Apresentamos abaixo a Parte 3 – editada e final – do Relatório Político da Conferência Internacional da Corrente Socialismo ou Barbárie. A última parte de Um Mundo mais perigoso, um mundo mais polarizado foi escrita desde o Brasil. Segundo o autor, o país é um ponto de referência mais universal do que a Argentina, em que pese suas contradições históricas não superadas e a comum lentificaçäo brasileira dos processos políticos internacionais. Veja, também, a primeira e a segunda partes. Boa leitura!
Redação
Um mundo mais perigoso, um mundo mais polarizado – Parte 3
ROBERTO SÁENZ
“Em conexão com o que [é] chamado de analfabetismo pós-literário, o atual dilúvio global de imagens que em todos os lugares e com todos os meios da técnica de reprodução (…) o homem moderno é convidado a permanecer de boca aberta diante de imagens do mundo, ou seja, a uma aparente participação no mundo inteiro [embora, acrescentamos, essa seja também uma potencialidade para a participação humana consciente nos assuntos, R.S.], isto é, no que deveria ser para ele ‘global’; e, além disso, que ele é mais generosamente convidado quanto menos lhe é oferecida uma compreensão dos contextos do mundo, menos ele é admitido em decisões importantes sobre o mundo; que, como ele diz em um conto molúsico, seus olhos estão ‘embotados’ (…) que as imagens, especialmente quando sufocam o mundo com sua proliferação, muitas vezes carregam o perigo de se tornarem dispositivos de eventos, porque, como imagens e ao contrário dos textos, não nos permitem ver nenhum contexto, mas sempre apenas fragmentos do mundo quebrado, isto é, mostrando ao mundo que eles o velam” (Ghünther Anders; 2011; 21) [1]
“Mas: como chamaremos aqueles que conhecem a arte de perguntar e responder se não dialética?” (Crátilo, 390 aC, citado por N.G. Varela)
1- “O futuro chegou” [2]
Que estamos em “outro mundo” é evidente porque novas questões nos “assaltam” diariamente: uma dramática crise ecológica (veja a recente queima da Amazônia)[3], o debate sobre IA (controle humano ou falta de controle?), o problema da ausência de regulação pública das redes sociais, a conquista privada do espaço sideral (Musk et al.), o retorno delirante do perigo nuclear (o cruzamento de “linhas vermelhas” na Ucrânia)[4] e a não menos delirante possibilidade de uma terceira guerra mundial a médio prazo, o regresso das guerras (na Europa, no Médio Oriente e, eventualmente, no Sudeste Asiático) e do militarismo (o processo de rearmamento reiniciado urbi et orbi), bem como o regresso da luta entre as potências imperialistas (tradicionais e não tradicionais), o crescente potencial de autodestruição humana (e destruição da natureza terrena, do nosso habitat), a extrema precariedade da classe trabalhadora (mas também o surgimento de uma nova classe trabalhadora mais massiva e heterogênea do que nunca na história),[5] etc., são algumas das expressões do novo contexto sócio-político-econômico e ecológico em que a humanidade (capitalista) se move neste novo cenário mundial.
O texto de G. Anders que citamos no início desta nota, A Obsolescência do Homem, publicado em 1961, é cético e não vê a reversibilidade das condições dependendo da luta de classes e de suas potencialidades. No entanto, é profundo e antecipatório do perigo da perda de controle da humanidade (capitalista) sobre suas próprias criações.[6] Anderson era um intelectual existencialista de esquerda, ex-companheiro de Hannah Arendt, que permaneceu marxista à sua maneira e não se desviou para uma posição liberal no sentido clássico ianque do termo, ou seja, individualista/progressista como a própria Arendt.
O conceito “molúsico” é muito típico de Anders. É a ideia de que os humanos seriam, nesta época, como os moluscos: muito pequenos e desprovidos de qualquer capacidade de reação. Isso pode parecer assim em certas culturas, como o confucionismo na China ou o bramanismo na Índia, não por acaso em sociedades incrivelmente numerosas – onde, em todo caso, crescem greves e sinais de reinício da experiência histórica – [7] mas não tem tanto impacto no Ocidente, onde em geral domina uma maior individuação, com seu lado ruim do individualismo – especialmente entre as classes médias – e seu lado positivo da autoafirmação.[8] Este último é parte do alcance duradouro do Renascimento, do Iluminismo e do Iluminismo, conquistas da revolução burguesa, da modernidade, hoje questionada pela reação irracionalista da extrema direita.
