Argentina e Brasil no espelho

O “reformismo permanente” de Macri

Um plano de guerra contra os trabalhadores

 

JOSÉ LUIS ROJO

 

“Nem a ditadura se animou a tanto”. O presidente da Associação de Advogados Trabalhistas, Matias Cremonte, repassou o esboço da reforma  que circula entre sindicatos e advogados e foi taxativo: “É uma lei feita à medida para os empresários”  (Página 12, 31/10/17)

 

Finalmente Maurício Macri começou a revelar as medidas que tinha guardadas sob sete chaves durante os  longos meses de campanha eleitoral.

Sua ação foi astuta, porque a passaram vendendo mentiras e dizendo que não se iria tomar “nenhuma medida que prejudique à população” e terminaram despachando um ataque geral que pega a população olhando para o outro lado.

O ataque é global: trabalhista, tributário, em matéria educativa, previdenciária e se faz sob a desculpa de que as contrarreformas no Brasil “condicionam ao país”

No fundo, é a confirmação do caráter que o governo tem desde o seu primeiro dia de gestão (e que desde nosso partido acertamos em definir): um governo agente direto dos empresários e do imperialismo, ajustador e reacionário.

De toda maneira, seria um erro completo ceder à pressão da desmoralização K, se deixar levar pelo impressionismo. Esta atitude tem um elemento cínico vinculado à política de Cristina de não fazer ondas: colocar a culpa nos que votaram no oficialismo e esperas as eleições de 2019. Em criollo: resistir sem forçar.

Ocorre que, em qualquer caso, as reformas do governo devem passar no parlamento; e se este é um covil de bandidos que seguramente votará muitas delas, também é verdade que converter estes brutais ataques em lei lhes dá um status político que pode terminar favorecendo que se construa um foco de resistência às mesmas.

A traidora burocracia da CGT tem sido um fator chave em toda esta picardia oficialista: se deixou conscientemente “enganar” para não fazer ondas antes das eleições e, agora, resulta que não se trata de uma “negociação sindicato por sindicato” mas, de uma contrarreforma trabalhista brutal com um projeto de lei que tem 56 páginas!.

A tarefa do momento é tornar claro o caráter antioperário e antipopular das novas medidas de Macro e preparar-se para organizar a resistência desde abaixo, enquanto se segue trabalhando por uma alternativa política que surja pela esquerda dos blocos patronais, do macrismo e dos K.

Com o Brasil no espelho

Macri disse que se lança à um “reformismo permanente”. Parece claro que esta nova etapa que inaugura o governo de após se fortalecer nas eleições, expressa um categórico giro à direita de sua gestão.

Na realidade seu caráter de governo direitista e empresarial vinha sendo marcado desde sua assunção há dois anos. Mas, resultou recentemente de o governo aparecer consolidado: com todo o poder para levar adiante as medidas que podiam esperar-se segundo a sua conformação.

Há vários aspectos a destacar. O primeiro é o profundo sentido de classe das medidas e/ou projetos de lei que propõe o ofiacialismo. Seu corte é abertamente patronal, daí que os empresários sejam o setor que está festejando a mais não poder a estas horas.

Se começarmos pela reforma trabalhista, com somente ver alguns de seus eixos (os desenvolveremos por completo em outras notas desta mesma edição) fica claro seu caráter antioperário e o salto qualitativo da exploração dos trabalhadores que se imporá: “O texto que chegou às mãos dos sindicatos, surpreendeu por sua aparência 'à brasileira'. Modifica toda a lei de contrato de trabalho, inclusive alguns pontos que nem (o ministro da jEconomia da última ditadura militar) Alfredo Martinez de Hoz se animou a tocar” (Página 12, 31/010/2017).

Frisemos que nisto Macri não faz mais que seguir a tônica mundial. É o que está ocorrendo na França, no Brasil e em muitos outros países, com as mesmas desculpas: que os trabalhadores teriam “muitos privilégios”, que dessa maneira “não se pode competir” e questões assim, que somente expressam o aperto que está ocorrendo internacionalmente na exploração dos trabalhadores[1].

De concreto é que enquanto se reduz o imposto sobre os lucros empresariais e a carga patronal (entre outros, múltiplos benefícios para os capitalistas!), o projeto de lei macrista aponta para reduzir à metade a indenização por demissões.

Ao invés de tomar o vencimento bruto dos trabalhadores para o cálculo do mês de indenização por ano trabalhado[2], se tomaria simplesmente o básico, que todo o mundo sabe que é muito menor (entre outras coisas porque os empresários sempre tem manobrado para que não se incorpore ao básico somas enormes dos pagamentos dos trabalhadores).

Outro ataque brutal, o mais grave de todos, é que seria habilitado a pactuar convenções à baixa por lugar de trabalho e até por trabalhador em relação à lei de contrato coletivo e à convenção que rege o setor. Uma reforma que se impôs no Brasil e que desmente rotundamente o “compromisso” de antes das eleições de que a “lei de contrato de trabalho não seria tocada”.

