Enrico Bigotto
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, as instituições de educação, sejam elas superiores ou básicas, públicas ou privadas, enfrentam diversos desafios e questionamentos – como continuar a educação nesse momento de crise e isolamento social? Como se adaptar às novas situações para suprir a necessidade educacional dos alunos? Ao que parece ser um heroico esforço por parte dos profissionais e administradores da educação, está em funcionamento um projeto vil e excludente, e que já vinha sendo anunciado a muito tempo no Brasil. A precarização crescente e incessante do ensino brasileiro agora toma força utilizando a fragilidade social desse momento de crise sanitária como propulsor para avançar suas fronteiras.
Essa precarização tem como um dos principais eixos o popularmente conhecido EaD (Ensino a Distância), que por uma série de motivos, que exporemos neste texto, cumpre papel de abre-alas para um projeto de cunho neoliberal, e que, apesar da aparência de “medida emergencial” ou então de “salto para o futuro” nesse momento crítico, implementando a utilização da tecnologia para ampliar e possibilitar a continuação do ensino, trás seu efeito diametralmente inverso: a exclusão econômico-social dos alunos de baixa renda, que normalmente não possuem (ou de forma muito precária) acesso à internet de qualidade e de instrumentos técnicos para efetivamente participar das atividades que são proposta virtualmente; além de todos os outros problemas que já possuíam no pré-isolamento – no mundo anterior da “normalidade” – e que acabam se agravando, entre eles a alimentação e habitação (ou a falta delas), das jornadas de trabalho exaustivas e muitas vezes precarizada, combinadas com o estudo, questões familiares, desemprego ascendente sobre a juventude trabalhadora, e de outros fatores que agravam a falta de possibilidade de estudo desses alunos.
É preciso que fiquemos atentos, para que, numa medida desesperada de continuidade da “normalidade” escolar, não se de segmento à exclusão de jovens de baixa renda de pressupor, em uma falsa premissa, que as possibilidades estão distribuídas de forma igualitária a todos os estudantes. O que era conhecido por “normal” já não existe mais, e outras normalidades precisam ser construídas, durante e depois dessa ruptura histórica que apresenta o grave e singular cenário pandêmica do Covid-19. Existem grandes chances de que os isolamentos, contínuos ou intermitentes, durem aproximadamente dois anos, isso nos leva à necessidade de repensar todas as rotinas e padrões sociais vividos até o presente momento como já abordamos em outras notas neste portal, e, em conjunto, formular políticas concretas e de caráter anticapitalista pela e para a classe trabalhadora e sua juventude para que o futuro seja construído com o horizonte de superação deste sistema político-econômico predatório e irracional que é a verdadeira pandemia mundial, o capitalismo.
A PRECARIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR
Desde o governo de Temer a qualidade da educação superior começou a ser duramente atacada com base no sufocamento dos recursos públicos, por exemplo com a implementação do Teto de Gastos. Estratégia amplamente utilizada para quando se tem como horizonte a privatização dos serviços em questão, o que também acontece com a saúde, cultura, etc. Desde então as universidades federais e estaduais, que não sem mostrar alguma resistência, vêm disputando, a partir de uma mobilizada juventude, o cenário político para reivindicar a importância que tem a educação e a ciência para o país.
Posteriormente, nas eleições de 2018, consolidação do giro à direita em um governo semi-bonapartista, em que foi eleito o atual presidente Jair Bolsonaro, esses ataques se aprofundaram cada vez mais, agora com um discurso obscurantista do presidente, que nega à última instância e desprestigia as instituições universitárias, e consequentemente a ciência e a educação em si. A dupla de ministros encarregadas de cumprir o papel de “ceifadores” da educação, são Abraham Weintraub, ministro da educação, e Paulo Guedes, chefe da economia do governo bolsonarista, que tem forte ligação com o mercado da educação a partir de sua irmã Elizabeth Guedes, principalmente com a modalidade EaD.
O estrangulamento dos serviços públicos através do corte de verbas em nível superestrutural, afetou diretamente questões mais básicas para o funcionamento das universidades, como a falta de professores, corte das verbas para pesquisas e projetos científicos, queda abrupta de recursos para a permanência estudantil, terceirização e diminuição dos serviços essenciais, como limpeza, pessoal técnico, etc. Desde então, a juventude tenta dar respostas contundentes pelas mobilizações em manifestações de rua, que aconteceram durante todo o ano de 2019 e por todo o país. As principais pautas defendidas nesses atos estavam ligadas a defesa da educação pública de qualidade, laica e para todos, a conscientização da importância da ciência e de seu investimento e a defesa do pensamento crítico e democrático.
