Estima-se que 90% das mortes por conflito no campo hoje sejam causadas pelo garimpo ilegal em terras indígenas. O genocídio indígena que opera o governo Bolsonaro faz soar ainda mais alto os alarmes do avanço golpista e autoritário nas entrelinhas dos inúmeros ataques que empenha desde que assumiu o poder em 2018. 

É hora de inflamar as ruas para derrotar o genocida e suas bases neofascistas!

Karen Rezende, Deborah Lorenzo e Marcos Vieira 

A Terra Indígena Yanomami é um território que se divide entre os estados do Amazonas e Roraima, e é uma área de grande interesse comercial por conta da grande quantidade de ouro presente na região. Por esse motivo, desde antes da demarcação do território, os Yanomami já enfrentavam grandes problemas com o garimpo, mas com a agenda de Bolsonaro, esse conflito está se intensificando ainda mais.

Na segunda feira (25/04), foi notificada pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), a ocorrência de um abuso sexual de uma menina de 12 anos e o desaparecimento de uma criança de 3 anos no Rio Uraricoera. As investigações deram início, mas os órgãos responsáveis chegaram ao local apenas na quarta-feira (27/04) e encontraram a comunidade já em chamas sem informações sobre onde estariam os indígenas que ali habitavam. 

Após quase uma hora da chegada das equipes, alguns indígenas retornaram para buscar apenas os pertences dos garimpeiros e estavam com muito medo de falar sobre o que havia ocorrido. Depois de muito convencimento, relataram que foram coagidos e ameaçados pelos garimpeiros para que permanecessem em silêncio.

Já na manhã da quinta-feira (28/04), quando as equipes retornaram ao local, encontraram novamente pontos queimados e os cerca de 25 indígenas que moravam na região estavam desaparecidos, sem que houvesse informações sobre o desaparecimento. Foi constatado posteriormente que haviam indícios da cremação de um corpo. 

Este é um dos inúmeros episódios de violência e morte resultantes da destruição garimpeira em um dos maiores territórios indígenas brasileiros. Dados do Relatório lançado em abril deste ano pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) revelam um aumento de 46% do garimpo ilegal em 2021 comparativamente ao ano anterior, que já havia apontado um crescimento de 30% em relação a 2019. Outro dado assustador são os incríveis 3.350% da taxa de crescimento da prática ilegal do garimpo em território Yanomami no período de 2016-2020.

Além do desastre ambiental – estima-se que a área de destruição proveniente do garimpo passou de 1200 hectares em 2018 para 3272, em 2021 – a atividade predatória dos garimpeiros tem levado doenças e mortes, além de diversos impactos na dinâmica de vida destes povos. Os casos de malária subiram acentuadamente entre os indígenas em diversas comunidades espalhadas pelo território Yanomami.

Inúmeros são os relatos de violência sexual e abuso de crianças e mulheres Yanomami. Ao procurarem alimento, os indígenas são coagidos a entregarem suas mulheres como moeda de troca. Sem mencionar os episódios nos quais as vítimas são embriagadas através de água batizada com substâncias químicas (drogas, álcool, etc.).

O documento conta também com uma série de relatos de indigenistas e gritos de socorro destes povos que seguem estrangulados pelo governo genocida de Bolsonaro.

Retrospectiva dos ataques do governo Bolsonaro contra os povos originários

Demarcação de terras

Bolsonaro cumpriu sua promessa de não demarcar nem um centímetro sequer das terras indígenas. Logo no início de seu governo transferiu a função de demarcação da Funai para o Ministério da Agricultura. Também realocou a Funai do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob forte influência de figuras reacionárias e do fundamentalismo religioso – uma espécie de retorno aos tempos das missões jesuítas.  Apenas após 5 meses de intensas manifestações dos povos indígenas o congresso se viu forçado a desfazer estas modificações.

Funai

Os ataques à Funai, contudo, permaneceram. Além de indicar militares aos cargos de chefia da entidade – antes ocupados por indigenistas experientes -, Bolsonaro facilitou o processo  regularização de terras invadidas além de incentivar a mecanização da lavoura em terras indígenas, o que abriu precedentes para o avanço dos interessados em mercantilizar as terras em nome do agronegócio. Isto só fez aumentar casos de invasão e confronto. 