De outra parte, outra investida altamente perigosa, é a cantilena macrista de que na Argentina “haveria muitos sindicatos”… A única explicação para muitas das conquistas operárias que subsistem em nosso país, é que a classe trabalhadora está altamente sindicalizada diante da média mundial (37% dos trabalhadores estão filiados).

A crítica ao nível de sindicalização da classe trabalhadora argentina é um clássico que aponta para aprofundar sua fragmentação e incrementar, assim, a sua exploração por parte dos empresários. Querem levar a fragmentação à níveis como os dos Estados Unidos ou de vários países da Europa (para não falar de Chile e outros da América Latina), aonde a sindicalização chega a apenas 10% dos trabalhadores.

Da reforma trabalhista passamos à tributária, que se trata de um verdadeiro escândalo: a mesma não vem mais que ratificar a transferência de riquezas que o governo vem operando desde o começo de seu mandato.[3]

Dizem que a reforma tributária terá efeito fiscal “neutro”. Mas este é um artifício para esconder que tiraram mais de uns, os trabalhadores, e menos de outros, os empresários. É que a reforma tem como um de seus cavalos de batalha baixar a alíquota dos ganhos – as verdadeiras, as dos empresários – de 35% para 25%. o que de toda maneira já é um chiste porque a Argentina figura como a terceiro ou quarto no ranking de maior evasão mundial deste imposto.

Junto com isto, também seria permitido aos empresários descontar aportes do imposto do cheque, além de reduzir a carga patronal sobre seus empregados, questão assinalada acima.

Como contraparte disto está a cantilena de “ampliar a base de arrecadação”. Mas isto o que busca é universalizar cada um dos impostos. Ou seja: aqueles que pagamos todos mas que tem uma carga muito maior sobre os que vivem de salário em relação aos que são milionários.

Aqui existe uma dupla enganação: ocorre que a universalização tributária significa uma norma igual para pessoas desiguais (Marx): pagam o mesmo um milionário que um trabalhador (que ganha o mínimo). Em proporção, o trabalhador paga muitíssimo e o milionário nada. Para o macrismo o imposto “distorsivo” seria o “mais injusto”: àquele que longe de ser universal, faria que paguem os que mais tem!

Se reduz o pagamento dos ganhos empresariais. O que se põe em seu lugar? Por exemplo, um imposto de 17% sobre o IVA e demais impostos que já pagam as aguas gasosas e as cervejas e vinhos, todos os de consumo popular.

Além disso, o projeto é cuidadoso em reduzir o imposto aos verdadeiros ganhos, mas não toca um centavo do aberrante imposto sobre o trabalho: o componente fundamental hoje do imposto sobre “os ganhos” neste mundo de cabeça para baixo que é a Argentina macrista (atenção: este imposto é mantido de pé também pelos K!).

E não nos esqueçamos da reforma previdenciária, em que novamente se pensa em modificar a forma de calcular os aumentos das mesmas (reduzem também a renda familiar e outros benefícios sociais), para que seu aumento seja em menor proporção do que majorariam estes pagamentos miseráveis com a fórmula de cálculo atual (eles querem aumentar somente pela inflação, o que quer dizer, congelar estes valores na miséria que se paga atualmente)[4].

Um mundo de cabeça para baixo

Qual é o ângulo legitimador destes anúncios? Se trataria de medidas para modernizar o país.

Apoiando-se na corrupção kirchnerista, em seu aproveitamento do poder para enriquecer-se, esta ofensiva antipopular se desenvolverá em nome da luta “contra as máfias que não permitem que progrida o país”, pelo capitalismo de livre mercado como alternativa “superadora” do “capitalismo de amigos”, “estatista” do governo anterior.

No mundo invertido macrista os trabalhadores seriam “privilegiados”; os sindicatos seriam “corporações mafiosas” e o “inimigo” é o trabalhador ao lado. Um novo discurso, uma nova “batalha cultural” para negar como funciona a realidade: que o sanguessuga do operário é o capitalista, que o explora com ritmos de trabalho infernais e lhe paga uma miséria salarial

Se trata de uma “modernização” meio rara porque ao invés de permitir o progresso da sociedade trabalhadora, o progresso se levaria adiante colocando a maioria em uma situação de maior vulnerabilidade: em uma regressão de suas condições de vida, trabalho, salário, acesso à educação, aposentadorias, etecetera[5].

Ocorre que uma verdadeira modernização somente pode advir do desenvolvimento das forças produtivas: do crescimento econômico e da melhoria das condições de vida e trabalho da maioria. Mas nesta matéria a única coisa que consegui Macri, até o momento, é uma recuperação anêmica que simplesmente está colocando ao país nos níveis de 2015 (sem que se verifique, paralelamente, nenhum boom de investimentos, como foi anunciado várias vezes[6]).

O déficit comercial cresce o mesmo que o fiscal. A maior parte das divisas que ingressam no país, vão à banca financeira, portanto, o país se endivida cada vez mais (a debilidade das exportações industriais é uma mostra palmar do que não está em curso nenhuma “modernização” real).

O único crescimento que se verifica tem sido o da construção (que como é sabido não é multiplicador da inversão produtiva junto dos produtos agrários, beneficiados por toda uma série de medidas no começo de 2016 (e agora pela nomeação de Etchevehere, ex-presidente da Sociedade Rural para o Ministério da Agroindústria!).

