O artigo que publicamos abaixo fundamentalmente se localiza entre aqueles que desde os anos de 1950 se posicionam contra todo rebaixamento do materialismo histórico e dialético – iniciado com Kautsky e sistematizado por Stalin – promovido por autores neokantianos, estruturalistas e existencialistas, bem como por marxistas que se filiaram, inteiramente ou não, a uma abordagem neopositivista de O Capital.
Ainda hoje, o problema da retirada dos fundamentos dialéticos da obra de Marx, Engels e até de Lênin, implicam em leituras escolásticas, a modo de Althusser e Stalin, da realidade, do movimento e da construção de partidos revolucionários. É fundamental que todos os que se inscrevam sob a bandeira da revolução socialista, a partir da superação do Estado burguês, do capitalismo, da lei do valor e da divisão de trabalho manual x intelectual, estejam atentos às mudanças operadas pelo capital no campo da modernização tecnológica e de novas formas de exploração baseadas na plataformização digital. Essas, invariavelmente, provocam o aumento da alienação, da mais valia relativa e, também, absoluta em determinados ramos e do incremento da exploração, espoliação e da subsunção real do capital sobre o trabalho para além do ambiente fabril; transformações que exigem uma profunda reflexão que parta, necessariamente, da totalidade da crítica marxista, mas que tem na crítica dialética à economia capitalista o seu instrumental teórico incontornável.
Neste aspecto Ernest Mandel (que não deixamos de reivindicar por sua genialidade mas com o qual temos discordâncias com suas capitulações políticas à burocracia de várias matizes) é brilhante na crítica às posições neo-estalinistas de Louis Althusser, que preocupado com o crescimento do euro-comunismo, revisa Marx e Engels, chamando de forma totalmente equivocada o auxílio de Lênin para corroborar as teses stalinistas do “hegelianismo da dialética Marxista”. Nessa seara vai aceitar inclusive a tese de Stalin, conforme descreve Mandel, de que: “a “lei do valor” é igualmente aplicável à economia soviética (inclusive a toda economia socialista!)”.
A partir do momento em que até mesmo agrupamentos trotskistas reivindicam teses althusserianas para análise da sociedade e do processo revolucionário, se faz urgente o duro combate ao neostalinismo que tem guiado a maioria dos agrupamentos socialistas e alguns teóricos marxistas (Losurdo à sua cabeça) que constroem sínteses (sic) que vão ao contrário de reincorporar o Marxismo no século XXI. Esses pseudo teóricos jogam água no moinho da burguesia e da burocracia para tentar aniquilar qualquer projeto de revolução para o nosso século, apesar de o reaquecimento da época de guerras, crises e revoluções que estamos vivendo abrir espaço para a luta contra toda forma de burocratismo, recolocando a classe operária, seus organismos de autodeterminação e os partidos revolucionários no centro do processo histórico e da revolução no século XXI.
Nesse sentido, publicarmos o artigo, apresentado em Izquierda Web, “Althusser corrige Marx”, numa crítica profunda e mordaz às teses de Althusser que assume atualidade e importância premente. Afinal, é Mandel sendo Mandel.
Redação
Althusser “corrige” Marx
Ernst Mandel responde a Louis Althusser. Polêmica filosófica marxista
Texto publicado na Quatrième Internationale, nº 41. Janeiro de 1970.
O aparecimento do Volume I de O Capital de Marx em edição de bolso [1] é um acontecimento importante. Testemunha a crescente popularidade do pensamento marxista; ou, para ser mais preciso, atesta o fato de que os editores burgueses estão cientes da enorme demanda que podem satisfazer nesse campo, de sua capacidade de transformar O Capital em uma massa de mercadorias cujo valor de troca (e a mais-valia que ele contém) é facilmente realizável no mercado.
Marcuse se lamenta, descobrindo nesse fenômeno a capacidade diabólica da sociedade burguesa de nossa época de reintegrar todos os autores de esquerda, mesmo os “esquerdistas” (dos quais Marx continua sendo o protótipo). Achamos que ele está errado.
O fato de 699 páginas de papel impresso em pequenos caracteres serem vendidas em dezenas de milhares de exemplares, beneficiando uma série de editoras capitalistas, atesta claramente a tendência da sociedade burguesa de transformar tudo o que cai em suas mãos em mercadoria, mas o sucesso da venda do O Capital, como operação mercantil, só é possível porque este livro satisfaz uma demanda social, porque tem um valor de uso. Mas esse valor de uso do O Capital não é, evidentemente, a consolidação do sistema socioeconômico fundado na generalização da produção de mercadorias, ou seja, do modo de produção capitalista. Ao contrário, o valor de uso do O Capital consiste na desmistificação desse modo de produção, contribuindo para sua desintegração e destruição.
Nesse sentido, o aparecimento de O Capital em brochura não é um teste de força, mas das crescentes contradições da sociedade burguesa – assim como a piada de Lênin de que o penúltimo capitalista venderia a corda na qual penduraria o último não é prova da capacidade da burguesia de integrar tudo. incluindo as armas que o combatem. E quando falamos em prova, não pensamos no sentido mais geral e abstrato do termo, mas em seu sentido mais preciso.
A crescente voga das ideias e publicações marxistas na França é consequência do maio de 1968, ou seja, produto da crise revolucionária que abalou a sociedade capitalista francesa e que aumentou consideravelmente o ceticismo quanto às chances de sobrevivência dessa sociedade. Se uma fração da classe capitalista vê nisso uma forma de acumular capital rapidamente antes que o dilúvio a varra com o resto de seus cupinchas, comparsas e concorrentes, que assim seja! Não há motivo para reclamar, pelo contrário.
