu conviveu com uma contradição intrínseca à sua natureza classista e racista, uma instituição da mais alta excelência que dá aulas de costas para aqueles que deveriam atender. Fundada no começo do século passado, seu objetivo era abrigar os filhos da burguesia e formar uma nova elite de quadros para gerir o estado brasileiro e guiar o país rumo ao tão sonhado progresso. Fieis ao projeto excludente, a FUVEST, o ENEM e o Provão Paulista nada mais são do que um filtro social e racial feito para afastar as novas gerações de trabalhadores dos corredores do ensino superior. Um pilar fundamental da universidade para as elites minoritárias.
- Para os filhos das maiorias trabalhadoras, o capitalismo brasileiro e os seus governos de plantão já reservaram as precárias jornadas de trabalho sem qualquer direito ou garantia. Nosso futuro é vendido em troca do lucro daqueles que destroem e queimam o país. Em uma conjuntura em que enfrentamos projetos ultrarreacionários como o nefasto PL do Estupro, é crescente a realidade de violências físicas, verbais e psicológicas aos setores oprimidos como mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+. Para livrar a cara dos bilionários e descarrilhar a conta da crise nas costas dos trabalhadores, a austeridade fiscal do modelo neoliberal impulsiona o desmonte da educação pública colocando em risco nossas conquistas e toda a produção científica e acadêmica do país. A reabilitação da extrema direita como produto direto do fracasso da conciliação de classes dá legitimidade para que Tarcísio de Freitas, representante do bolsonarismo em São Paulo, aprofunde seu projeto obscurantista de militarização e privatização da educação pública.
- Cada fenda aberta no projeto burguês de universidade, sob voraz revelia da reitoria da Casa Grande, é fruto das lutas históricas dos estudantes e trabalhadores que dentro e fora dos muros da USP construíram processos de organização que avançaram na garantia do direito à educação. Nada, absolutamente nada, foi dado de bandeja pelos governos ou pela burocracia universitária formada majoritariamente por uma casta conservadora de entediantes homens brancos de idade avançada.
- Entre as vitórias do movimento, é inegável que as cotas étnico-raciais, conquistadas em 2017 após a incansável luta do movimento negro, estudantil e de trabalhadores, foi o mais duro dos golpes contra o projeto de universidade para as elites. Foi a USP a última das instituições superiores do país a adotar as cotas, uma conquista fundamental que, em que pese os limites estruturais de acesso impostos pelo vestibular, introduziu um novo perfil social ao corpo discente da comunidade universitária, em especial, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). A conquista das cotas escancarou a contradição de classe da reitoria e simbolizou uma derrota parcial ao projeto burguês de universidade, uma vitória nossa que até hoje não foi engolida pela camarilha burocrática e racista da USP.
O curso de Letras: uma trincheira de luta na USP
- No curso de Letras, o maior do tipo na América Latina, esse processo não poderia ter sido diferente. Abrigando mais de 5 mil alunos, a Letras é o curso com maior número de estudantes da universidade. Uma considerável fatia destes, em especial cursando o período noturno, são jovens negros e trabalhadores egressos das portas abertas pela política de cotas. Entre greves e piquetes como a de 2002 e do ano passado, os estudantes de Letras travaram importantes lutas contra o crônico desmonte de suas condições de estudo, um cenário que enfrentam aqueles cursos, em geral, indesejáveis à produção acadêmica voltada ao lucro privado. Um bom exemplo é o próprio prédio de Letras. Antes localizado na rua Maria Antônia e transferido para o Campus Butantã em 1968 na esteira da histórica batalha estudantil, o edifício que abriga o curso é “provisório” há mais de 40 anos e é insuficiente para abrigar as atividades do contingente discente. O edifício sofre constantes manutenções, possui poucos equipamentos de acessibilidades para alunos PCDs (o único elevador do prédio está em manutenção) e tampouco está adaptado para confortar os alunos diante da emergência climática. Vale recordar aqui as ondas de calor que atingem os estudantes do prédio durante o verão.
