Um novo processo de organização da vanguarda socialista revolucionária está aberto
Deborah Lorenzo
Em mais um ato antidemocrático, a direção do PSOL reuniu-se às portas fechadas para a Conferência Eleitoral. Foram 35 votos favoráveis, 25 contrários e uma abstenção ao ingresso do partido na chapa Lula-Alckmin. Como favoráveis votaram Primavera Socialista, Insurgência, Resistência, Revolução Solidária e figuras públicas independentes como Chico Alencar. Foram contrários, Comuna, Ação Popular Socialista (APS), Luta Socialista (LS), Corrente Socialista de Trabalhadores (CST) e Movimento Esquerda Socialista (MES). Este último ao apoiar e votar a favor da federação partidária com a REDE Sustentabilidade, acabou por escancarar as portas ao oportunismo, por isso o seu voto contra a chapa Lula-Alckmin é dado de maneira a tentar manter as aparências, ou seja, sem o menor compromisso verdadeiro com a luta independente, como já mencionamos em notas passadas.
Outro encaminhamento da Conferência foi o adiamento da decisão sobre a participação do PSOL em um possível governo Lula apenas para novembro deste ano. Trata-se de mais uma manobra de cunho tático – a mesma feita pela maioria quando votou por constituir uma frente de esquerda e adiar a tática eleitoral para abril deste ano enquanto construía a participação na frente burguesa de conciliação de classes – visando minimizar os impactos sobre a crise interna que instaurou-se desde o último Diretório Nacional (18), no qual definiu-se a federalização com o REDE Sustentabilidade – primeiro ato do triste drama da descaracterização política e perda de independência protagonizado pelo PSOL.
Ao tornar oficial a posição de abrir mão de uma candidatura própria e aderir à chapa Lula-Alckmin, o PSOL termina de aniquilar qualquer vestígio de compromisso com seus princípios fundacionais jogando pela janela o horizonte estratégico do socialismo. A Conferência de ontem, a partir de sistemáticas falsificações políticas e históricas, vinculadas a métodos burocráticos, estabeleceu uma nova consigna ao partido, mesmo que estas palavras não tenham sido ditas: não resta outra coisa a não ser administrar o Estado burguês, a crônica orientação do possibilismo. Ou seja, rompe-se com os pilares políticos que deram origem ao PSOL: 1) Ser uma alternativa pela esquerda ao PT e ao lulismo; 2) Mobilizar setores dos explorados e oprimidos pela base, permanentemente e de maneira independente da burocracia e da burguesia, bem como a apresentação de um programa anticapitalista.
Para além do gesto de traição e liquidação de uma valiosa e histórica ferramenta construtiva pela esquerda socialista, em que pese todas as suas insuficiências, há um perigo iminente ao qual devemos nos manter vigilantes. Bolsonaro escala o tom autoritário e golpista, indulta de forma inconstitucional e bonapartista uma aliado, mantém bases de apoio sólidas e cresce nas eleições. Tem apoio nas forças repressivas e nas forças armadas e em setores da classe dominante e média que podem embarcar nessa aventura autoritária.
Ao entrar de cabeça na estratégia eleitoreira com Lula e o PT, o PSOL, ao não ter candidatura própria, se dilui na frente burguesa, perde totalmente capacidade de crítica (exigência e denúncia) e abandona, assim, a importante tarefa de manter as ruas mobilizadas para combater o neofascismo. Ou seja, abre mão da estratégia de mobilização de nossa classe para derrotar Bolsonaro nas ruas, para apenas “derrotar Bolsonaro em outubro”. Com isso, o único instrumento capaz de derrotar Bolsonaro e as forças reacionárias que ameaçam nossos direitos democráticos, que é a mobilização nas ruas, é colocado totalmente de lado. Por isso, afirmamos que estamos diante de uma dupla traição: a liquidação de uma alternativa histórica ao lulismo pela esquerda e a inconsequente e perigosa posição de jogar para um segundo plano o peso decisivo que terá a mobilização nas ruas para derrotar Bolsonaro.
Uma batalha dada até o fim
Apesar das nulas esperanças por um desfecho diferente (tratava-se de um jogo de cartas marcadas), militantes do PSOL, independentes e representantes de diversas organizações, dentre as quais nossa corrente, marcaram significativa presença em um ato pela independência do PSOL em frente ao Hotel Monreale Plus Excelsior, local onde ocorreu a Conferência Eleitoral. Esteve presente, também, o Deputado Federal Glauber Braga, companheiro que assumiu a importante tarefa de representar estes setores encabeçando uma proposta de pré-candidatura à presidência pelo PSOL.
Ainda que o acesso à conferência nos tenha sido negado – um privilégio apenas para o seleto grupo de 61 monarcas intocáveis -, o ato simbólico realizado do lado de fora foi um grito final de indignação e um compromisso de combate à desmoralização daqueles que lutaram e seguirão lutando fiéis aos princípios marxistas, à construção de organizações revolucionárias e à mobilização de rua como único fator que pode derrotar Bolsonaro, garantir os direitos democráticos, renda e moradia.
