ANTONIO SOLER
A posse de Jair Bolsonaro (PSL) marca simbolicamente um novo ciclo da luta de classes após um longo período de transição marcada pela ofensiva burguesa que retira direitos, ataca a soberania popular e, agora, quer impor uma derrota histórica aos trabalhadores e aos oprimidos para estabelecer um nível muito superior de exploração.
Durante a posse Bolsonaro, que segundo fontes oficiais reuniu cerca de 100 mil pessoas, confirmou-se o caráter de extrema-direita e ultraliberal do próximo governo. Em seu segundo discurso, dirigido ao público no parlatório, Bolsonaro foi politicamente mais agressivo do que o proferido durante a cerimônia oficial, afirmou que a partir da sua posse “o povo começou a se libertar do socialismo, se libertar da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”, que “não podemos deixar que ideologias nefastas venham a dividir os brasileiros(…)convido a todos para iniciarmos um movimento nesse sentido” e finalizou dizendo que “nossa bandeira jamais será vermelha. Só será vermelha se for preciso nosso sangue para mantê-la verde e amarela”. Ou seja, Bolsonaro mantém a mesma fala desenvolvida na campanha eleitoral, apoia-se no retrocesso de um setor da população e sintetiza seu programa privatista na economia, ultraconservador nos costumes e reacionário na política.
Obviamente sabe que para levar adiante seu governo e suas propostas terá que continuar mobilizando politicamente setores da classe média, da pequena-burguesia e até dos trabalhadores que foram ganhos para essa ideologia protofascista. A questão é até quando esses mesmos setores, diante da experiência concreta com esse governo, do enfrentamento dos trabalhadores organizados com as contrarreformas, do choque direto da luta de classes nas ruas, dos ataques às condições de vida das massas, irão continuar a apoia-lo? Isso está por verificar-se.
A luta de classes dará a última palavra
Nos últimos 4 anos vivemos uma importante transição política, pois a ofensiva reacionária desde 2015 impôs a sucessão de três formas distintas de governos burgueses: governo de colaboração de classes de Dilma Rousseff, governo reacionário de Michel Temer e, agora, governo semibonapartista de Bolsonaro.
Essa transição entre governos burgueses tão díspares só pode ocorrer devido à profunda recessão econômica a partir de 2012, à reabsorção da rebelião estudantil de Junho de 2013, ao estelionato eleitoral do lulismo após a eleição de 2014, à ofensiva burguesa reacionária em 2015, ao impeachment de Dilma em 2016 e aos dois anos de contrarreformas do governo Temer. Assim, a eleição do neofascista Bolsonaro só foi possível após uma série de manobras reacionárias que significaram ataques direitos à soberania popular. Trocando em miúdos, tivemos um impeachment de Dilma, em 2016, sem crime de responsabilidade e, em seguida, a prisão de Lula, em 2018, sem provas cabais.
Com Lula, que tinha a maior intenção de votos (40%), fora da disputa o caráter fraudulento das eleições de outubro se tornou indisfarçável. Além disso, em que pese a divisão da classe dominante no início do processo eleitoral, Bolsonaro acabou por catalisar o apoio de setores importantes do grande capital, dos chefes neopentecostais e da grande mídia como o candidato à Presidente capaz de levar as contrarreformas antipopulares até o final.
Como parte da análise, a ofensiva reacionária desde 2015 contou com uma importante resistência da juventude, das mulheres e dos trabalhadores, mas estes não puderam fazer frente à ofensiva reacionária e contê-la devido às traições sistemáticas do lulismo – corpus político que é ampla maioria na direção do movimento de massas – que atuou constantemente para desviar, frear e conter a luta direta das massas. Mas, em que pese que se estabeleceu um claro giro à direita, uma situação com fortes rasgos reacionários e um governo semibonapartista, esse processo não foi desprovido de resistência.
A classe e a juventude não puderam ir até o final no processo de resistência, mas não houve uma derrota direta na luta de classes dos explorados e oprimidos. Esse conjunto de fatores permite-nos pensar que não temos uma correlação de forças políticas totalmente definida a partir do resultado eleitoral, que a eleição de outubro não significou uma transmissão mecânica da derrota eleitoral para a luta de classes ou que se tenha fechado a possibilidade de resistência diante de ataques vindouros, como a contrarreforma da previdência, a privatização generalizada das empresas estatais, o cerceamento do direito de livre organização, dos diretos das mulheres e os ataques à juventude negra e trabalhadora. Ou seja, em nossa opinião, as provas definitivas da correlação de forças ocorreram a partir da luta de classes na próxima etapa. O governo Bolsonaro não fará “uma autópsia da classe trabalhadora e dos oprimidos”, pois a classe trabalhadora, as mulheres e a juventude não são um corpo inerte incapaz de reagir diante dos ataques que vêm pela frente.