- Como não poderia deixar de ser, o atual modelo de universidade impõe cotidianamente entraves à formação dos estudantes pobres que sob duras penas conseguem romper as barreiras do acesso ao ensino superior. Desde o início da graduação, os estudantes de Letras já se defrontam com o injusto processo de ranqueamento. Uma espécie de segundo vestibular que obriga os estudantes a disputarem entre si as vagas das 16 habilitações oferecidas pelo curso: Inglês, Espanhol, Francês, Alemão, Português, Italiano, Russo, Grego, Latim, Linguística, Chinês, Japonês, Coreano, Árabe, Hebraico e Armênio. Este mecanismo existe pela histórica carência de professores para suprir a demanda de estudantes, afinal, só há disputa quando há escassez. Na prática, o ranqueamento estabelece entre o estudantado uma desigual competição baseada na meritocracia, sempre condenando à desvantagem àqueles que conciliam o estudo com o trabalho e possuem menos tempo para se dedicar à academia, os egressos da escola pública na sua maioria. A própria falta de docentes dificulta ainda mais essa já cruel disputa e impõe ano após anos o aumento da classificação de habilitações como o inglês, francês, alemão, coreano, japonês e outros mais.
A demanda por docentes
- A carência de docentes, a principal motivação da greve de 2023, não é um problema de hoje. A aguda crise do quadro docente do curso, que coloca habilitações como o Coreano à borda do fechamento, é resultado de um acúmulo de anos de descaso da reitoria, um processo que tampouco atinge os estudantes da USP de maneira homogênea. São os estudantes negros e trabalhadores aqueles que, entre a díficil tarefa de entrar e permanecer em uma universidade que os rejeita, são os primeiros a sentir os efeitos do desmonte dos governos contra a educação. São os primeiros que assistem o oferecimento de sua tão desejada habilitação ser interrompida durante o período noturno, os primeiros a enfrentar o corte de bolsas de auxílio e a brutal precarização da moradia estudantil.
- As salas lotadas, o cancelamento de disciplinas optativas, o fechamento de habilitações do DLO no período noturno, atingindo em cheio os cotistas, são sintomas do agravamento desta política privatista e racista nos últimos anos. Em primeiro lugar, com a revogação em 2011 do Gatilho Automático de Claros pela reitoria de João Grandino Rodas (2009 – 2013), uma conquista da histórica greve de 2002 que se iniciou justamente em nosso curso. Este mecanismo, na prática, funcionava como um entrave para a precarização dos cursos, garantindo que, assim que um docente se aposentasse ou falecesse, a reitoria se veria obrigada a contratar um novo docente para ocupar o seu lugar.
- Este processo de precarização se potencializou ainda mais em 2017 com a aprovação dos Parâmetros de Sustentabilidade durante a reitoria de Marco Antônio Zago (2014 – 2018). O projeto do reitor se inspirava no Teto de Gastos, à época em tramitação no Congresso, e previa não só um plano massivo de demissões de funcionários e o desmonte do Hospital Universitário, mas também uma política de “contratação zero” de docentes. Esta iniciativa nada mais era que um reflexo uspiano da política privatista de Geraldo Alckmin, à época governador de São Paulo, e da política de ajuste fiscal a nível nacional inicialmente aplicada por Dilma, elevada pelos governos de Temer e Bolsonaro e agora mantida pelo Arcabouço Fiscal do governo Lula-Alckmin. Os efeitos desta política fizeram com que a USP atingisse em setembro de 2023, segundo a Adusp, o menor quadro docente de sua história com 4.891 efetivos e 116 temporários, totalizando 5.007 docentes.
- Hoje em dia, a insuficiente política de contratação da reitoria de Carlotti, que promete repor até 2025 os docentes perdidos desde 2014, se dá não distribuindo docentes aos cursos mais defasados, mas sim pelos critérios do chamado Edital de Mérito. Um método que estabelece critérios empresariais que privilegia a distribuição de docentes aos cursos rentáveis ao capital privado e estrangula não só a Letras como outros cursos como a Obstetrícia e a Escola de Artes Dramáticas. Para suprir as defasagens mais agudas, a reitoria tem há anos apostado na contratação de professores em regime temporário com contratos frágeis e ultra precários. Pelas péssimas condições de trabalho, muitos destes temporários se demitem do dia para a noite.
