A tradicional calourada da USP – evento de boas vindas aos novos ingressantes na maior universidade pública do país, que na história conta com um maior peso político na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) – ocorrida entre os dias 14 e 18 de março, refletiu o cenário político e todos os desafios e contradições que estão postos para os próximos meses, sobretudo sobre a questão eleitoral.
DEBORAH LORENZO e MARIA CORDEIRO, pela Juventude Já Basta!
Na FFLCH, a semana teve início com a importante e tradicional atividade de boas-vindas aos ingressantes: a apresentação de entidades estudantis, como o Diretório Central dos Estudantes, Centros Acadêmicos, Associação Atlética e demais grupos de trabalho organizados pelos alunos. Os estudantes de Geografia puderam conhecer na prática, logo no segundo dia da Calourada, como é uma Assembleia Estudantil, um importante espaço de discussão, deliberação e construção política dos estudantes, tendo como tema a luta pelo retorno 100% das aulas no Curso de Geografia.
Depois de dois anos distantes dos espaços físicos da universidade – tendo neste último período vivenciado a experiência acadêmica apenas na modalidade EAD -, os estudantes de Geografia e demais cursos, também, após ameaças de não retornar presencialmente em sua integralidade, travaram uma batalha vitoriosa contra o corpo docente pelo retorno. Assim, o vão da FFLCH respirou novamente os impetuosos ares da juventude. Três gerações de estudantes, que sequer tiveram a oportunidade de ocupar estes espaços, estavam ali, reunidos, aglutinando potenciais, elucubrando possibilidades e ansiando experiências.
A mobilização dos alunos pelo retorno 100% presencial com segurança sanitária é fundamentalmente uma luta histórica contra a precarização do ensino e do processo de hibridização permanente das universidades públicas. Durante os dois anos de pandemia, houve forte pressão de pautas liberais para precarização e privatização do ensino público. Aliado a isso, as aulas à distância submetidas a essa lógica agiram como força desmobilizadora e reacionária contra a organização política dos estudantes.
O espaço da universidade, além de providenciar um ambiente acadêmico frutífero, é um importante espaço de mobilização e discussão do corpo discente. É nesses espaços que se organiza e discute tanto pautas internas da universidade como greves e ocupações, quanto a organização política dos estudantes fora dos muros da universidade, tal qual o bloco da FFLCH nos atos Fora Bolsonaro no ano de 2021. A conquista dos alunos do curso de geografia do retorno 100% presencial é um indicativo da capacidade de mobilização e força da juventude no movimento estudantil, que é, historicamente, vanguarda nas lutas pela transformação social.
Obstáculos pós pandêmicos e cenário eleitoral
Eis aqui o primeiro desafio. Como manejar um vácuo de dois anos na luta, na mobilização e organização do movimento estudantil. Foram dois anos sem ver, ouvir, agrupar, debater, confrontar, protestar, socializar ou qualquer tipo de troca de ideias e pensamento crítico entre os estudantes. O vazio desmobilizador teve um impacto objetivo, mas também subjetivo ainda maior, pois não se aprendeu ou nunca se vivenciou a experiência militante. A juventude precisa rememorar, bem como reivindicar, seu posto à frente da luta de classes, sua liderança e seu espírito revolucionário.
Mas, a pandemia não é a única força desmobilizadora que enfrentaremos neste ano. O cenário eleitoral impõe uma dinâmica extremamente perigosa sobre a juventude. Em tempos de grande polarização política, como o que enfrentamos, as armadilhas oportunistas e a velha política de conciliação de classes entram em cena com muita força através de uma narrativa trajada de bom senso. Além disso, devido ao baixo nível político – consequência dos elementos apontados anteriormente – a ideologia da conciliação de classes acaba infiltrando-se sem grandes resistências nas bases do movimento estudantil, sobretudo por meio dos grandes aparatos do movimento (UNE, UEE, DCEs e etc).
