Nesta semana se realizaram nos países membros da União Europeia as eleições para renovar o Parlamento do bloco. Já existem várias tendências claras que permitem esboçar um primeiro balanço.
Por Ale Kur
1) Comecemos pela análise dos resultados dos grandes partidos tradicionais europeus: o “Partido Popular Europeu” (centro-direita, formado pelos partidos conservadores e de tradição social-cristã) e os partidos socialdemocratas e afins (centro-esquerda ou centrismo “progressista”). Esses dois partidos são os que, desde a fundação da UE, vinham recebendo a maior parte dos votos e assentos, e orientando o caminho do bloco. Segundo o diário espanhol El País, a projeção indica que o partido mais votado segue sendo o PPE, embora perdendo uma importante quantidade de assentos desde as eleições de 2014: teria passado de 221 a 178. Sobre o bloco de Socialistas e Democratas, este teria retrocedido de 191 a 152 assentos.¹
Portanto, um primeiro dado é o retrocesso de ambos partidos tradicionais, que pela primeira vez passariam a possuir menos da metade da quantidade de assentos do Parlamento Europeu. Daí que tomemos como primeira definição, a fragmentação da representação política.
Nesse quadro, queremos assinalar um aspecto particular com relação aos resultados do Reino Unido: o governista Partido Conservador seria reduzido ao embaraçoso 9% dos votos, que significa, o QUINTO lugar. A grande maioria de sua base social parece que fugiu ao “Partido do Brexit” de Nigel Farage (que alcança o primeiro lugar), ou ao pró-europeu partido Liberal-Democrata (que estaria obtendo o segundo lugar). O Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn também haveria retrocedido fortemente, ficando em terceiro. Isso coloca o Reino Unido às portas de uma enorme crise política, questão que se retroalimenta com o anúncio, há poucos dias atrás, da Primeira Ministra Theresa May de que nas próximas semanas irá renunciar ao cargo.
Os resultados na Alemanha, com a queda nos votos dos dois grandes partidos da coalizão que sustenta Merkel, também pode fazer balançar o governo alemão, contribuindo a uma maior instabilidade no panorama político europeu.
2) Um segundo elemento é o avanço moderado das forças da “direita dura”. Os melhores resultados teriam sido na Itália (onde encontra seu “navio almirante” entorno da figura “eurocética” de Salvini), em países da Europa Oriental e provavelmente no Reino Unido (graças a ter conseguido capitalizar o setor favorável ao Brexit). Também se apresenta o provável triunfo de Le Pen na França, mas esse deve acontecer com pinças: parece que não superou o patamar de 25% do eleitorado, quer dizer, apenas um quarto dos votos. E especialmente, é necessário levar em conta que isso não implica um aumento do número de votos em relação às eleições anteriores, senão apenas uma “subida” na tabela de posições devido a queda da anterior primeira força.
Sem deixar de ter em conta nem por um momento que, tomado o resultado de conjunto, continua o avanço da direita, o dado mais significativo mostrou ser que está diminuindo o ritmo do seu avanço. Levando em conta o ascenso de forças ultrareacionárias, xenófobas, nacionalistas e racistas na Europa e no mundo durante os últimos 5 anos, os triunfos de Trump nos EUA, Bolsonaro no Brasil, etc., setores tanto partidários quanto jornalísticos impressionistas acreditaram estar diante de uma avalanche imparável de fascismo. Mas a respeito dessas visões exageradas e pessimistas, a realidade se mostrou muito mais moderada. Em países muito importantes como Alemanha, onde se temia um “atropelo” da “direita dura”, esta subiu uns poucos pontos percentuais em relação às eleições de 2014. Na Espanha o pêndulo político segue inclinado em direção à centro-esquerda, ou pelo menos em direção ao “centro-progressista”. Na França, apesar de ser a primeira força, Marine Le Pen não conseguiu superar seu patamar histórico. Desta forma, embora a tônica política segue sendo globalmente conservadora, o pior momento do giro da direitização parece ter ficado para trás, ao menos por agora.
3) O terceiro dos principais elementos que queremos tomar aqui é o ótimo resultado obtido pelos Partidos Verdes (ecologistas). Na Alemanha, com 20% dos votos, teria conquistado o segundo lugar, tirando da socialdemocracia (que ficaria em terceira). Na França, com 13%, o ecologismo estaria conquistando o segundo lugar. No Reino Unido, com 12%, está em quarto lugar. No conjunto, em toda a Europa, estão conquistando 70 assentos, 20 a mais que em 2014.