- A greve de 2023, que simbolizou um importante recomeço das experiências históricas do movimento estudantil, nasceu como uma resposta a este grave cenário. A greve, que despontou inicialmente na Letras mas também na Geografia e na EACH em um momento em que direção traidora e oportunista do DCE (à época dirigido por Correnteza/UP, Juntos/PSOL e UJC/PCBR) apenas assistia, não foi capaz de conquistar reivindicações estruturais mas arrancou conquistas que tampouco podem ser descartadas. Com relação ao quadro docente, a reitoria se comprometeu a adiantar até 2025 a previsão de recomposição das perdas desde 2014 e a contratação de 148 docentes temporários a mais até o final de 2024 para suprir a defasagens mais graves. Destas contratações emergenciais, 36 seriam direcionadas para a Letras (destas, 2 para manter o ranqueamento do Coreano e mais 2 para manter o Japonês). Passado um ano da greve, a reitoria não chegou nem perto de cumprir as contratações prometidas para 2024, nem de efetivos e nem de temporários. Algumas vagas docentes já foram contratadas e estão em sala de aula, mas a grande maioria ainda se encontra em estágio de concurso ou até mesmo congeladas por recursos feitos pelos candidatos às vagas. É fundamental fortalecer a pressão estudantil não só pelo cumprimento das contratações nos prazos, mas para manter seguir a mobilização ativa para enfrentar o desmonte de nosso curso.
- Uma coisa é fato, verba para contratar e melhorar as condições de estudo a universidade tem de sobra: a reitoria conta com R$5,7 bilhões em caixa segundo o balanço financeiro de 2022. O abandono e a precarização universitária trata-se, portanto, de uma decisão política da reitoria que, em termos estatísticos, pouco pode ser esclarecida ao conjunto da sociedade. Há anos que a USP se nega abrir o seu livro de contas ao escrutínio público.
O que queremos estudar?
- De forma complementar, vemos em curso um processo de introdução de ideais voltados ao empreendedorismo na dinâmica universitária, a chamada inovação. Uma forma elegante de mascarar a sua intenção: realizar reformas curriculares que insiram o ensino de valores “inovadores” e abrir espaço para o uso da estrutura de produção científica e acadêmica, bem como a mão de obra dos alunos, para o benefício de empresas privadas. Aliada a isso, a reitoria, seguindo à risca seu projeto de precarização, avança na ampliação do oferecimento de disciplinas em modalidade remota, foi o que aconteceu com a Língua Brasileira de Sinais, agora oferecida unicamente por EAD.
- Na Letras, o que se implementa é a curricularização da extensão, uma adequação curricular prevista pela a Resolução CES/CNE nº 7, de dezembro de 2018 imposta sem qualquer diálogo com a base estudantil por parte do Ministério da Educação. O projeto prevê que 10% da carga horária das graduações de estudantes ingressantes pós-2023 seja composta por atividades extensionistas, ou seja, atividades de conexão entre a universidade e a comunidade. No bacharelado da Letras, isso se concretizará na redução dos créditos de disciplinas optativas eletivas e livres e a reserva de 360 horas para atividades extensionistas, sem aumento da carga horária. Na licenciatura, serão necessárias mais 105 horas. É fundamental exigir uma maior participação estudantil na aplicação desta modalidade curricular, garantindo que a extensão curricularizada seja contabilizada como estágio no bacharelado. Caso isso não aconteça, a extensão se transformará em mais uma atividade acadêmica entre já inúmeras levadas adiante pelo corpo discente, sem contar as longas jornadas de trabalho e deslocamento que este setor enfrenta.
- Defendemos que o currículo do curso deve sim ser atualizado, mas não adotando os critérios de inovação estipulados pela reitoria ou pelo MEC sem qualquer diálogo com os estudantes. Queremos uma reforma curricular democrática debatida amplamente entre os 3 setores do curso (estudantes, professores e trabalhadores não docentes) que enegreça nossas bases acadêmicas, a começar pela obrigatoriedade da disciplina de Literaturas Africanas, debata a emergência climática, introduza aulas de inglês e escrita acadêmica para dar base para graduação e uma série de demandas a serem debatidas com a mais ampla pluralidade e democracia.