Pandemia de COVID-19

A condução da pandemia foi outro massacre. O governo federal distribuiu Cloroquina e negligenciou a vacinação, que só ocorreu depois de muita mobilização por parte dos povos originários. Este atraso ocasionou inúmeras mortes totalmente evitáveis.

Garimpo ilegal 

Bolsonaro incentivou o garimpo ilegal, sobretudo em terras Yanomami, através de um decreto pelo “garimpo artesanal”. O termo não passa de um eufemismo para as práticas de garimpo ilegal que ocorrem nessas terras.

Pela Constituição, o garimpo em terras indígenas não está sujeito à regulamentação em nenhuma esfera da legislatura. Ainda assim, Bolsonaro, em mais uma evidente afronta à Constituição e aos direitos democráticos, apresentou o PL nº 191/2020, que pretende regulamentar não apenas a mineração como também o garimpo nestas terras.

O relatório “Yanomami sob ataque, Garimpo ilegal na terra indígena Yanomami e propostas para combatê-lo” da Hutukara Associação Yanomami e a Associação Wanasseduume Ye’kwana, apresenta um panorama geral da tragédia ambiental e humanitária causada pelas práticas de garimpo ilegal. Os dados apontam para assustadores índices de aumento da incidência de doenças, de mortes, assim como de violência e abuso sexual entre crianças e mulheres do povo Yanomami.

Os gráficos a seguir apresentam o aumento da área destruída pelo garimpo nas Terras Indígenas Yanomami entre outubro de 2018 e o mesmo mês de 2021 (Gráfico 1), além do crescimento nas ocorrências de malária nos povos indígenas entre 2003 e 2020, sendo gritante o salto no número de casos a partir dos anos de 2018 e 2019.

Gráfico 1: Área destruída pelo garimpo na TIY de outubro de 2018 a outubro de 2021, SMGI.

 


Gráfico 2: Evolução dos casos de malária nos polos da macro-região do Uraricoera. Fonte: Sivep-Malária.

 


Gráfico 3: Evolução dos casos de malária no polo-base Auaris. Fonte: Sivep-Malária.

Gráfico 4: Evolução dos casos de malária nos polos banhados pelo rio Parima. Fonte: Sivep-Malária.

Gráfico 5: Evolução dos casos de malária nos polos do rio Mucajaí afetados pelo garimpo. Fonte: Sivep-Malária.

O relatório da Hutukara Associação Yanomami finaliza com uma série de recomendações ao Poder Público, reafirmando que o garimpo é um problema de ordem política e que depende diretamente da vontade de seus atores para garantir a atuação dos órgãos fiscalizatórios de maneira a proteger os direitos destes povos. 

Em síntese, muitos elementos se combinam para o avanço da atividade garimpeira ilegal. Dentre eles, a dinâmica do mercado internacional do ouro, a falta de fiscalização sobre a cadeia de produção e procedência do minério, a extrema fragilização das políticas públicas e de proteção aos povos originários, a crise econômica, o desemprego e a precarização do trabalho. Todos estes elementos têm em comum a política genocida articulada por Bolsonaro e seus aliados, que segue incentivando práticas criminosas. Uma cartografia local da capacidade cada vez mais destrutiva do capitalismo para este século – feroz e sufocante. 

Um povo historicamente sob ataque do capital

Apenas para ter dimensão do caráter histórico da questão, uma retrospectiva da Casa Ninja Amazônia mostra dados de mais de quatro décadas de violência sofrida pelos Yanomami. Em agosto de 1987 em Serra de Couto Magalhães (RR), 150 garimpeiros armados com espingardas mataram 7 indígenas e feriram 47. Um novo conflito em 1988 envolvendo garimpeiros em uma Gruta na região do Paapiú (RR), registrou 8 indígenas mortos. Conhecido como Massacre de Haximu, em agosto de 1993 em Haximu (RR), um grupo de garimpeiros fortemente armados vitimou de forma fatal 16 Yanomami, dos quais incluem 5 crianças, mulheres e idosos. Em abril de 2013 em Alto Alegre (RR), um conflito entre tribos Yanomami com ação direta de garimpeiros, deixou 05 indígenas mortos e 07 feridos, conforme dados da Funai. 