No entanto, a edição popular de O Capital não ganha muito com a “Advertência” no início, assinado por Louis Althusser. É verdade, nem tudo é ruim nesse aviso. Há algumas dicas pedagógicas úteis nele, embora sejam passíveis de discussão. O objeto do O Capital está precisamente circunscrito: é a análise do modo de produção capitalista, de um modo de produção particular e específico, e não a análise de algumas “leis gerais” que regeriam a vida econômica da humanidade em qualquer época. A natureza da mais-valia – uma das descobertas econômicas fundamentais de Marx – é sucinta e corretamente lembrada. A relação entre O Capital e a análise de Lênin sobre o sistema mundial imperialista está esboçada, ainda que incompleta.[2] A importância e a realidade do conceito de capital social global são corretamente abordadas. Althusser conhece Marx, e é evidentemente preferível que O Capital seja prefaciado por alguém que saiba pelo menos do que se trata do que por algum escriba que veja em O Capital simplesmente a continuação corrigida de A Riqueza das Nações, de Adam Smith, ou um ensaio sobre a necessidade de reorganizar a sociedade com base em certos princípios morais a priori.
Dito isso, essa advertência inicial padece de uma série de falhas fundamentais na leitura de Marx feita por Althusser. E isso nos dá a oportunidade de esclarecer algumas dessas fragilidades – a título de alerta, tanto para os leitores de O Capital quanto para os de Althusser.
As “insuficiências” do volume I de “O Capital”
Louis Althusser expõe um juizo moderado sobre o livro, no prólogo. É verdade, o Volume I de O Capital é um livro brilhante, revolucionário e de alcance histórico. Mas também é um livro insuficiente. Nosso crítico severo resume sua opinião sobre tais insuficiências da seguinte forma:
“O livro I também contém outras dificuldades teóricas, ligadas às anteriores ou a outros problemas.
Por exemplo, a teoria da distinção a ser introduzida entre valor e forma-valor, por exemplo, a teoria da quantidade socialmente necessária de trabalho; por exemplo, a teoria das necessidades sociais, etc. Por exemplo, a teoria da composição orgânica do capital. Por exemplo, a famosa teoria do “fetichismo” da mercadoria e sua posterior generalização.
Todas essas questões – e muitas outras – constituem dificuldades objetivas reais para as quais o Livro I oferece soluções provisórias (sic) ou soluções parciais. Qual a razão dessa insuficiência?”
Althusser responde a essa pergunta com duas razões. Em primeiro lugar, porque Marx já tinha em mente todo O Capital no momento de escrever o Volume I e não conseguiu encaixar todos os quatro volumes em um só, daí o caráter antecipatório da análise (Althusser tem o cuidado de não acrescentar que uma exposição simultânea de todas as descobertas econômicas de Marx em um único volume se encontra nos Grundrisse, obra que ele não aprecia porque lhe parece excessivamente “influenciada pelo pensamento de Hegel“). Em segundo lugar, deve-se ao fato de que o próprio O Capital carrega consigo certos traços da sobrevivência “na linguagem e no pensamento de Marx da influência do pensamento de Hegel“.
Assim, temos o Capital e o pobre Marx no banco dos réus. Ambos cheiram um pouco de enxofre e chifre queimado. Os hereges devem ser queimados ou não? Estará o Grande Inquisidor preparando a fogueira, da qual nem a Crítica ao Programa de Gotha nem as Notas Marginais sobre Wagner escaparão? É certo que a redução do “marxismo puro” a essas duas obras ocasionais e polêmicas de Marx é de um caráter tão incongruente que mesmo um homem como Althusser, geralmente desprovido de senso de humor, recua diante do enorme riso que corre o risco de provocar. Por essa razão, O Capital não será queimado, apenas o Volume I será declarado “insuficiente” (não apenas o Volume I, como veremos a seguir).
Mas o Inquisidor, embora muito severo, também é um pouco torpe. O exemplo que ele escolhe para revelar a “influência hegeliana” no pensamento de O Capital revela claramente a inadequação da assimilação do marxismo por Althusser. É o princípio do O Capital que ele põe em questão como hegeliano:
“Aprisionado em uma concepção hegeliana de ciência (para Hegel não há outra ciência senão a filosófica, e a esse respeito toda ciência verdadeira deve fundar seu próprio princípio), Marx pensou então (sic) que “em toda ciência, o princípio é o mais árduo”. De fato, a Seção 1 do Livro I é apresentada em uma ordem de exposição, cuja dificuldade depende em grande parte desse preconceito hegeliano. Por outro lado, Marx escreveu esse princípio cerca de dez vezes, antes de dar-lhe sua forma “definitiva” – como se ao fazê-lo se deparasse com uma dificuldade que não era meramente da ordem da simples exposição – e com razão.”
Mas do que se trata? É o fato de que Marx inicia a análise de O Capital com a análise da mercadoria. Trata-se de uma concessão à concepção hegeliana de ciência? Não! É a expressão de uma concepção de história baseada na dialética materialista. Não se trata de fazer com que uma “ciência” funde seu “próprio princípio” (dialética idealista), mas de buscar o segredo de um modo de produção em suas origens históricas, materiais e sociais (dialética materialista). A fraqueza fundamental de Althusser reside em sua recusa em distinguir entre os dois métodos, em sua suspeita da dialética materialista como “hegeliana” e em sua rejeição de fato da dialética por essas razões.