PSOL com Lula e Alckmin
Ao término da Conferência, em um ato de formalização da aliança intitulado “PSOL com Lula” – trágico, para dizer o mínimo – figuras do PSOL, como Guilherme Boulos, Sônia Guajajara, Valério Arcary, Ivan Valente, representantes da Bancada Feminista e, claro, o privilegiado presidente do partido, Juliano Medeiros, reuniram-se com Lula para protagonizar uma das ocasiões que entrará para a história deste partido como uma das mais ignomiosas, se não a maior de todas, demonstrações públicas de traição e capitulação içada por um imenso oportunismo político. Para citar apenas um trecho deste deprimente espetáculo de degeneração política, a fala de Lula coloca em perspectiva todos os problemas estratégicos e táticos que apontamos desde a fundação do PSOL.
O ex-presidente, usando todo seu traquejo comunicativo e carisma, fez uma retrospectiva de sua história desde os anos 70, quando foi, segundo ele, injustamente acusado de ser traidor. Afinal, como poderiam acusar de traidor o homem cujos períodos de governo foram responsáveis por melhorar a qualidade de vida da população de maneira significativa? Ora, nem sempre se pode ter tudo, mas se tem aquilo que se pode ter. Essa é a velha lógica reformista e suas táticas de conciliação de classes, dar o mínimo possível para que as massas não saiam do controle. E, assim, justifica as históricas traições que cometeu desde as desmobilização das greves no período da ditadura militar até as contrarreformas neoliberais aprovadas em seus governos.
E não parou por aí. Reiteradas vezes dirigiu palavras de reconhecimento e gratidão à Boulos e Medeiros, os principais artífices dessa degeneração política. Ao primeiro, saudou a antiga parceria e o importante papel que exerceu na aproximação PSOL-Lula. Ao segundo, agradeceu a enorme e voluntariosa colaboração para que esta aliança fosse firmada. Já não estivesse suficientemente escancarada a traição, em determinado momento, o ex-presidente se comprometeu a endossar campanhas com legenda do PSOL para “fortalecer esta parceria”, ao que Medeiros reagiu com entusiasmo, convocando ovações da plenária que acompanhava presencialmente o evento – um quadro pedagógico da diluição política do PSOL no lulismo.
PSOL reafirma a conciliação de classes. E agora?
Diante de tamanha traição, da ruptura do PSOL com seus princípios fundacionais e sua própria base, nós do Socialismo ou Barbárie, junto com uma série de agrupamentos, figuras públicas e militantes, nos mantermos no campo do socialismo revolucionário. Não mediremos esforços para construir uma concreta alternativa político-organizativa que se mantenha sob princípios marxistas inegociáveis e estratégias incontornáveis – fruto da experiência da luta operária ao longo da história -, tais como o princípio da independência de classes e a estratégia orientada para a necessidade urgente da mobilização direta nas ruas para derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo. Bem como procuraremos demonstrar de maneira pedagógica e sistemática a necessidade de um programa de transição que vincule as necessidades imediatas às históricas da classe trabalhadora.
Certamente, as atitudes irresponsáveis com a luta direta e, abertamente, oportunistas da direção majoritária do PSOL, cobrarão seu preço à frente e se desdobrarão em várias etapas de crise. Por ora, começam a surgir os efeitos mais subjetivos na militância. O sentimento de traição, de desmoralização e, até, de descrença, serão um dos maiores desafios a enfrentar daqui por diante – elementos de um quadro que passará por uma nova organização da esquerda socialista brasileira. Neste sentido, serão imprescindíveis os espaços políticos e alternativos de acolhimento e de (re)organização.
Enquanto organização e consequentes com esses princípios, colocamo-nos ao lado de todas as lutadoras e lutadores que queiram seguir na histórica tarefa da construção efetiva de instrumentos para a superação da crise de alternativa socialista, que só será superada de maneira independente dos patrões e da burocracia. A força do reformismo – o possibilismo e as distorções anacrônicas da realidade e suas falsificações que culminam em tamanha traição da direção do PSOL – está vinculado, dentre outros fatores, sobretudo, à estabilidade da democracia burguesa no Brasil que começa de maneira objetiva a ser questionada. Os elementos subjetivos ainda não apresentam mudança substancial, porém tendem a ser superadas com um processo ascensão das lutas. Portanto, não abriremos mão da ciência e da arte do marxismo revolucionário como instrumento teórico-prático para incidir politicamente sob nossa classe. No próximo período, a polarização e choques políticos pelas ruas se afirmam como tendência – avizinhando possíveis novas ondas de lutas e rebeliões -, o que irá radicalizar a consciência política e colocar novos patamares de luta e organização.
Um novo processo de reorganização da vanguarda socialista está posto no Brasil com a liquidação total do PSOL, fazemos parte dele e os convidamos a construí-lo conosco!