Nesta quarta-feira (16), a direção majoritária do PSOL realizou um ato na Câmara dos Deputados para simbolizar as “exigências programáticas” para entrar na chapa Lula/Alckmin. O ato, que simboliza a histórica traição política, contou inclusive com a presença de representantes da esquerda do partido.
RENATO ASSAD
Após a antidemocrática decisão tomada na última reunião da Executiva Nacional do PSOL, através da Resolução que aprovou abrir negociações para o ingresso na frente eleitoral montada por Lula e da Resolução que dá continuidade às negociações para compor uma federação partidária com a Rede, a direção do partido, na figura de Juliano Medeiros (Presidente Nacional) e de Guilherme Boulos, assim como das organizações que votaram favoráveis, aceleram o processo de liquidação política completa do PSOL.
A plataforma política construída sem nenhuma consulta ou discussão pelas bases, intitulada de “Direito ao Futuro: diálogos do PSOL para reconstruir o Brasil” apresentada oficialmente pela direção majoritária do PSOL, neste passado dia 16/02, na Câmara, apresenta-se como uma ruptura política histórica na trajetória independente de nosso partido e para o seu projeto de superação pela esquerda do lulismo como horizonte estratégico. Com a presença de partidos como PT, PSB, REDE e PCdoB, a plataforma – chamem do que quiserem este amorfismo -, elaborada a vácuo foi apresentada como um programa com propostas para “unidade das esquerdas”; note-se que o significado de esquerda nunca fora tão maltratado.
Sem qualquer esboço de democracia partidária, jogando no lixo as decisões resolutivas do 7º Congresso Nacional do PSOL, realizado no mês de setembro do ano passado, a direção majoritária do PSOL – a linha liquidacionista representa 56% do partido -, de maneira autocrática, lança esta irrelevante e vazia plataforma como forma de “justificar” uma traição histórica.
Se comparada – a plataforma – com todos os anteriores programas do partido, ainda que estes apresentassem nítidos limites políticos, fica explícito o giro à direita e a mudança qualitativa em relação às orientações anticapitalistas. A abertura de negociação para ingressar na frente amplíssima de Lula com todos os setores da burguesia através dessa enganosa discussão programática, justificada pela “necessidade de derrotar Bolsonaro” – como uma cortina de fumaça para tremenda traição -, na verdade, constitui-se como impeditivo para a mobilização das massas pelas ruas como condição incontornável para, de fato, derrotar o Presidente neofascista e todo o bolsonarismo – fator que será decisivo para uma derrota sem concessões.
A história nos esclarece, sem titubear, que frentes eleitorais e compromissos parlamentares com a socialdemocracia servem em sua totalidade apenas à própria socialdemocracia. De outra forma, acordos práticos com a mesma voltados para a ação direta dos trabalhadores com total liberdade de crítica e organização, são sempre úteis às organizações socialistas, aos seus partidos e à classe trabalhadora. Não é preciso recorrer a brilhantes formulações táticas para se dar conta desta falsificação política da maioria da direção do PSOL em nome da “luta contra Bolsonaro”. Mais do que isso, não se trata apenas de uma frente com a socialdemocracia e o seu favorecimento, mas com a burguesia nacional e com o imperialismo. Que escândalo! Portanto, a direção majoritária do PSOL mente para a base militante e para a própria classe que diz defender. Um aviso: por trás desta patética plataforma e escusa da necessidade de derrotar Bolsonaro, esconde-se a sanha pelo aparato. Recordemos uma velha e profunda máxima à luz das revoluções da primeira metade do século XX:
Nenhuma plataforma com os líderes da socialdemocracia […] nenhuma publicação comum, nem bandeiras ou cartazes! Marchar separados, mas golpear juntos! Concordemos sobre como bater, a quem bater e quando bater! Um acordo dessa espécie pode ser realizado até com o Diabo e com sua vó […]! Sob uma condição: não amarrar as próprias mãos.[1]
A gravidade política desta manobra se mostra sem precedentes nos quase 20 anos de PSOL. Essa é uma movimentação que coloca em cheque a consolidação de toda uma geração de quadros e direções revolucionárias. O que de momento pode se apresentar, ainda, pouco palpável para a base partidária e para a esquerda socialista do país, seguramente carrega e carregará consigo consequências dramáticas para a organização e luta política da classe trabalhadora.
Há de sermos francos e honestos com todo o corpo militante: vos enganam e vos mentem por interesses políticos aparelhistas e específicos, sem que tenham qualquer compromisso com a luta e organização independente dos explorados e oprimidos. Não há dúvidas sobre a natureza histórica da atual conjuntura, portanto, dos desafios também desta natureza, muito menos que estamos em uma situação abertamente reacionária, com uma relação de forças desfavorável. Porém, é claro e notório que não estamos, para nada, derrotados categoricamente, logo, é evidente que a direção majoritária leva a cabo uma política de desarme de nossa classe e isto, como nos mostra mais uma vez a história, acaba por anestesiar o exercício político dos debaixo – de sua movimentação coletiva por suas demandas – e, portanto, de antessala para derrotas significativas na luta de classes. O recado, costurado por mentiras e falsificações, é de que esta espúria aliança resolverá os problemas de nossa classe.
Voltando para o teatro montado em Brasília – apresentação desta “plataforma programática” a serviço da capitulação política à frente eleitoral burguesa arquitetada por Lula -, ressaltamos aqui a posição equivocada dos companheiros do MES. Representados na figura da deputada Sâmia Bomfim, participaram do evento e fizeram uma intervenção que serviu exclusivamente para fortalecer o campo majoritário; por mais que digam que se diferenciaram programaticamente… Em nossa opinião, a posição dos companheiros deveria ter sido a de não participação desse ato de capitulação à frente eleitoral burocrático-burguesa e de convocação da oposição para soltar uma nota pública de repúdio e denúncia e outras iniciativas. Esse foi um fato que poderia ter sido aproveitado politicamente, e que não foi.
Sob o caminhar dos largos passos para a liquidação política do PSOL como organização de esquerda independente, a única saída para prevenir tal tragédia é o envolvimento político direto, prático, da base do partido e dos setores que lutam para manter a independência de classes como princípio inegociável. É necessário que setores da esquerda do PSOL deixem de carregar apenas em palavras e passe à luta efetiva por uma frente de esquerda verdadeiramente socialista, pois, só assim poderemos enquadrar a direção majoritária e derrotá-la categoricamente.
[1] TROTSKY, 1977 a [8 dez. 1931], p.138-139.