Por que Marx começou O Capital com uma análise da mercadoria, não como “hegeliano”, mas precisamente como marxista? Porque, ao contrário do próprio Althusser, ele não queria analisar o modo de produção capitalista como algo estático, como uma estrutura móvel separada do passado e do futuro. O que ele tentou fazer foi resumido “exatamente”, segundo o próprio Marx, na seguinte fórmula: “Esclarecer as leis que regem o nascimento, a vida, o crescimento e a morte de um dado organismo social, e sua substituição por uma (ordem) superior”.[3] E desde o momento em que o projeto científico de Marx é assim compreendido, o princípio do O Capital deixa de ser um simples “flerte hegeliano”, ou o que é pior, uma concessão à concepção idealista de ciência que fundamenta “em si mesmo seu próprio princípio“, para se tornar uma resposta à pergunta: De onde vem o capitalismo? Quais são suas contradições essenciais? O capitalismo é a produção de mercadorias generalizada; é o modo de produção em que, pela primeira vez na história das sociedades, a força de trabalho e os demais meios de produção são convertidos em mercadorias. Desvendar os segredos da mercadoria nas relações de produção que a criam é desvendar as contradições fundamentais do próprio modo de produção capitalista. Pois essas contradições estão contidas no germe na própria mercadoria.
Althusser tem o prazer de citar Lênin repetidas vezes como o verdadeiro intérprete e o mais puro dos pensadores marxistas (totalmente livre de sua escória hegeliana). Mas qual é a opinião de Lênin sobre o assunto em questão? Vejamos o que ele diz em seus cadernos sobre a Lógica de Hegel:
“Inverter: Marx aplicou a dialética de Hegel em sua forma elaborada à economia política…
Como a forma simples do valor, o ato singular de trocar uma dada mercadoria por outra mercadoria já contém, de forma não desenvolvida, todas as contradições do capitalismo, mesmo a mais simples generalização, a mais elementar formação de conceitos (juízos, conclusões etc.), já significa a compreensão constantemente progressiva por parte do homem das relações profundas e objetivas de interconexão do mundo. É aqui que devemos procurar o verdadeiro significado e o real significado da lógica de Hegel.“[4]
E também, na mesma linha:
“Se Marx não deixou uma Lógica (com L maiúsculo), se nos deixou a lógica do O Capital, e isso deve ser explorado ao máximo na questão que nos interessa. Em O Capital, a lógica, a dialética e a epistemologia do materialismo (não há necessidade de usar esses três termos: se trata de uma só coisa) são aplicadas a uma disciplina, que se apropriou de tudo o que era válido em Hegel e o desenvolveu além de seus limites idealistas.
Mercadoria – Dinheiro – Capital – produção de mais-valia absoluta – produção de mais-valia relativa. A história do capitalismo e a análise dos conceitos que o sintetizam.
O princípio – o mais simples, o mais comum, o elemento mais imediato do “ser”: a mercadoria particular. Sua análise como análise de uma relação social. Uma análise bilateral, dedutiva e indutiva – lógica e histórica (as formas de valor).
O controle pelos fatos, ou seja, pela prática, opera aqui em todos os momentos de análise.
Cf. a propósito da questão da “essência” (Wesen) e da “aparência” – preço e valor – demanda e oferta versus “valor” – (do trabalho cristalizado) – salário e preço da força de trabalho.”[5]
Como vimos, Lênin aprova e aprecia em seu devido valor o método empregado por Marx na elaboração do Capítulo I de O Capital. Vê nele até a característica específica da dialética materialista aplicada por Marx ao estudo das relações capitalistas de produção. Ele não define – como Althusser – esse método marxista simplesmente como uma investigação com conceitos abstratos que permitem a análise de uma realidade abstrata (o modo de produção capitalista em geral). Lênin o define como a unidade de dois opostos, dedução e indução, como a síntese de dois opostos: “História do capitalismo e análise dos conceitos que o resumem“, ou seja, ao mesmo tempo capitalismo abstrato e geral (sem esse trabalho de abstração, nos perdemos em mil detalhes insignificantes, não significativos, não podemos apreender as tendências do desenvolvimento histórico, abandonamos os despojos para perseguir uma sombra) e o capitalismo concreto e historicamente desenvolvido (sem esse retorno ao concreto e à história, sem essa “verificação pela prática”, é fácil nos perdermos em abstrações irreais, alheias à realidade social que estamos tentando entender para mudá-la).
Estamos curiosos para saber o que Althusser pensa dessas passagens de Lênin, cheias de profundidade e sabedoria, sobre o método de Marx. Lênin também confundiu hegelianismo e marxismo? Ele também é suspeito de heresia? Deve ser queimado junto com o Capítulo I do Volume I de O Capital?
Teoria do Valor do Trabalho: A Composição Orgânica do Capital e as Leis de Desenvolvimento do Capitalismo
A incompreensão de Louis Althusser do Capítulo I do Volume I de O Capital e sua rejeição da dialética materialista que integra a análise dedutiva abstrata e a análise genética histórica o levam a uma série de erros teóricos importantes. Dois desses erros aparecem na sua “Advertência” na edição de O Capital publicada pela Garnier-Flammarion.
Quando ele dá conta das “grandes dificuldades” teóricas do Livro I, em primeiro lugar aquelas que estão reunidas na terrível seção I… Sobre a teoria do valor-trabalho, afirma:
“Vou dar em poucas palavras o início da solução.