Entrar, permanecer e se formar com qualidade
- Os constantes ataques da reitoria não se restringem somente à asfixia estrutural das condições de oferecimento do curso de Letras, mas também à algo que deveria ser básico: permanência para que os estudantes possam se manter estudando com dignidade. Um tema que diz respeito a toda a universidade mas também ao curso de Letras, grande parte dos beletristas dependem de políticas de permanência para seguir sua formação.
- Bolsas de auxílio com valores irrisórios, a falta de transparência quanto aos critérios de recebimento dos auxílios, o criminoso abandono do CRUSP, a negligência da PRIP em dialogar com os estudantes, o fechamento de creches, o fechamento dos bandejões aos finais de semana, a mudança dos horários para as 19h, a perseguição política da reitoria contra militantes e ativistas. Todas estas são marcas de uma ofensiva da reitoria que diariamente atua para embranquecer a universidade e expulsar a juventude negra e trabalhadora que logrou ingressar na USP nos últimos anos.
- A reitoria cumpre seu higienismo dificultando e corroendo as condições de permanência. Como prosseguir uma densa graduação recebendo um auxílio que nem de longe cobre o custo de vida de uma cidade como São Paulo? Como se manter cursando sem um local digno para morar e estudar? De que vale entrar se não se pode permanecer?
- As condições nem de longe são suficientes para suprir a demanda discente. O sistema de bolsas PAPFE (Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil), principal programa de auxílio da universidade, oferece em sua versão integral um auxílio-permanência no insuficiente valor de R$800,00. Uma quantia completamente defasada se pensarmos somente nos custos de aluguel no entorno da cidade universitária, à anos atingida pela especulação imobiliária que domina as grandes cidades.
- Antes de R$500, as bolsas PAPFE passaram recentemente por uma reformulação que unificou outros auxílios já existentes. A cobertura segundo a PRIP (Pró-reitoria de Inclusão e Pertencimento) seria de 15 mil alunos, menos de um quinto dos 100 mil que estudam na USP. Na prática, não há transparência quanto aos critérios levados em conta para a concessão da bolsa, tampouco certeza por parte dos alunos inscritos que o auxílio será concedido. Só em 2024, ano de realização deste congresso, segundo a própria PRIP, dos mais de 11 mil inscritos para receber o auxílio, somente pouco mais de 7 mil foram contemplados, um total de 67% do contingente requisitado.
- O CRUSP (Conjunto residencial da USP), moradia que dá teto para milhares de estudantes, é uma das principais vítimas do desmonte perpetrado pela reitoria da USP. Para além da histórica falta de vagas, da estrutura precária, da constante falta de água e luz, o CRUSP, é o primeiríssimo setor da universidade a sentir os ataques privatistas e racistas da reitoria. Não é à toa que a perseguição política na moradia cruspiana é frequente e envolve, entre as táticas de desarticulação da luta perpetradas pela reitoria, o corte de auxílios-permanência e constantes processos administrativos como retaliação ao ativismo político.
- É antiga a demanda pela expansão do CRUSP que, entre blocos em reforma e eternas promessas de ampliação, definitivamente não supre a demanda discente. Vale lembrar que no início deste ano letivo de 2024, foi necessário que 57 estudantes calouros, alguns deles do nosso curso, pela falta de vagas na moradia, ocupassem em péssimas condições as arquibancadas do CEPE (Centro de Práticas Esportivas da USP). Na ocasião, a reitoria da USP, após um mês, despejou os alunos sem oferecer qualquer alternativa, uma atitude criminosa e higienista que o movimento estudantil, desmobilizado conscientemente por suas direções, pouco foi capaz de responder.
- É fundamental reafirmar não só a abertura dos blocos D, K e L do CRUSP, mas reabertura do alojamentos, para suprir a demanda emergencial, e uma reforma estrutural planificada por uma comissão independente de moradores, estudantes, engenheiros e arquitetos da universidade que atenda toda demanda por moradia.
