O crescimento e a intensificação dos protestos apesar da repressão significou que ele teve que recuar no toque de recolher no mesmo dia em que foi anunciado.

REDAÇÃO IZQUIERDA WEB

As mobilizações foram desencadeadas por um súbito aumento no preço dos combustíveis, e os principais protagonistas foram os trabalhadores dos transportes na região de Junín. Na noite de 4 de janeiro, a notícia do decreto do estado de emergência e da proibição de dirigir levou de surpresa os milhões de habitantes da cidade de Lima e do porto de Callao, próximo à capital.

Desde 28 de março, os transportadores estavam organizando pesados bloqueios. Eles vieram para a capital, como já dissemos, principalmente da região de Junín, que faz parte do altiplano central do Peru. É aqui que se concentram os mais altos níveis de pobreza extrema no país andino, com uma forte composição social de agricultores pobres.

Existem 44 diferentes bloqueios nas estradas do país e 86 são parcialmente interrompidos. As subidas de combustível levaram a aumentos de preços para necessidades básicas de todos os tipos, especialmente alimentos, o que desestabilizou o país e provocou protestos em várias cidades que se espalharam além dos trabalhadores do transporte.

Os primeiros a aderir foram os agricultores pobres. A agitação entre os camponeses já vinha se instalando há algum tempo, e foi interrompida apenas pelas breves esperanças de mudança no governo Castillo. Sua principal demanda é o fim dos privilégios dos grandes importadores de insumos agrícolas, que esmagam os pequenos agricultores com sua concorrência e aumentos de preços.

Um dos epicentros dos protestos foi Huancayo, em 1º de abril. A cidade faz parte da região de Junín, onde Castillo obteve a grande maioria nas eleições do ano passado e de onde é originário o partido que o levou ao poder, o Perú Libre.

A cidade ficou completamente paralisada pelo protesto e o governo de Castillo respondeu com repressão. De acordo com algumas fontes, até quatro pessoas foram mortas desde que os protestos e a violência policial começaram. Apesar da repressão, a fúria da mobilização atingiu vários prédios públicos e a casa de Vladimir Cerrón, fundador do Perú Libre.

A crise se espalhou como um incêndio na grama seca. Trabalhadores rurais na área de Ica ontem (4 de abril) bloquearam a Rodovia Panamericana em protesto contra o alto custo de vida e as condições de trabalho ultra precárias. O aumento do custo de vida também levou a saques e mobilizações noturnas ali.

O governo primeiro tentou uma resposta puramente hostil, tentando associar as manifestações ao Fujimorismo e à extrema direita que o tem encurralado no parlamento. “Alguns líderes e agitadores estão anunciando greves e bloqueios de estradas, maliciosos e pagos, e devemos dizer-lhes que vamos trazer ordem nas próximas horas”, disse ele em tom beligerante.

No entanto, a repressão policial parece ter tido o efeito exatamente oposto ao pretendido. Às vezes, a repressão consegue instigar o medo e enviar a maioria dos mobilizados para casa; esse é seu objetivo principal. Mas quando isso não acontece, a rua responde com fúria e dá ainda mais ímpeto ao que o governo procurou evitar.

Mas como as coisas não estavam se acalmando, Castillo fez algumas tentativas para conter a situação com algumas concessões menores. Seu principal anúncio foi a eliminação temporária de um imposto sobre combustíveis como uma forma ineficaz de conter os aumentos de preços. Esta medida tenta aliviar a situação econômica precária das grandes massas sem tocar nos interesses e lucros comerciais, em um movimento típico de um governo assim. Mas a eficácia de tal medida é altamente questionável e o presidente não disse nada sobre os aumentos de preços de produtos de primeira necessidade.

Agora, responde com um estado de sítio na capital e arredores, deixando clara sua lógica repressiva: declara publicamente que as garantias constitucionais, como a inviolabilidade da casa, estão suspensas. A maioria das pessoas não está autorizada a circular, exceto para pessoas “essenciais” em um esquema similar às restrições devidas ao Covid-19. Mas neste caso o objetivo é conter o protesto popular incitado pela política econômica de Castillo.

Um governo fraco e um deslocamento à direita

Ao anunciar o fim do toque de recolher, o palácio parlamentar foi cercado pela mobilização, mal contida pela polícia em seus portões.