Sem dúvida alguma, o avanço do ecologismo é um resultado direto das grandes mobilizações juvenis que nos últimos meses têm sido realizadas por toda a Europa, e especialmente em seus principais países. Mobilizações protagonizadas por adolescentes (geração “centennial”, nascidos a partir do ano 2000) e por “millenials” (nascidos na década de 1990), que vêm alertando sobre o enorme risco que passa a humanidade devido a grave ameaça das mudanças climáticas. Mas mais ainda, estas mobilizações apontam a responsabilidade concreta do capitalismo, que na sua busca por lucro, ignora o meio ambiente e gera as condições para uma catástrofe.
Citamos um parágrafo ilustrativo do jornal El País: “O meio ambiente tem sido a principal preocupação destas eleições na Alemanha, segundo um recente levantamento de Infratest Dimap [Instituto de Pesquisas]. Mostra disso é o êxito das manifestações de Fridays for Future na Alemanha. Na sexta-feira, dezenas de milhares de jovens voltaram a sair às ruas em mais de uma centena de cidades alemãs para dizer a seus prefeitos que estão fartos de esperar que atuem de forma decisiva contra a destruição ambiental.”²
Outra nota do mesmo jornal, de alguns dias atrás, aponta também elementos semelhantes: “O pior inimigo político que tem a CDU [União Democrata-Cristã] e seu partido irmão da Baviera, a CSU [União Social-Cristã] , tem 26 anos, se chama Rezo, tem o cabelo pintado de azul e é conhecido no mundo das redes sociais onde tem uns dois milhões de fiéis que seguem com paixão seus vídeos no YouTube. Rezo, um jovem que não havia se envolvido na política apresentou no sábado passado um vídeo, com o título A destruição da CDU onde, durante 55 minutos, acusa o partido de Angela Merkel de estar destruindo o futuro do país por causa de sua passividade para lutar contra as mudanças climáticas e por favorecer os ricos.”³
Desta forma, os Partidos Ecologistas ocuparam nestas eleições europeias o lugar de “contrapolo” progressista às forças reacionárias, expressando um movimento progressivo de jovens, o mesmo fenômeno que expressa o movimento feminista na Argentina e América Latina, ou o “socialismo democrático” [DSA] nos EUA. Porém, os resultados europeus também expressam os limites desta nova geração, por se tratar os Partidos Verdes de forças reformistas completamente adaptadas ao sistema. Desta forma, o polo “de esquerda” aponta bastante responsável e centrista.
4) Queremos retomar aqui um último elemento. Na Grécia, o governo de Tsipras teria ficado em segundo, ficando abaixo dos conservadores da Nova Democracia. O governo grego já realizou declarações no sentido de adiantar a convocação de eleições gerais, onde tem todas as chances de perder. Isso seria a última pedra sobre a cova sobre a experiência falida da mal chamada “esquerda radical” , que capitulou em toda sua linha à Troika e ao FMI e às instituições europeias. O caso grego tem que servir de exemplo do que, em qualquer lugar do mundo, ocorre aos governos “progressistas” quando desafiam o “status quo” e cedem a todas as exigências dos capitalistas. É uma advertência portanto, a operação de “regresso do kirchnerismo” na Argentina, país que também está ameaçado pelo enorme peso da dívida externa.
5)Em conclusão, as eleições europeias parecem deixar um panorama de maior fragmentação da representação política e de uma maior instabilidade, com um importante retrocesso do bipartidarismo tradicional, onde se confirma que o que predomina é a insatisfação de centenas de milhões de europeus com o estado das coisas. Uma insatisfação que se manifesta de maneira heterogênea e através de todas as variantes do espectro político-ideológico. Enquanto segue predominando uma tônica bem mais conservadora (e por isso as forças de direita encontram mais facilidade para crescer que as forças de esquerda), não se pode dizer que haja hegemonias claras (nem da direita, nem de nenhum outro setor) nem que esteja fechado o panorama político. O avanço das forças ecologistas (com seus enormes limites pro-capitalistas) reflete, ainda que de maneira distorcida, que as mobilizações nas ruas (enormemente progressivas) por parte da juventude seguem sendo parte influente na situação política europeia, e que não podem ser ignoradas.
Tradução: Gabriel Barreto
¹ “Los nacionalistas vencen en países clave, pero no ganan poder en la Eurocámara”, El País, 26/5/19. https://elpais.com/internacional/2019/05/26/actualidad/1558887561_830895.htm
² “La CDU y el SPD se desploman mientras Los Verdes logran un fuerte avance en Alemania”, El País, 26/5/19. https://elpais.com/internacional/2019/05/25/actualidad/1558782891_795289.html
³ “Un ‘youtuber’ pone en jaque al partido de Merkel con un vídeo viral”, El País, 23/5/19. https://elpais.com/internacional/2019/05/23/actualidad/1558634251_116333.html