A teoria do “valor-trabalho” de Marx, que todos os “economistas” e ideólogos burgueses repreenderam com condenações irrisórias, é inteligível, mas apenas como um caso particular da teoria que Marx e Engels chamaram de “lei do valor”, ou a lei da distribuição da quantidade de força de trabalho disponível pelos vários ramos da produção, distribuição indispensável à reprodução das condições de produção“.
A “solução” que propõe é particularmente lamentável, contradiz a letra e o espírito dos escritos de Marx e Engels sobre o assunto. Em nenhum lugar Marx menciona uma “lei do valor” como uma teoria geral aplicável a todas as sociedades. O que Marx está explicando é que toda sociedade humana deve efetivar uma determinada economia em seu tempo de trabalho, uma distribuição mais ou menos proporcional dessa força de trabalho entre os diversos ramos da atividade econômica e social. Mas essa lei geral – na verdade, é uma lei geral – não se confunde com a “lei do valor”, que nada mais é do que uma aplicação particular dessa lei a um tipo específico de organização socioeconômica, uma sociedade baseada na produção de mercadorias.
Althusser refere-se à Crítica do Programa de Gotha como o texto econômico mais maduro de Marx. Se houvesse prestado atenção à questão da “lei do valor” teria notado o que Marx diz nesta obra:
“Dentro de uma sociedade cooperativa (genossenschaftlich) baseada na apropriação coletiva dos meios de produção, os produtores não trocam seus produtos; nem o trabalho necessário para produzir esses produtos aparece como o valor desses produtos, como uma propriedade objetiva (sachlich) desses produtos, pois agora, ao contrário do que acontece na sociedade capitalista, o trabalho individual faz parte do trabalho total imediatamente e não por um desvio.“[6]
No capítulo I do volume 1 de O Capital, Marx afirma explicitamente que a produção mercantil e a produção de valor só existem porque esse trabalho social global é fragmentado em trabalho privado realizado independentemente um do outro (p. 69 da edição Flammarion de O Capital). E aí reside todo o sentido da famosa “lei do valor”: essa lei cumpre a função de restabelecer espontaneamente essa distribuição proporcional da força de trabalho entre as diferentes atividades econômicas que, em uma sociedade não mercantil, é realizada conscientemente por uma decisão da coletividade, seja pela rotina, pelos costumes ou ritos de uma sociedade primitiva, como através do planejamento socialista em uma sociedade socialista (baseado em “produtores associados”, para usar a fórmula de Marx).
Por conseguinte, é inadmissível confundir a lei geral com a sua forma particular de aplicação ao sistema de produção de bens. Longe de ser uma “aplicação particular” de uma “lei mais geral” chamada “lei do valor”, a teoria do valor-trabalho explica precisamente por que e como essa “lei do valor” sucede à “economia direta do tempo de trabalho” que rege as sociedades pré-mercantis. Mas, para admitir isso, Althusser teria que reintroduzir a história em O Capital, o que ele teimosamente se recusa a fazer. Acima de tudo, teria que admitir que o Capítulo I do Volume I (onde tudo isso é explicado em profundidade, embora em linguagem que às vezes dificulta a compreensão) é algo mais do que um mero flerte com a terminologia hegeliana.
Acrescentemos que o grave erro teórico cometido por Althusser sobre a questão da “lei do valor” está relacionado à sua formação ideológica stalinista, à sua relação ambivalente e ambígua com o stalinismo. Como se sabe, foi Stalin quem forneceu um certificado de ortodoxia a essa revisão fundamental do marxismo, que consiste em afirmar que a “lei do valor” é igualmente aplicável à economia soviética (inclusive a toda economia socialista!). Althusser nos promete uma análise do “que se chama com uma expressão que nada tem de marxista: o período do culto à personalidade” (p. 23). Se quiser seguir um bom conselho, recomendamos partir desta questão – e da Crítica do Programa de Gotha – para entender as raízes da degeneração burocrática do Estado soviético. Tentar explicá-lo a partir deste crime particular de Stalin de fazer do prefácio de Marx à Contribuição à Crítica da Economia Política seu texto de referência, o que certamente o levaria a um impasse teórico.
O segundo erro teórico de Althusser diz respeito à questão da composição orgânica do capital. Ele descobre “um grande mal-entendido que deriva da necessidade de ler atentamente o texto de Marx.” Segundo Althusser, “a grande maioria dos leitores” teria visto na “composição orgânica do capital” (a razão entre capital constante e capital variável) uma “teoria da empresa”, ou, para usar a terminologia marxista, uma teoria da unidade de produção.
No entanto, Marx diz exatamente o contrário: ele sempre fala da composição do capital social total, mesmo que o faça na forma de exemplos de aparência concreta.” (pág. 23).
É possível que certos economistas burgueses vejam na questão da composição orgânica do capital, antes de tudo, uma “teoria da empresa”. Althusser tem razão ao lembrá-los de seu erro (temos que lembrá-lo, de nossa parte, que quase todos os comentaristas marxistas, ou aqueles que se julgam marxistas, evitaram esse erro elementar). Mas Althusser se engana quando deduz disso que Marx sempre fala da composição orgânica do capital social, ou seja, do capital em seu conjunto, e desse capital social apenas.