A falta ou desinteresse dos grandes veículos da mídia tradicional em dar a necessária cobertura para os conflitos em terras indígenas, aliada ao projeto de extermínio dos povos originários das oligarquias latifundiárias – principal frente de expansão do capital nacional -, e a certo ponto a indignação seletiva de algumas camadas da sociedade, contribuem para a desmobilização da luta pelos direitos e sobrevivência dos povos indígenas. 

Hoje, mais intensamente do que nunca, os povos Yanomami sofrem o flagelo da especulação do mercado do ouro e choram a perda de seus parentes no confronto direto com garimpeiros clandestinos.

Resistência e combatividade. Todos contra Bolsonaro e o sistema que nos oprime e explora

Mesmo diante de séculos de opressão e ataque do capital – que tomou proporções estratosféricas durante o governo Bolsonaro -, os povos originários resistem bravamente.

É fundamental que todas as organizações, partidos, movimentos sociais, ativistas, figuras públicas e os demais setores da sociedade engrossem o coro e se somem na luta dos povos originários. Este é um tema, ainda, muitas vezes deficitário entre a esquerda socialista e que tem centralidade vital na luta contra Bolsonaro e no formular de um antagônico projeto de sociedade. Não é preciso mencionar que na esquerda da ordem a luta dos povos originários não passa apenas de propaganda eleitoral – o lulismo foi responsável pela monstruosidade de Belo Monte e agora aposta, mais uma vez, em profundas negociações com o agronegócio, pela figura de Alckmin, aqui em São Paulo. É urgente o apoio sistemático à luta indígena, com os nossos corpos e mentes, em uma permanente batalha por edificar uma consciência que a luta pela autodeterminação indígena é também uma luta anticapitalista.

Frisamos também que todos estes avanços de Bolsonaro materializam suas intenções reacionárias e golpistas. Ao afrontar a Constituição e aparelhar entidades governamentais com suas forças repressivas e militares, Bolsonaro deixa claro que não é cachorro morto, pelo contrário, segue permanentemente em busca de reunir condições objetivas e subjetivas para o fechamento do regime. 

Enquanto isto, a esquerda perde um importante espaço de luta pelas ruas – única forma de enfrentar verdadeiramente as forças neofascistas que dão sustentação a Bolsonaro – e entra de cabeça na arriscada tática eleitoreira encabeçada pela burocracia lulista de enfrentamento exclusivamente pelas urnas, pela superestrutura. Política desmobilizadora e inconsequente na qual o PSOL, em sua Conferência Eleitoral e sem qualquer diálogo com as bases, resolveu se diluir.

Este é o momento de incendiar as ruas e formar um fronte de batalha repleto de indignação, que leve a cabo pautas que realmente sejam capazes de modificar as bases sociais que sustentam este sistema. A mobilização é urgente!

Nós da corrente Socialismo ou Barbárie nos solidarizamos com todos os povos indígenas, historicamente violentados por este sistema, e nos colocamos na linha de apoio para tomarmos as ruas para derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo – tarefa de caráter decisivo – e construir, assim, uma alternativa independente, anticapitalista e que possa unificar os povos originários a todos os explorados e oprimidos a partir de uma luta cada vez mais coletiva e radicalizada que supere o caráter exclusivamente eleitoral, tendo como horizonte estratégico a luta pelo fim de toda exploração e opressão. 

 

https://www.brasildefato.com.br/2022/04/19/bdf-explica-por-que-os-povos-indigenas-acusam-bolsonaro-de-genocidio

 

https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-ppds/pl-19120-atropela-constituicao-para-liberar-mineracao-em-terras-indigenas

 

https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/prov0491_1.pdf 

 

https://cimi.org.br/2022/04/yanomami-sob-ataque/

 

https://casaninjaamazonia.org/alerta-yanomami/ 

 

https://apiboficial.org/2022/04/12/yanomami-sob-ataque/