- A realidade de vulnerabilidade é ainda mais grave para as estudantes mulheres, PCDs e membres da comunidade LGBTQIAPN+. É sabido que as alunas de Letras, assim como de toda a FFLCH, enfrentam uma grave onda de violência de gênero que ronda nossa faculdade. Uma violência que se revalida com a postura misógina e omissa da reitoria que faz vista grossa aos agressores. São recorrentes as denúncias anônimas de transfobia e misoginia que cobrem as paredes dos banheiros e espaços de nosso prédio, algumas delas inclusive envolvendo docentes. Como prosseguir o curso sendo vítima de constantes assédios em seu próprio local de estudo e moradia? Como frequentar o campus sabendo que a qualquer momento pode ser vítima de um agressor sexual?
- Em um mundo permeado pela ascensão da extrema direita misógina, pelo crescimento da violência de gênero, em que cada vez mais a brutalidade das palavras se converte na brutalidade dos atos, é preciso dentro e fora do campus dar uma forte resposta à altura. Na Letras, é fundamental não só impulsionar os coletivos do curso (o Macabéas, o Claudia Silva Ferreira e o Todas as Letras) e suas demandas como a expansão dos banheiros agênero, cotas trans e respeito aos nomes sociais nos documento acadêmicos, mas também cobrir os corredores com a auto-organização des alunes a partir de espaços, auto-organizados e mistos, de prevenção, acolhimento, ampla discussão e autodefesa.
- É preciso construir uma forte luta em unidade para exigir medidas concretas da reitoria da USP, como a expulsão dos agressores, a ampliação da iluminação do campus e a criação de comissões independentes que, com a participação dos coletivos anti-opressão, acolham e acompanhem as denúncias. Aliado a isso, é fundamental desde o corpo estudantil da Letras, bem como dos coletivos políticos do curso, fortalecer as lutas que vêm sendo tocadas pelo movimento de mulheres e pessoas que gestam. É central ocupar nas ruas pela reabertura do serviço de aborto do Hospital Vila Nova Cachoeirinha em São Paulo e pela construção de uma campanha nacional pelo aborto legal, seguro e gratuito.
- Contratação imediata de toda a demanda docente com a volta do Gatilho Automático de Claros, revogação do Edital de Mérito e o Fim do Ranqueamento!;
- Em defesa da ampliação das cotas étnico-raciais e a implementação de cotas trans já! Pelo fim dos vestibulares!;
- Permanência estudantil para toda a demanda com auxílios-permanência de um salário mínimo paulista (R$1.640)! Pela devolução dos blocos D, K e L do CRUSP e uma reforma estrutural planificada por uma comissão independente formada por moradories, estudantes e arquitetos que atenda toda a demanda por moradia! Pela reabertura das creches!;
- Por uma reforma curricular democrática do curso de Letras que implemente a obrigatoriedade da disciplina de Literaturas Africanas e que seja debatida por todo o corpo discente!;
- Basta de violência misógina e LGBTfóbica no campus, basta de omissão da reitoria! Pela expulsão des agressories, a ampliação da iluminação do campus e a criação de comissões independentes acolham e acompanhem as denúncias!;
- Por uma reforma estrutural do prédio de Letras debatida com os 3 setores (estudantes, docentes e funcionários) para garantir acessibilidade de alunes PCDs, banheiros agênero e melhores condições de estudo!;
- Abertura imediata do Livro de Contas da USP!;
- Para garantir nossas reivindicações, contratação imediata de funcionários e a efetivação de terceirizades sem necessidade de concurso público! Em defesa do BUSP para terceirizades!
Levantemo-nos pelo fim das opressões!
- Historicamente, as universidades brasileiras, em especial a USP, têm servido como bastião da elite branca e intelectual, restringindo o acesso ao ensino superior aos setores privilegiados da sociedade. Esse perfil elitista e excludente se manifesta principalmente no vestibular, que age como um filtro social e racial, excluindo das universidades estudantes trabalhadores, negros, pardos, indígenas e trans, oriundos de um sistema de ensino básico precarizado e com pouca mobilidade social.
