Armas, bonapartismo e os direitos democráticos
Bolsonaro e toda sua base social, ministerial e parlamentar deixam claro suas apostas pelo armamento civil como método (contrarrevolucionário) de avançar sobre os direitos democráticos e as instituições democráticas. Em distintas proporções históricas, Bolsonaro faz-nos lembrar da capa publicada em 1937 pelo jornal Correio da Manhã.
Renato Assad
Na última sexta-feira (22), o país parou para assistir à divulgação do vídeo da reunião ministerial do governo Bolsonaro, material que faz parte do inquérito aberto a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) devido às acusações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro ao presidente, o que ocorreu em sua conturbada e polêmica saída do governo.
O conteúdo político desta reunião ministerial, de fato, comprova a tentativa criminosa de Bolsonaro em interferir na Polícia Federal do RJ (PF-RJ) e nas investigações voltadas aos seus filhos e amigos, como já abordamos em nota anterior aqui neste portal.
Queremos aqui desenvolver e chamar a atenção – são significativos e abundantes os elementos políticos vindos à tona com a divulgação da gravação da reunião ministerial que merecem atenção, análise e denúncia – para os trechos em que Bolsonaro afirma querer “escancarar a questão do armamento”. Estas passagens do vídeo cristalizam o cenário conjuntural e demonstram o real perigo que significa o projeto de Bolsonaro em meio à crise social, sanitária e política.
Faz-se importante nesta análise compreender o acúmulo de políticas que o governo vem impondo sobre a questão do armamento civil. No último mês de abril, mais especificamente no dia 17, desapercebido, devido à imensa quantidade de fatos relevantes, Bolsonaro revogou três Portarias do Exército que definiam regras de rastreamento, identificação e segurança na produção, importação e comercialização de nas armas de fogo.
Estas portarias eram centrais ao rastreamento de projéteis utilizados em crimes, ações policiais ou do exército. Marielle Franco, assassinada há mais de 2 anos e ainda sem qualquer resposta e esclarecimento sobre os mandantes desse crime, por exemplo, foi executada por munições de um lote que havia sido desviado das forças armadas. Com o fim destas portarias, a identificação dos lotes e projéteis de munições fica praticamente comprometida, o que significa um desmonte do inventário e distribuição nacional das munições letais.
Diante de uma escalada de violência e agressões nacionais de bolsonaristas aos trabalhadores da imprensa, manifestantes e populares – que chegou a contar com disparos em prédios onde aconteciam “panelaços” contra o governo -, a revogação das portarias, impossibilitando o rastreamento dos criminosos e o conjunto da política armamentista deste governo, significa um salvo-conduto para que crimes e assassinatos potenciais contra o povo ou contra representantes dos trabalhadores.
Segundo o genocida Bolsonaro, “um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua.” Qual o caráter e gravidade política que este posicionamento carrega? A resposta a esta pergunta não pode ser descolada de uma leitura concreta da realidade, isto é, é preciso evitar qualquer interpretação impressionista da realidade.
Assim, entendemos que através de sua base social, nitidamente disposta ao choque direto pelas ruas com métodos violentos, o governo quer colocar pressão político-militar sobre a nossa classe e suas organizações e instituições do regime para fazer avançar seus intentos autoritários. Na verdade, com estes métodos que são historicamente contrarrevolucionários – a perseguição política e física a direitos como livre organização -, temos que soar todos os sinais de alerta para defendermos os direitos democráticos dos trabalhadores e suas organizações, como partidos, sindicatos e lideranças. Uma resposta à altura deve ser dada imediatamente!
Tratemos de analisar os impactos mais recentes do conteúdo da gravação sobre esta base social neofascista bolsonarista. Neste domingo (24), dois dias após a divulgação do vídeo, novas manifestações foram realizadas em algumas capitais nacionais, incluindo o DF onde Bolsonaro mais uma vez esteve presente. Novamente estes atos marchavam em defesa deste governo, que explicita a sua intenção bonapartista de fechamento do regime a partir de um possível autogolpe objetivando a realizar a máxima centralização dos poderes na figura de Bolsonaro.