Portanto, a indústria esmaece em baixos níveis e o emprego privado industrial segue abaixo do de 2015.

Não impressionar-se

É verdade que estas medidas expressam um categórico giro à direita do governo. Também é real que este 2017 parece saldar-se com uma consolidação dos governos reacionários tanto no Brasil como em nosso país (um dado relevante para toda a região).

De um lado, a imensa maioria da direção política patronal “opositora” saiu-se muito mal nas eleições. Se o kirchnerismo sofreu uma derrota digna, de todas as maneiras seu futuro é uma interrogação. Dificilmente Cristina possa ganhar uma nova eleição presidencial. Somente a esquerda aparece com uma força ascendente, ainda que, todavia, de vanguarda e não de massas.

Por outro lado, o papel da CGT (e da CTA) não poderia ser mais vergonhoso. Durante 2016 realizaram somente a mobilização do 29 de abril e neste ano uma greve geral sem continuidade no mesmo mês e depois disso nada mais.

Conscientemente se prestaram ao jogo de que no país “não viria uma reforma tipo Brasil” e agora os trabalhadores amanhecem com um plano de reforma trabalhista escravista.

É evidente que não se pode ter nenhuma confiança na CGT e que a tarefa passa por organizar-se desde abaixo (o que de toda maneira não exclui os burocratas se vejam obrigados a convocar medidas de força devido a dureza do ataque).

No entanto, seria um erro impressionar-se e pensar que o governo já as tem todas consigo, que o plano já passou.

Uma contradição de importância é que ao passar as reformas para as leis, as coloca numa caixa de ressonância política que pode impactar negativamente sobre a sociedade e desatar uma grande crise.

É possível que aproveitem o verão para votar parte deste pacote quando a população está distraída desfrutando de suas merecidas férias.

Mas em algum ponto se vai produzir enfrentamentos. É muito difícil que passe um ataque desta natureza sem enfrentamentos, sem por a prova as relações de forças mais gerais entre as classes.

Agora mesmo, persiste uma prova de forças entorno do caso Maldonado. A canalhice do juiz Lleral ao afirmar que “o corpo não tinha lesões” no dia anterior às eleições, terminou gerando na sociedade o efeito de pensar que morreu “de morte natural” e não em meio de uma repressão da gendarmaria.

A mobilização que se realizou no fechamento desta edição foi de certa importância, perto de 40.000 participantes, mas não pode (não podia) romper com o impasse que dirige a causa por conta da peritagem do corpo de Santiago. Não é demais recordar aqui a recuada dos K (acompanhadas pela FIT), ao negar-se a mobilizar massivamente no dia em que apareceu o corpo, que finalmente serio o de Santiago.

O real é que isso junto das declarações de Lleral e o triunfo eleitoral de Macri, colocam esta luta na defensiva. Uma luta que, ainda assim, não terminou e que poderia tornar a se colocar em causa no caso da peritagem dar um novo giro.

2017 foi um ano de imagens cambiantes. A Argentina tem vivido este ano como se fosse “dois países” e que para tornar-se em um dourado monocromático, deverá passar seguramente por importantes provas da luta de classes.

Enquanto desenvolvemos a tarefa de explicar pacientemente o verdadeiro caráter das medidas do governo e nos preparamos para sair às ruas contra seu ajuste antioperário e reacionário; enquanto seguimos na luta por justiça para Santiago, pomos em marcha, também, todo um sem número de iniciativa para multiplicar as filas de nosso partido.

Não nos deixemos impressionar que no horizonte se veem, seguramente, grandes batalhas nas quais a esquerda pode transformar-se, em nosso país, numa força histórica!

 

[1] Se trata de uma nova ronda de ajustes estruturais no marco da crise aberta em 2008. Uma crise que no contexto do giro à direita internacional que estamos vivendo nos últimos anos, se pretende resolver dando um maior aperto nos ataques às conquistas trabalhistas e de aposentadoria dos trabalhadores.

[2] Cálculo que incluí as horas extras, os valores não remunerados, abono de natal, etecetera.

[3] Recordemos a desoneração do agro e das exportações industriais, entre outras.

[4] Agreguemos, de passagem, com as desculpas de que “todo mundo se aposente com a mesma idade”, buscarão diminuir todos os convênios e setores que tem como conquista uma aposentadoria antecipada pela média. Isto para não falar, ademais, da possibilidade de aumento da idade de aposentadoria para todos ou, com sua deterioração, a possível equiparação das mulheres com os homens. Qualquer coisa se pode esperar deste governo patronal.

[5] O que mostra, de passagem, a flagrante mentira de que o objetivo do governo é “reduzir a pobreza”, de conseguir que “cada dia se viva um pouco melhor”… Slogans de campanha à serviço de enganar y confundir.

[6] Assinalemos que os investimentos estão algo em torno de 17%, um percentual baixíssimo até para os padrões históricos da Argentina e muito longe dos 21%  mínimos que se necessita para que o país reproduza de maneira ampliada seu capital, ou seja, cresça de maneira genuína.