- Apenas após um amplo e radical processo de mobilização político-social, essas instituições de ensino começaram a implementar a Lei de Cotas, sancionada em 2012 e entrando em vigor a partir de 2013. A Universidade de São Paulo (USP) – considerada a instituição de ensino superior mais prestigiada do Brasil e também a mais oligárquica – foi a última a aderir a esse sistema, em 2017, após uma intensa mobilização estudantil.
- Após o ingresso, a luta pelo acesso à formação universitária continua: eis a questão da permanência, ou seja, a garantia para os que ingressam tenham a possibilidade de manter seus estudos de maneira coerente e com qualidade até a formatura. Isso passa desde o auxílio estudantil, moradia universitária de qualidade, transporte de qualidade que atenda toda a demanda, campus minimamente estruturado e iluminado para garantir segurança nas idas e vindas des alunes, restaurante universitário acessível e de qualidade, espaços de socialização e acolhimento.
- Nesse aspecto, o auxílio estudantil oferecido hoje é extremamente insuficiente e constantemente ameaçado ano a ano. Muitos estudantes, que precisam conciliar trabalho com estudo, enfrentam uma série de obstáculos, como gastos com transporte, moradia, alimentação e materiais didáticos. Além disso, a situação no CRUSP, moradia da USP, reflete ainda mais essa precariedade, na qual as demandas de moradia digna são constantemente negligenciadas pela reitoria que não disponibiliza infraestrutura suficiente para atender a todos os estudantes que dela necessitam.
- A luta por melhorias estruturais é particularmente crucial para mulheres, estudantes com filhos, e pessoas com deficiência frequentemente vítimas da falta de políticas de suporte e de uma universidade que ignore suas necessidades específicas. A ausência de creches, falta de acessibilidade nos prédios e salas de aula, e a negligência no enfrentamento à violência sexual e de gênero são exemplos claros de uma política institucional que desconsidera esses grupos – grupo que precisa tomar a universidade pra si!
- Outro flanco crucial na luta contra as opressões dentro da universidade é a mobilização pelas cotas e permanência de pessoas trans. Essa população é especialmente vitimizada e impedida de entrar e permanecer na universidade. Pessoas trans, especialmente no Brasil, país que mais mata e comete violência contra pessoas trans no mundo, tem uma taxa de evasão escolar altíssima, além de terem mais chance de serem expulsas de suas casas e obrigadas a realizar trabalhos precarizados e insalubres. Por isso, é imprescindível que a luta pelas cotas trans na USP seja vitoriosa, além de medidas para a permanência des estudantes que ingressarem.
- A falta de estrutura básica, bolsas e cotas na USP não são problemas pontuais de uma próspera universidade, mas sim escolhas políticas de promoção da expulsão velada desses alunes. É preciso promover um projeto político e educacional de universidade que acolha e produza conhecimento a serviço da classe trabalhadora, explorados e oprimidos.
- Para um modelo de universidade que sirva verdadeiramente à classe trabalhadora, é preciso adotar políticas públicas anticapitalistas e uma agenda que combata a exclusão e a transfobia. No Brasil, a violência contra a população trans persiste em níveis alarmantes, evidenciando que a luta por uma universidade acessível a todos se relaciona profundamente com a luta pela vida e dignidade dessas pessoas. A implementação de cotas específicas para pessoas trans é uma demanda crucial nesse sentido.
- Por último, é preciso combinar a luta pela ampliação das cotas com histórica necessidade de acabarmos com o vestibular, filtro social, racial e de gênero que exclui a classe trabalhadora, explorados e oprimidos de ingressarem na universidade pública. Em última análise, o combate ao projeto neoliberal que transforma a universidade em um espaço de exclusão e a construção de uma universidade acessível, inclusiva e democrática deve estar na pauta de todos que vislumbram uma educação superior verdadeiramente pública, de qualidade, laica e comprometida com as demandas da juventude e da classe trabalhadora.