Durante a Calourada, o evento que contou com a participação de Guilherme Boulos na última quarta-feira (16), foi a prova cabal disto. Para além do fato de que as organizações responsáveis pela idealização da atividade contam com uma rede muito bem estruturada de recursos (áudio visual, material gráfico, equipe técnica, etc), ou seja, um enorme aparato a seu serviço, há também o encantamento e o personalismo de figuras que ganharam espaço midiático após as últimas eleições municipais. Estes elementos, em conjunto, operam como distratores para os menos prevenidos.
Boulos, em sua fala à plenária, justifica a traição histórica por parte dele próprio e da direção majoritária do PSOL – que embarca em uma aliança com Lula-Alckmin e partidos representantes do capital financeiro, abrindo totalmente mão de sua independência política – com o argumento de que precisamos derrotar Bolsonaro e a tática de apoiar é a alternativa mais viável. A lógica de Boulos e da maioria da direção do PSOL omite que por décadas a política de conciliação de classes operada pelo PT vêm legitimando contrarreformas e asfixiando o movimento de massas – incluindo a juventude fortemente reprimida em 2013/2014 – para que não represente nenhum perigo à burguesia nacional, com a qual estão envolvidos até o último fio de cabelo. Isto sem mencionar as negociatas por cargos.
Entrar na chapa Lula-Alckmin, além de abrir mão do programa do partido e de seu perfil – o que é a liquidação política como alternativa à esquerda do lulismo – significa, o que é mais grave ainda, do ponto de vista estratégico abrir mão da batalha para que os aparatos desbloqueiem a mobilização. Esse é um tremendo erro estratégico, uma verdadeira traição à necessidade incontornável de mobilizar para derrotar Bolsonaro nas ruas e nas eleições. Assim, ao contrário do que Boulos afirma, entrar na chapa de Lula-Alckmin não é nada razoável, pelo contrário. Uma coisa é chamar o voto crítico em Lula para o neofascismo não continuar à frente do governo e ameaçando sistematicamente os direitos democráticos, outra, totalmente diferente, é fazer parte de uma aliança eleitoral burocrático-burguesa. Essa tática se choca totalmente com a estratégia da mobilização permanente das massas. É, diretamente, dizer aos trabalhadores e à juventude que basta votar em Lula-Alckmin para derrotar Bolsonaro.
Com isso, o PSOL deixa de cumprir seu principal papel nessa conjuntura, que é mobilizar e exigir que se mobilize nas ruas para derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo. O que isto representa é uma enorme ameaça de que mais uma geração de jovens seja capturada pela burocracia e sua lógica e abandone suas aspirações revolucionárias, sua disposição de luta e de organização independente. Tudo isso em nome de um projeto de conciliação e de uma mentira deslavada de que se pode vencer Bolsonaro conciliando com a burguesia e sem luta direta; de que há alguma esperança neste tipo de tática, política e nestas figuras adaptadas aos interesses burgueses. Não há.
O grande desafio será o de manter a chama crítica e questionadora. Não podemos permitir que estas narrativas eleitoreiras sejam as únicas a circularem o espaço da universidade. Nosso papel é apresentar o outro lado, os dados históricos e o que as experiências passadas nos ensinaram a respeito da participação em frentes com a burguesia – todas elas acabaram em tragédias políticas para os trabalhadores e para a esquerda.
É nossa tarefa do Já Basta!, e de todas organizações que se colocam no campo da luta independente dos patrões e da burocracia, vocalizar que o único caminho para derrubar Bolsonaro e o bolsonarismo, assim como para avançar em reivindicações históricas da classe trabalhadora, é o da mobilização permanente nas ruas. É desta maneira que a juventude pode contribuir com o avanço da consciência das massas, ou seja, não capitulando com a burguesia, lutando por suas demandas, apoiando a luta de todos os setores explorados e oprimidos e ligando todas essas lutas à batalha decisiva que é derrotar Bolsonaro. Do contrário – como propõe a direção do PSOL -, estaremos trilhando o caminho da derrota diante do neofascismo e da burguesia. Do ponto de vista eleitoral, devemos apoiar candidaturas que apresentem programas anticapitalistas, candidaturas comprometidas com a organização da luta direta e que façam a exigência permanentemente de que elas sejam organizadas pelos aparatos de massas. Vamos à luta!