Contudo, houve um importante refluxo das mobilizações juvenis em grande medida pela política desmobilizadora da UNE dirigida pelo lulopetismo que respondia apenas de maneira reativa e pontual. Vale ressaltar a traição histórica deste setor frente a Greve Nacional do dia 14 de Junho contra a reforma da previdência, em que 7 estudantes e 3 trabalhadores da USP e foram presos, uma greve que poderia ter colocados limites importantes à mão dura do governo e desenhado uma correlação de forças menos desfavorável, a partir de uma juventude que mostrava-se disposta a lutar duramente não só pelas suas universidades e manutenção da qualidade da sua educação, mas contra o projeto de país que começava a ser empurrado brutalmente pelo governo eleito.
UMA QUESTÃO DE CLASSES
Com o surto pandêmico da Covid-19, os projetos neoliberais, e diga-se, extremamente excludentes, ganham força para transitar no congresso e serem efetivados. Essa política que atende estritamente à lógica do capital e a manutenção da taxa de lucro do empresariado é inimigo central contra na democratização do ensino superior, que a duras penas havia avançado a partir da luta pelas cotas étnico-raciais nas universidades.
Atendendo ao interesse de uma minoria, além do caminho retrógrado para a educação, no sentido de perda de qualidade e impossibilidade de evolução científica a partir das pesquisas, esse projeto tem profundo impacto social, afetando diretamente a camada mais pobre da sociedade que almeja de alguma forma o ingresso nas universidades e o acesso à educação de qualidade. Excludentes e perversas, essas políticas escancaram o projeto de país que está sendo imposto de maneira autoritária pelo neofascista Jair Bolsonaro: que cada vez mais a educação e a produção de conhecimento sejam privilégio da classe dominante.
Como claro exemplo, podemos tomar a situação dos estudantes residentes do CRUSP (Conjunto Residencial da USP), como mostramos em anterior nota. Sem acesso à internet, e com sérios problemas estruturais em suas residências, questionamos como é possível a implementação do EaD para esses alunos, se nem mesmo as condições mais básicas e dignas para uma de vida universitária a universidade pode oferecer completamente? Além desse grave caso em que a reitoria se omite criminosamente, existem tantos outros que, residindo fora da universidade, não têm acesso à internet de qualidade, não possuem ambiente mínimo para continuar seus estudos residencialmente, enfim… há uma série de fatores que impossibilitam a “normalidade”, nesse momento completamente atípico de isolamento social.
É necessário que se entenda que, nesse momento, continuidade e permanência não só se diferem, como são dois polos opostos. Insistir na continuidade das atividades de ensino universitário, almejando a manutenção de uma normalidade pretérita, é apostar numa ilusão perversa, que levará a uma derrocada da qualidade e abrangência do ensino superior. Será, dessa forma, uma continuidade excludente e exclusiva, em que poucos terão reais condições de manter seus estudos com qualidade, através da utilização da tecnologia virtual para estudar. Diferentemente, o cancelamento dessas atividades é o caminho para a permanência igualitária dos estudantes, que agora se dá como forma de resistência. Não só é justo, tendo em vista a enorme disparidade de oportunidades socioeconômicas e condições objetivas, entre os alunos universitários, como é necessário para impedir o avanço dessa modalidade de ensino que é extremamente prejudicial à educação em geral. Não há como se substituir uma aula presencial sem diminuir sua qualidade.
NENHUMA E NENHUM ESTUDANTE A MENOS
O isolamento social não pode significar um imobilismo, muito menos para a juventude que hoje mundialmente é linha de frente, junto com as mulheres, numa radicalizada luta contra governos reacionários e para isso devemos usar a tecnologia a nosso favor. Para não entrarmos num imobilismo, que tende a acontecer nessa situação de isolamento, devemos utilizar a tecnologia a nosso favor. Organizar-se não deixa de ser possível e se vê necessário, as redes sociais e a conexão via internet podem cumprir um papel de meio organizativo, agitador e construtor, para unir os que estão separados em campanhas solidárias independentes de arrecadação aos mais vulneráveis e na luta permanente contra o governo.
Há que se apostar no movimento estudantil e na sua força, já colocada a prova, e para isso ressaltamos o essencial papel que devem cumprir as entidades representativas como os centros acadêmicos e os DCE’s das universidades brasileiras para garantirem a permanência e a não exclusão da juventude trabalhadora neste momento, além da luta pela derrubada deste governo. Reivindicamos que a UNE alavanque uma campanha nacional em defesa dos estudantes moradores do CRUSP e simultaneamente construa amplamente pela base um programa de medidas emergências que atendam os estudantes mais vulneráveis do país.
Nenhum e nenhuma estudante a menos!
Pela suspensão imediata das atividades curriculares!
Pelo fim do ensino EaD em todas as circunstâncias!