Toda a teoria marxista da distribuição equitativa da taxa de lucro, ou seja, toda a teoria marxista da competição capitalista, baseia-se na existência de uma composição orgânica diferente do capital em cada um dos ramos de produção. Esse conceito pode ser encontrado na segunda parte do Volume III de O Capital (capítulos 8 a 11). Também desempenha um papel importante na teoria marxista da renda fundiária. Para não cansar o leitor com longas citações, apresentaremos apenas uma:
“Mas…se capitais de igual valor em diferentes esferas de produção produzem lucros desiguais, devido à sua composição orgânica diferente, segue-se que os lucros de capitais desiguais em diferentes esferas de produção podem ter uma relação diferente com a relação proporcional às suas respectivas dimensões.”[7]
Se mencionamos esse erro de Althusser, o fazemos não por pedantismo, mas para destacar a fragilidade metodológica do autor. Como já dissemos, a “Advertência” de Althusser não menciona o aspecto do objeto de O Capital que é mais importante para o próprio Marx: as leis de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Mas essas leis de desenvolvimento derivam da concorrência (isto é, da propriedade privada dos meios de produção e da produção generalizada de mercadorias). Mas a palavra concorrência se menciona apenas na “Advertência”, por exemplo, não intervém nas páginas 14-15 para explicar as razões pelas quais O Capital desenvolve cada vez mais o maquinismo. Althusser tem razão quando atribui grande importância ao conceito de “capital social” criado por Marx. Mas se engana quando perde de vista que, para Marx, o capitalismo é “um capital social” que só pode aparecer na forma de diferentes capitais, ou seja, que sempre pressupõe concorrência.[8] Está aí o erro metodológico fundamental que nos revela esse “pequeno” erro sobre a composição orgânica do capital.[9]
Althusser e o materialismo histórico
Esse mesmo erro metodológico está relacionado à passagem mais curiosa da “Advertência”: um ataque próprio ao prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política, de Marx:
“O último traço da influência de Hegel, desta vez flagrante e extremamente nociva (já que todos os teóricos da ‘reificação’ e da ‘alienação’ encontraram nela motivos para ‘fundar’ suas interpretações idealistas do pensamento de Marx): a teoria do fetichismo (‘O caráter fetichista da mercadoria e seu mistério’, Parte IV do Capítulo I da Seção I).
Como se compreenderá, não posso alongar-me aqui sobre todas estas questões, o que exigiria uma boa demonstração. No entanto, aponto-os porque, com o muito equívoco e (j’ay!) famoso prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política (1859), o hegelianismo e o evolucionismo (o evolucionismo é uma forma vulgar de hegelianismo) que abundam nele, causaram verdadeiros estragos na história do movimento operário marxista. Gostaria também de salientar que em nenhum momento Lênin cedeu à influência dessas páginas hegeliano-evolucionistas, que lhe permitiram combater a traição da Segunda Internacional, construir o Partido Bolchevique, conquistar, à frente das massas populares russas, o poder do Estado para instaurar a ditadura do proletariado e comprometer-se com a construção do socialismo.”
Althusser não tem sorte com suas feras negras. Ontem era a teoria marxista da alienação. A afirmação de Althusser de que a alienação é um aspecto “pré-marxista”, que estaria praticamente indisponível nas obras posteriores aos Manuscritos de 1844 (“Pour Marx”, p. 246) é insustentável, como mostramos em A Formação do Pensamento Econômico, de Karl Marx.[10] Por outro lado, o próprio Althusser reconhece isso explicitamente na “Advertência”.[11] Mas passa em seguida a sustentar uma nova fera negra que é igualmente insustentável: que Lênin nunca teria cedido à influência “daquelas páginas hegelianas-evolucionistas” encontradas no “Prefácio” da Contribuição.
Mas não é necessário procurar todas as passagens das Obras de Lênin em que essas “páginas hegeliano-evolucionistas” de Marx são citadas com uma opinião favorável, mencionaremos apenas um texto revelador. Durante o segundo semestre de 1914, ao escrever um texto bibliográfico sobre Marx resumindo toda a doutrina marxista, Lênin escreveu o seguinte:
“Uma formulação completa das teses fundamentais do materialismo, tal como aplicadas à sociedade humana e à sua história, é dada por Marx no prefácio de sua Contribuição à Crítica da Economia Política com estas palavras.“[12]
Segue-se uma longa citação das passagens mais notáveis deste Prefácio, na verdade a mais longa citação de Marx contida neste texto de Lênin que, no entanto, menciona as principais obras de Marx então conhecidas. O mínimo que se pode dizer é que essas “páginas hegeliano-evolucionistas“, longe de terem influenciado Lênin por um único momento, foram consideradas por ele (assim como pela maioria dos marxistas) como “uma formulação completa das teses fundamentais do materialismo” histórico.