Em São Paulo, cidade centro destas manifestações, um fato inédito chamou a atenção nacional. Durante a manifestação vídeos, que circulam pelas redes sociais, mostram a Polícia Militar do Estado se São Paulo (PM-SP), incluindo policiais da tropa de choque, prestando continência durante o ato bolsonarista que pedia o “Fora Dória”.
Apesar do comando da PM, através de uma nota oficial sobre o assunto, ter negado que o gesto dos policias fosse em apoio ao caráter político da manifestação, alegando que tratava-se de uma homenagem a um policial morto em serviço após colidir sua viatura contra um muro, este fato deve fazer-nos redobrar as atenções. Esse e outros acontecimentos demonstram de maneira cristalina que este setor é um perigoso aliado de Bolsonaro, e sabemos que a PM cumpre um papel histórico reacionário em qualquer processo regressivo ou contrarrevolucionário.
Não o bastante, outro elemento inédito chamou a atenção na Av. Paulista neste domingo. Uma foto, registrada a partir de um frame de um vídeo gravado, mostra no carro de som utilizado na manifestação uma bandeira dos Neonazistas Ucranianos, uma organização construída historicamente por membros que na Segunda Guerra Mundial cooperavam com os nazistas – segundo André Fonseca, Doutor em História Social, aproximadamente metade de seus comandantes serviam às várias unidades alemãs, incluindo a SS-Galizien.
Em nossa percepção, estes novos e perigosos elementos não surgem de maneira espontânea, jogados ao vento. Não é coincidência que depois da divulgação da gravação da reunião ministerial a base social neofascista de Bolsonaro traga a luz do dia bandeiras neonazistas e que a PM demonstre a sua orientação política de apoio a estes.
Enquanto isso, Bolsonaro, presente em todos estes criminosos atos, diariamente vai medindo, articulando e incorporando esforços para avançar em seu projeto autoritário que pode, eventualmente, ser concretizado, colocar uma derrota histórica aos trabalhadores e trabalhadoras se não for detido. Vale ressaltar, a partir daquilo que os processos históricos nos ensinam, que nenhum fechamento de regime e nenhum tipo de golpe se materializa quando os explorados e oprimidos reivindicam o seu protagonismo a partir da luta direta em defesa de seus direitos e interesses.
Além disso, a classe dominante está dividida e os que vão para as ruas em defesa do governo e do fechamento do regime ainda são poucos. Mas, diante da inatividade dos dirigentes dos partidos, movimentos e sindicatos, essa situação pode mudar a favor de Bolsonaro que irá usar a pandemia para tomar medidas de fechamento do regime, como decretar Lei de Garantia da Ordem ou coisa que o valha. Bolsonaro está acuado, mas não está morto politicamente, ao contrário, ele e sua base seguem avançando, chantageando e provocando, mas podem ser derrotados. Para isso, é necessário entrar imediatamente em cena, o tempo de intervenção é sempre determinante na política.
Não podemos confiar nas instituições democráticas e jamais devemos apostar que estas – sabemos a quem servem – solucionem embates históricos pela ótica dos direitos democráticos fundamentais, só a classe trabalhadora e os oprimidos podem defender os seus interesses e direitos. É necessário colocar em prática imediatamente os métodos históricos de organização, resistência e luta da nossa classe contra o neofascismo, ou seja, a mais ampla unidade de ação e a organização pela base de uma frente de defesa dos direitos democráticos para derrotar Bolsonaro e seu movimento neofascista.
Enfim, precisamos neste cenário de pandemia tomar cuidados sanitários, mas isso não significa apatia. É preciso exigir – nosso partido (PSOL) tem um importante papel nesse sentido – que o PT, CUT, UNE e Lula saiam do campo das meras palavras e convoquem, junto com o conjunto da direção do movimento de massas, dos sindicatos e partidos, a ampliação e nacionalização das ações de rua que já estão sendo colocadas em prática por várias comunidades e movimentos sociais. Disputar as ruas com uma radicalizada e combativa ação política hoje é crucial. Na verdade, é a única saída para varrer esta ameaça contrarrevolucionária que diariamente cresce e nos permeia. É hora de mostrar a força dos explorados e oprimidos.