Bolsonaro é um governo que se pretende uma forma de bonapartismo, mais bem um semibonapartismo ultraliberal, pois tem como núcleo fundamental representantes do alto comando do exército, economistas neoliberais da escola de Chicago, lideranças neopentecostais e velhos partidos da ordem que estão a serviço direto dos interesses do capital financeiro internacional, da grande burguesia e dos ruralistas.
Não, esse não é um governo do tipo bonapartista de plenos poderes. Para isso teria que suspender elementos básicos da democracia burguesa, tal como fechar o Congresso e governar por decretos apenas, impor uma censura direta à imprensa e impor uma condição fundamental para qualquer candidato a “Bonaparte”: colocar na ilegalidade partidos de esquerda/opositores, fechar ou controlar diretamente os sindicatos/movimentos dos trabalhadores.
Por ora terá que governar negociando com o Congresso e tolerar determinadas “garantias” democráticas, apesar das gestões que fará contra liberdades de organização dos trabalhadores, como a tentativa de cerceamento ao direito de mobilização através de emendas sobre a “Lei Antiterrorismo”, e tentando mobilizar sua base protofascista como forma de intimidar o movimento social. Ou seja, estamos diante de um giro político à direita que possibilitou a ascensão de um governo de extrema-direita que quer impor a paralisia da organização dos trabalhadores para realizar um conjunto de contrarreformas. Mas se conseguirá impô-las ou não dependerá dos desdobramentos da luta politica daqui para a frente e da capacidade de resistência dos trabalhadores e das suas organizações.
Unidade de ação para unificar as lutas econômicas e políticas
A partir da posse de Bolsonaro um novo ciclo se abre. Obviamente enfrentaremos um governo ainda mais reacionário do que Temer, um governo que se apoiará ainda mais no aparato militar-policial, que quer construir um movimento protofascista e incutir medo nos trabalhadores e nas suas organizações para fazer o que os governos anteriores não puderam. Ou seja, levar até o final a entrega das riquezas nacionais, o ataque aos direitos dos trabalhadores, das mulheres e da juventude. Mas os choques serão inevitáveis e os seus resultados não são previsíveis de antemão. Pois, como dissemos acima, pensamos que contamos com reservas importantes de combatividade em vários setores e não sabemos qual será o resultado sobre as massas dos terríveis ataques que estão sendo preparados, a começar pela contrarreforma da previdência social.
A resistência aos ataques desse governo ou qualquer conquista a ser obtida só poderá vir da luta direta, das mobilizações e greves, não existe espaço para a conciliação de classes. Nesse sentido, a posição do PSOL, do PT e do PCdoB em não participar da posse de Bolsonaro foi correta. Mas é preciso ir muito além disso e, a partir de já, armar a luta unificada contra esse governo e seus ataques, não uma “oposição propositiva” como quer o presidente da CUT, Wagner Freitas.
A aposta na conciliação feita pelo lulismo foi um dos fatores centrais que nos fez chegar à atual situação, por isso precisamos imediatamente construir outro caminho. Precisamos levar a sério as ameaças desse governo contra os trabalhadores, seus direitos e suas organizações e nos armar politicamente, explicando pacientemente que Bolsonaro é inimigo dos trabalhadores, dos sem-teto, dos sem-terra, das mulheres, dos negros e da juventude.
Também é preciso combater a lógica do lulismo que separa a luta econômica da luta política e atuar para unificar a luta em defesa das liberdades democráticas, de organização e dos direitos sociais e econômicos que estão ameaçados de conjunto. Nesse sentido, a luta contra a prisão de Lula, como pretende o PT, não pode se colocar como a única e nem como a pauta central nesse momento. É necessário construir um sistema de consignas que parta da luta mais imediata, que é a luta contra a “reforma da previdência”, só assim poderemos unificar o conjunto dos trabalhadores e fazer a efetiva resistência.
A primeira tarefa que está colocada é da unidade de ação e da construção de um calendário de lutas contra os ataques à previdência pública desde já! Mas sabemos que o lulismo continuará apostando na conciliação de classes, na negociação descolada da luta e na desmobilização dos trabalhadores. Por isso, precisamos na próxima etapa apresentar aos trabalhadores uma alternativa distinta da conciliação de classes. Nesse sentido, nosso partido, o PSOL, que saiu fortalecido do processo eleitoral e é a maior organização da esquerda socialista, terá sua responsabilidade redobrada no próximo período, tanto em relação às questões táticas como sobre as estratégicas.
Para finalizar, é preciso para impulsionar a luta fortalecer o campo independente da burocracia e dos patrôes. O que passa por priorizar uma linha consequente de unidade de ação diante dos ataques vindouros com uma pauta que unifique o conjunto dos trabalhadores, frentes únicas de resistência pela base que conte com uma sistemática diferenciação do lulismo e uma frente única entre a esquerda socialista e as organizações independentes para organizar as lutas e todos os demais processos políticos centrais.