- Lutar por COTAS TRANS JÁ!;
- Organizar um processo de construção do movimento em unidade das estudantes e do movimento transexual Brasil que se paute em assembleias construídas democraticamente e em ações diretas independentes da burocracia universitária;
- Toda solidariedade às vítimas de violência de gênero dentro e fora da universidade!;
- Construir Comitê Paritário de Combate à Violência de Gênero entre estudantes, funcionárias e professoras para formular e propor políticas no campo curricular, institucional e arquitetônico contra a violência de gênero!;
- Fora PM da USP!;
- Por reformas estruturais no CRUSP!;
- Em defesa e ampliação das COTAS ÉTNICO-RACIAIS!;
- Pelo fim do vestibular!;
- Por um plano universitário dirigido por pesquisadores e membre da comunidade que garanta o pleno acesso e circulação de PCDs!;
- Pela reabertura imediata de vagas nas creches para atender toda a demanda.
Democracia estudantil e proporcionalidade
- A democracia é uma ferramenta indispensável para construir fortes entidades do movimento estudantil.
- As assembleias, por exemplo, constituem um momento para refletir e construir sínteses ao redor das principais problemáticas do curso e de temas da universidade em geral, assim como sobre temas nacionais ou internacionais. Mais importante, é o espaço por excelência para preparar e orientar nossas lutas. Nesse sentido, a democracia assemblear faz parte dos métodos clássicos de organização e luta para defender e conquistar nossos direitos, assim como para aprender a nos identificar como uma força coletiva capaz de se organizar para transformar a realidade.
- Por isso, consideramos prioritário construir assembleias democráticas para fomentar a organização das bases dos cursos. Lastimosamente, ao longo do último ano, a atual gestão do DCE Livre da USP demorou mais de oito meses para chamar a assembleia geral de Butantã; inclusive, ainda não foi votado o encerramento formal da greve estudantil de 2023! Isso demonstra que, mesmo estando as assembleias contempladas nos estatutos das entidades do movimento estudantil, é preciso lutar para que não sejam esvaziadas de conteúdo pelas correntes que não apresentam interesse algum em politizar as bases dos cursos.
- A construção do ME passa por garantir a mais ampla liberdade de expressão entre os estudantes de forma individual e coletiva. O debate entre linhas de pensamento diferentes é fundamental para se chegar a uma linha política mais adequada para a luta, para se avaliar o movimento e para encontrar as melhores táticas e estratégias. Mas não apenas isso, as assembleias – como outros espaços do ME – são espaços de formação dos estudantes e, por isso, não podem ser hostis. Os estudantes que estão iniciando a sua militância precisam encontrar nas assembleias espaços acolhedores às suas preocupações, espaços em que possam se engajar de forma crítica, mas também transmitir suas reflexões e experiências. Nesse sentido, assembleias mal convocadas, mal preparadas e que não contam sequer com um equipamento de som decente que se possa ouvir os oradores – como costuma ser a prática da atual gestão do DCE -, não contribuem em nada com a formação estratégica e tática do ME. Pelo contrário, o torna nada atrativo e contribui à desmoralização.
- Por outra parte, as eleições também são um processo que, teoricamente, teriam que ajudar na politização, pois permitem o confronto programático (de proposições metodológicas e resolutivas aos problemas) entre as diferentes correntes políticas e com as posições que não são organizadas coletivamente. Por isso, é necessário que nosso Centro Acadêmico seja representativo de todas as expressões políticas que o compõem, algo muito diferente da lógica antidemocrática do “tudo ou nada” que impera atualmente, ou seja, das gestões compostas de forma majoritária. Vale recordar da batalha histórica que durou 10 anos até arrancarmos da burocracia lulista a proporcionalidade na APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo. Nós acreditamos que os diretórios e centros acadêmicos do movimento estudantil precisam ser compostos proporcionalmente, isto é, devem conter representantes das chapas que participaram nas eleições, com uma distribuição proporcional de acordo aos votos que cada chapa obteve no processo eleitoral.
- Só assim será possível garantir que a voz de toda a base do curso esteja representada no CAELL. Isso pode se tornar realidade com uma reforma do Estatuto que estabeleça critérios de proporcionalidade a partir das próximas eleições. Acreditamos que seria uma mudança democrática muito progressiva que colocaria um precedente histórico para o conjunto das entidades estudantis da USP e que fortaleceria o nosso movimento diante de desafios de natureza histórica que temos pela frente.