Mas as desventuras de Althusser não param por aí. Uma vez que ele considera essa “formulação completa das teses fundamentais” do materialismo histórico como “hegeliano-evolucionista”, será útil citar uma passagem do próprio texto de Lênin dedicada ao marxismo, que lança uma luz muito particular sobre o modo como o Lênin “idealista” (talvez devêssemos dizer o “esquerdista” Lênin) tinha das relações entre “evolucionismo” e “hegelianismo”:
“Em nossa época, a ideia de desenvolvimento, de evolução, penetrou quase completamente na consciência social, mas de maneira diferente da filosofia de Hegel. No entanto, essa ideia, tal como formulada por Marx e Engels com base em Hegel, é muito mais vasta, mais rica em conteúdo do que a noção atual de evolução. Uma evolução que parece reproduzir estágios já conhecidos, mas de outra forma, em grau mais elevado (“negação da negação”), uma evolução em espiral, por assim dizer, e não em linha reta, uma evolução em saltos, de catástrofes, de revoluções, de “soluções de continuidade”: os impulsos internos ao desenvolvimento provocados pelo contraste, o choque das várias forças e tendências que atuam sobre um dado corpo, no âmbito de um dado fenômeno, ou dentro de uma sociedade concreta, a interdependência e a relação estreita e indissolúvel de todos os aspectos de um mesmo e único fenômeno (a história sempre dá origem a novos fenômenos), relação que determina o processo universal, Essas são algumas das características da dialética, a doutrina da evolução mais rica do que a doutrina vulgar.“[13]
Note-se, de passagem, que Lênin, ao contrário de Althusser, imita a “imprudência” de Marx e, por sua vez, integra a “negação da negação” às “leis da dialética“. Althusser, seguindo Stalin, acredita que essa infeliz “negação da negação” não deixou de causar estragos – mas como podemos realmente nos surpreender com a imprudência “marxista” de Lênin?[14] A passagem citada não mostra que Lênin, ao contrário de Althusser, defende francamente o “evolucionismo” (esse “hegelianismo vulgar” segundo Althusser)? E não é o próprio Lênin que carrega esse suposto erro a ponto de preferir um tipo particular de “evolucionismo”, justamente o evolucionismo corrigido por Hegel, a saber, uma concepção de evolução?, do movimento universal, que vê nele não apenas uma sucessão de mudanças graduais, mas também de mudanças abruptas, em saltos, isto é, uma concepção de evolução que integra o conceito de revolução, que concebe o movimento como a unidade de continuidade e descontinuidade? Lênin era da opinião de que esse brilhante conteúdo da dialética de Hegel havia sido preservado por Marx e Engels (“salvos”, diziam os próprios fundadores do marxismo), ao mesmo tempo em que o colocava de pé, isto é, considerando que o movimento fundamental a partir do qual o “trabalho teórico” deve partir é o da realidade material e objetiva da matéria, da natureza, da sociedade humana, e não da “ideia absoluta”. Althusser tem obviamente o direito de ter uma visão diferente, mas não deve apresentar sua opinião sob o rótulo de marxismo-leninismo, pois tanto Marx quanto Lênin disseram o contrário em várias ocasiões.
É difícil entender a contribuição do “evolucionismo” (ou seja, o oposto da ideia de transformação por saltos, por revoluções) no famoso Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política. Por outro lado, temos uma exposição bastante sucinta da doutrina da revolução social, a forma universal da transição de um modo de produção para outro. A crítica de Althusser limita-se ao fato de que a expressão “ditadura do proletariado” não aparece nesse prefácio? Mas, neste caso, eu poderia ter dirigido a mesma crítica ao O Capital, onde essa expressão será buscada em vão. Somente um indivíduo de má-fé poderia afirmar que os representantes de uma doutrina tão complexa e rica como o marxismo revolucionário deveriam ter que reproduzir todos os conceitos básicos dessa doutrina em todos os seus escritos, independentemente de seu objeto e função específicos.
Razões de Althusser
Sem dúvida, será sempre um mistério para nós, e nunca saberemos (a menos que Althusser opte por nos explicar) por que a “influência” que o Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política teria exercido sobre Lênin o teria impedido de lutar contra a traição da Segunda Internacional ou de lutar com sucesso pela conquista do poder na Rússia. sem falar no “obstáculo” que este Prefácio teria constituído para a teoria leninista do Partido e para a construção do Partido Bolchevique. Na realidade, as noções escolásticas que Althusser opõe à dialética materialista de Marx e Lênin estão muito próximas do “evolucionismo mecanicista” de um Kautsky, de um Guesde e dos demais líderes da Segunda Internacional, que levou à vergonhosa capitulação de 1914.
O Prefácio fundamenta a possibilidade de revoluções sociais na observação materialista das crises estruturais dos modos de produção (do conflito entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção). É fundamentalmente o mesmo caminho seguido por todos os marxistas revolucionários, antes e depois de 1914, ao revelar a natureza do imperialismo como a de um regime que conduz a uma crise estrutural do sistema mundial capitalista. Foi preciso opor a esse modo metodologicamente fundamental de proceder todo tipo de sofismas mecanicistas e parciais – esquecendo a lição de Hegel, retomada por Marx e Lênin, segundo a qual a guerra imperialista deve ser vista como “em interdependência e em estreita e indissolúvel relação com todos os aspectos de um mesmo fenômeno, a crise mundial do sistema imperialista” – para que os socialdemocratas pudessem sucessivamente afirmar que o imperialismo era apenas um aspecto do sistema capitalista. entre outros “do capitalismo monopolista“, que a guerra “continha elementos de defesa da pátria realmente ameaçada“, que “o partido não podia separar-se das massas, inebriadas pelo chauvinismo“, para justificar a sua vergonhosa recusa em combater a guerra imperialista, com a qual se tinham comprometido solenemente.
Partindo de uma concepção dialética idêntica da crise do sistema imperialista (do modo de produção capitalista atuando como um todo contraditório, mas unido em escala mundial), pode Lênin concordar em abril de 1917 com a brilhante predição de Trotsky de que, justamente por causa do atraso da Rússia, poderia realizar a revolução “ininterruptamente” e estabelecer a ditadura do proletariado. Pois na época do imperialismo consumado, o domínio dos monopólios imperialistas sobre o mercado mundial e sobre a economia dos países subdesenvolvidos (países em que as classes possuidoras nativas são suas aliadas) bloqueia definitivamente a possibilidade de uma expansão capitalista das forças produtivas nesses países, impede uma solução do problema agrário no âmbito do capitalismo (através de um desenvolvimento da agricultura “ao estilo americano” como meio do sistema capitalista). Lênin ainda pensava pouco antes da Primeira Guerra Mundial, e deixa a esses países outra opção a não ser estagnar em suas estruturas subdesenvolvidas ou uma ditadura do proletariado que colabora com o campesinato pobre.