Em meados de fevereiro, Castillo já havia anunciado o estado de emergência em Lima e Callao e a mobilização das forças armadas para “combater o crime”. Foi uma medida populista reacionária para tentar agradar sua oposição de direita e a classe capitalista e a classe média que o vêem com desconfiança.

Suas posições e decisões têm sido caracterizadas por zig-zags permanentes desde que tomou posse, cada vez mais marcadamente à direita. Se ele começou com uma retórica morna de mudar algumas coisas sem tocar os interesses de ninguém, diante da pressão da direita institucional, sua vez tem sido sistematicamente mais e mais reacionária.

A política econômica neoliberal clássica do Peru de décadas não foi sequer minimamente tocada. Um governo fraco que cede constantemente ao poder da classe dominante e de suas forças políticas também tem sido repetidamente afastado de seus primeiros aliados. Sem conseguir estabilizar mesmo por algumas semanas, o gabinete muda dia após dia, semana após semana, as rupturas com seus funcionários e apoiadores, o levaram à beira da destituição não uma, mas duas vezes já.

As crises entre as poderes estão ocorrendo há pelo menos uma década, atravessando o sistema político. O partido de extrema-direita Fujimorista, com sua presença minoritária mas significativa no Congresso, conseguiu impor repetidas vezes um desgoverno, numa tentativa de ser o único partido capaz de governar o país apesar da rejeição majoritária do que representa pelas massas peruanas. Embora a iniciativa de retirar Castillo do cargo já tenha falhado duas vezes, ela o coloca em um lugar de fraqueza evidente, como uma pena que pode voar para longe na primeira lufada de vento mais ou menos forte.

E a resposta de Castillo tem sido fazer sistematicamente sua própria agenda de direita, com ajustes econômicos, concessões aos ricos e repressão a todos os outros. Desta forma, ele consegue afastar seus aliados, enfurecer aqueles que votaram nele e deixar seus rivais insatisfeitos, que pensam que poderiam estar fazendo a mesma coisa, mas mais e melhor.

A direita se aproveita do rio conturbado

Com um país em chamas devido a um estouro que lhe é estranho, a direita (basicamente o fujimorismo) está tentando impor sua própria agenda, colocando seu próprio povo nas ruas. Partes da classe média de Lima se mobilizaram com slogans diferentes dos dos trabalhadores do transporte e dos camponeses e trabalhadores rurais. A principal delas foi a demissão de Castillo.

A crise foi desencadeada imediatamente após a derrota da moção de “vacância” no parlamento, impulsionada por Fujimori e seus aliados para destituir Castillo. Se por enquanto eles estão envoltos pela força da mobilização e gritam pelos seus interesses em uma rua cheia de gritos e fumaça enquanto ninguém os escuta, não se pode esperar necessariamente que isso dure muito tempo. Suas figuras e líderes têm o megafone por ser parte da voz oficial da política capitalista peruana.

Após o anúncio do toque de recolher, eles pediram um cacerolazo, que foi um evento minoritário e teve pouco a ver com protestos de rua; embora tenha sido bem atendido em certos bairros de classe média em Lima.

Mas os funcionários do progressismo também estão fazendo sua parte. Até mesmo funcionários de alguns dos gabinetes de curta duração da Castillo estão participando das duras críticas ao governo. “Desgoverno” é uma palavra na boca de muitos deles, que estão tentando conter a crise enquanto criticam as iniciativas destituídas do Fujimorismo.

Os antigos aliados de Castillo, incluindo seus ex-ministros, o criticam por não tomar nenhuma medida contra o regime político ou fazer algo contra o “modelo neoliberal”. É claro que o fazem do ponto de vista daqueles que se sentam em uma alta cadeira de funcionário público pensando que estariam fazendo as coisas melhor.

Mobilizações populares na maior parte do país – os verdadeiros protagonistas destes dias -, bairros de classe média em fúria contra o “comunismo”, fujimoristas tentando reviver seu fracasso parlamentar, ex-ministros criticando um ou outro… No meio deste caso, duas coisas parecem claras: primeiro, a mobilização popular transcende as armadilhas parlamentares e as conspirações palacianas; segundo, Castillo parece ficar cada vez mais sem um único aliado.

Tradução: Antonio Soler