A “Advertência” de Althusser nada fala dessas escolhas fundamentais que estão na base da ação leninista em 1914 e 1917, assim como considera objetivamente falsa a escolha fundamental feita por Lênin em O que fazer? e na época da criação do Partido Bolchevique.[15] Quando aborda problemas concretos da estratégia operária e revolucionária, fá-lo apenas de forma estéril: “Uma luta de classes deliberadamente confinada ao domínio exclusivo da luta econômica está e estará sempre na defensiva sem jamais poder derrubar o regime capitalista. Só a luta política pode “afundar o navio” e ultrapassar os seus limites; só isso, então, pode deixar de ser uma luta defensiva e partir para a ofensiva. Esse é o problema número 1 do movimento operário internacional, uma vez que ele ‘se fundiu com a teoria marxista‘ (p. 17).” Ou ainda pior: “Marx assim demonstra irrefutavelmente. que até a tomada do poder revolucionário a classe trabalhadora não pode ter nenhum objetivo, e consequentemente nenhum outro recurso, senão lutar contra os efeitos exploratórios produzidos pelo desenvolvimento da produtividade, a fim de limitar esses efeitos”.
Se Lênin tivesse se limitado a essa escolástica, obviamente não teria produzido nem O que fazer?, nem o Imperialismo, nem o Estado e a revolução. Já o Manifesto Comunista nos ensina que toda luta econômica do proletariado é uma luta política a partir do momento em que adquire certa extensão. Por outro lado, qualquer socialdemocrata, de Guy Mollet a Willy Brandt a Wilson e Spaak, aplaudiria alegremente a noção de que “só a luta política pode afundar o navio“. O problema número 1 do movimento operário internacional desde a Primeira Guerra Mundial não é exatamente se perder nas distinções bizantinas entre “lutas econômicas” e “lutas políticas”, entre “defensivas” e “ofensivas”, mas compreender a época da decadência do capitalismo como algo que torna objetivamente possível, periodicamente, a transformação das amplas lutas que o proletariado imediatamente desencadeia (sejam econômicas ou políticas) em lutas orientadas à contestação à totalidade das relações capitalistas de produção e à inversão de poder do Estado.
Foi o que nos ensinou Lênin e os fundadores da Internacional Comunista. Este é o espírito “hegeliano”, ou seja, dialético, do famoso Prefácio. Esta é também, aliás, a principal lição a retirar de Maio de 68 na França. Talvez Althusser tenha se dedicado a essa “correção” de Marx e Lênin para evitar um confronto direto com esse problema?[17] O futuro tem a palavra.
15 de dezembro de 1969
Notas:
[1] Marx, O Capital, Livro I, Paris, 1969 ed.fr, de Garnier-Flammarion, p. 699. A “Advertência” de Alihusser ocupa as páginas 7 a 30. Há uma tradução espanhola em Louis Althusser, Escritos, Laia, Barcelona.
[2] Althusser tem razão quando diz que “a exploração capitalista nas empresas capitalistas (…) ela só existe como mera parte do sistema generalizado de exploração” (p. 24). Mas ele poderia ter aludido às passagens de O Capital que permitem fundar uma doutrina de troca desigual a esse respeito, e não apenas àquelas que se referem à acumulação primitiva.
[3] Althusser tem razão quando diz que “a exploração capitalista nas empresas capitalistas (…) ela só existe como mera parte do sistema generalizado de exploração” (p. 24). Mas ele poderia ter aludido às passagens de O Capital que permitem fundar uma doutrina de troca desigual a esse respeito, e não apenas àquelas que se referem à acumulação primitiva.
[4] V.I. Lênin: ” Zur Kritik der Hegelschen ”Wissenschaft der Logik.” em “Aus dem Philosophischen Nachlass”, Dietz-Verlag, Berlim. 1949. págs. 97-98.
[5] V.I. Lênin: ” Zur Kritik der Hegelschen ”Wissenschaft der Logik.” em “Aus dem Philosophischen Nachlass”, Dietz-Verlag, Berlim. 1949. págs. 97-98.
[6] Em “Ausgewahlte Schriften”, Band II. p. 15. Moskau. 1950. Verlag für fremdsprachige Literatur.
[7] Das Kapital III, 1, p. 128, Hamburgo Otto Meisners Verlag, 1921.
[8] Das Kapital III, 1, p. 128, Hamburgo Otto Meisners Verlag, 1921.
[9] Assinalamos um novo erro de Althusser. Falando em horas extras, ele escreve: “Aparentemente, as horas extras parecem ser ‘muito caras’ para o capitalista, já que ele as paga vinte e cinco, cinquenta, até cem vezes mais do que as horas normais. Mas, na realidade, eles são mais lucrativos, porque permitem que as “máquinas”, cuja vida útil está ficando cada vez mais curta devido ao progresso contínuo da tecnologia, trabalhem o dia todo. Em outras palavras, as horas extras permitem que o capitalista aproveite ao máximo a produtividade.” (PM. pág. 14).
A produção contínua permite amortizar (reproduzir) o capital fixo mais rapidamente, é claro. Marx explicou que a quantidade total de mais-valia anual depende não apenas da massa de capital variável e do nível de mais-valia, mas também da duração do ciclo de reprodução do capital circulante. Althusser teria que mencionar esse fator para que seu raciocínio fosse inteligível. Pois “permitir que as máquinas trabalhem o dia todo” por si só não aumenta a mais-valia, nem um único centavo. Ela é produzida apenas pelo trabalho vivo, não por máquinas. Para que as horas extras aumentem o lucro do capitalista, a taxa de mais-valia deve ser tal que, apesar do trabalho adicional, o trabalhador continue a produzir mais-valia. Se as horas extraordinárias forem pagas o dobro da hora normal, por exemplo, só uma mais-valia superior a 100% torna útil a introdução de horas extraordinárias do ponto de vista do empregador.
[10] Ernest Mandel: La formación de la penseé économique de Karl Marx, Paris. Maspero, 1967, pp. 172-177
[12] p. 21, onde proclama friamente que os Grundrisse são “profundamente marcados pelo pensamento de Hegel”.
[13] Veja-se Lenin: Marx-Engels-Marxism, Edições em língua estrangeiras, Moscou, 1954, pp. 19-20.
[14] “A mesma influência hegeliana se revela na fórmula imprudente do Capítulo XXXII da Seção VIII do Livro I, onde Marx, falando da ‘expropriação dos expropriadores’, declara: ‘É a negação da negação’. A mesma influência hegeliana é revelada na fórmula temerária do capítulo XXXII da seção VIII do volume I, onde Marx, falando da “expropriação dos expropriadores”, declara: “É a negação da negação”. Imprudente, porque não deixou de causar estragos, ainda que Stalin estivesse certo em suprimi-lo por sua conta “a negação da negação” entre as leis da dialética, e influenciado em outros erros mais graves.”
[15] Com a absurda tese de que os trabalhadores não têm dificuldade em compreender a teoria da mais-valia, enquanto os intelectuais pequeno-burgueses que “não têm experiência direta de exploração capitalista, mas são, ao contrário, dominados em suas práticas e em sua consciência pela ideologia da classe dominante, ideologia burguesa” (p. 9). E mais adiante: “O que esses intelectuais têm na cabeça sobre o marxismo são 90% de ideias falsas”.
Sempre pensamos que “a ideologia dominante de qualquer época é a ideologia da classe dominante”; para Althusser, essa verdade primária do materialismo histórico torna-se: “a ideologia da classe dominante é a ideologia da classe dominante”, ou seja, uma tautologia sem sentido. Se os trabalhadores estavam, pelo simples fato de sua experiência, livres da influência da ideologia dominante, por que seria necessário organizar um partido de vanguarda, um partido bolchevique, um partido comunista? Bastaria reunir os trabalhadores e espontaneamente secretá-los, porque constituem “a experiência da exploração”, a doutrina marxista definitivamente constituída. Não é exatamente na ideia oposta, isto é. na ideia da influência predominante sobre os trabalhadores da ideologia burguesa e pequeno-burguesa, que Lênin funda em O que fazer? a necessidade do partido de vanguarda?
Aliás, quem é esse Althusser que faz essas declarações estranhas? Ele não é um trabalhador da Renault, aparentemente. Ele não é um daqueles sinistros universitários de quem ele mesmo diz que 90% das ideias que têm na cabeça sobre o marxismo são necessariamente ideias falsas? Por acaso pretendia Althusser revelar com uma autocrítica ousada, quão pouca atenção daríamos à sua “Advertência”?
[16] Lemos, na “Advertência”, o seguinte: “A questão dos salários é uma questão da luta de classes. Não é uma questão a ser resolvida “por si mesma”, mas através da luta de classes; sobretudo, através das diferentes formas de greve que um dia ou outro levarão à greve geral.”
“Tanto se essa greve geral é puramente econômica (sic) e, portanto, defensiva (“defesa dos interesses materiais e morais dos trabalhadores. É uma luta contra a dupla tendência capitalista de aumentar o tempo de trabalho e diminuir os salários) como se assumisse uma forma política e, portanto, ofensiva (luta pela conquista do poder do Estado, pela revolução socialista e pela construção do socialismo) por todos aqueles que conhecem as distinções de Marx. Engels e Lênin sabem a diferença entre a luta de classes política e a luta de classes econômica” (p. 16).
Aqui a escolástica metafísica coincide quase inteiramente com a apologética. Não se trata da greve geral “em abstrato”, é a greve geral de maio de 1968 que se alude. O “teórico marxista” Althusser corre para ajudar os “práticos” Waldeck-Rochet e Séguy, que teriam razão em “não seguir os esquerdistas”, “já que é preciso saber distinguir entre uma luta de classes econômica e uma luta de classes política”.
É fácil imaginar os golpes que Lênin teria dado a esse filósofo que se perde na política depois de ter perdido o caminho por um tempo no deserto da economia. Oh, mestre, dê-nos uma linha. Dez palavras só de Marx ou Lênin, para nos mostrar que esses revolucionários concordavam com suas divagações metafísicas e concebiam, assim como você, essas “greves gerais defensivas e econômicas” (mesmo que fosse uma greve geral com ocupação de fábricas)!
A falta de vergonha de Althusser não conhece limites, quando se sabe que Lênin analisou a maneira como a Revolução Russa de 1905 desenvolveu a combinação de greves econômicas e políticas em greves de massa, e escreveu que “seria uma falha irreparável se os trabalhadores não compreendessem toda a originalidade, todo o significado, toda a necessidade, toda a importância de princípio dessa ‘mescla’ (de greves econômicas e políticas)” (Lênin, Œuvres, Vol. XVIII, pp. 86-87. Ver também pp. 104-105. Paris. Edições Sociais, 1969). É claro que, com essa concepção leninista da greve de massas, a política do PCF em maio de 1968 não se justifica…
Traduzido do original em https://izquierdaweb.com/althusser-corrige-a-marx/