Parte deste último é que a ideia de “analfabetismo pós-literário” de G. Anders, escrita há mais de 60 anos, é extremamente atual. As pessoas passam o tempo “rabiscando” e “estupefatas” nas redes sociais, e não leem os jornais nem têm qualquer contexto: temos que ler mais em papel e usar menos o celular; dizemos isso particularmente aos jovens militantes.
Nesse último sentido, vejamos o que aponta o Estadão, tradicional jornal conservador de São Paulo: “As crianças não estão se aprofundando nas questões; O conhecimento está se tornando muito baixo. Isso é ruim, leva à polarização e ao extremismo [por causa do baixo nível cultural geral que dá espaço a qualquer teoria da conspiração, RS]. Estar continuamente exposto a uma tela faz com que as crianças não façam as conexões necessárias. Elas perdem a ‘janela de oportunidade’ para formar sua rede cerebral apta para a vida” (19/09/24).
E, no entanto, esse contexto “distópico”, essa “era de catástrofes”, tem sua reversibilidade dialética: estimula materialmente uma luta de classes mais polarizada e radicalizada, como quando Lênin, em plena Primeira Guerra Mundial em 1915, anunciou que uma “situação revolucionária” havia se aberto na Europa. O revolucionário dessa situação extremamente bárbara da guerra mundial era que fazer marchar as pessoas á frente de guerra, arrancando-as violentamente de suas vidas diárias, se tornaria como um bumerangue sobre o próprio capitalismo, assim como aconteceu com a Revolução Russa de 1917.
Hoje não se trata simplesmente do crescimento da extrema-direita; esse crescimento é evidente, mas ver apenas isso é de enorme cegueira política! Trata-se, dialeticamente, de apreciar que todos esses fenômenos são uma provocação cotidiana ao “corpo vivo” da humanidade explorada e oprimida, um corpo vivo que mais cedo ou mais tarde explodirá em defesa de seus direitos. Sem dúvida explodirá! A única questão que permanece é como e quando. Em todo caso, as tarefas do socialismo revolucionário de hoje são preparatórias para o momento dessa “explosão”.
O que foi dito acima não diminui o fato de que é evidente que não estamos diante de um ascenso da luta de classes. A conjuntura internacional, como veremos em breve, é reacionária com elementos de crise permanente. Subjetivamente, a crise de alternativas continua a dominar. E por isso mesmo, parte de nossas tarefas preparatórias é transmitir um balanço prospectivo das experiências anticapitalistas do século passado. Escrevendo esta última parte do nosso relatório do Brasil, fica mais evidente como a necessidade de um balanço do stalinismo pesa entre a militância de esquerda. O mesmo não parece acontecer – não tão agudamente – no “microclima” da esquerda argentina, um país dinâmico, mas hoje pouco cosmopolita.[9]
Daí as declarações equivocadas de intelectuais de esquerda argentinos como Juan Dal Maso (militante do PTS), que afirma muito vagamente o seguinte: “Outro aspecto a destacar das elaborações de Trotsky [já começamos mal, porque as elaborações de Trotsky sobre o stalinismo não eram ‘outro aspecto’, mas metade de suas elaborações, e, talvez, o mais importante, R.S.] é sua explicação da burocratização da Revolução Russa e do fenômeno do stalinismo. Embora seja verdade que o interesse das novas gerações pelo socialismo não é necessariamente afetado pelo impacto da experiência dos chamados ‘socialismos reais‘, nenhum projeto socialista ou comunista pode escapar às conclusões dessa experiência” (grifo nosso: “Trotsky, en su siglo y el nuestro”).
Além da contradição da lógica formal entre a primeira e a segunda afirmações (“as novas gerações não são afetadas” / “nenhum projeto socialista ou comunista pode escapar das conclusões”), Dal Maso perde o fato de que as novas gerações da vanguarda são de fato afetadas pela experiência do stalinismo: é por isso que domina espontaneamente o autonomismo, ideias anti-partido e anti-organização, etc. Sem mencionar o rastro de despolitização e falta de um horizonte alternativo entre as grandes massas do mundo como resultado da crise de alternativas gerada pelo stalinismo.[10]
2- Guerra Mundial em perspectiva?
Há uma mudança no horizonte da humanidade (de suas potencialidades), que se moveu para o bem e para o mal e em vários campos: militar, autocontrole e respeito à natureza. No século passado, houve vários momentos de mudança no horizonte da humanidade que produziram grandes discussões [11] A energia nuclear e as bombas atômicas produziram uma enorme reflexão, e uma mudança de horizonte, porque a capacidade de autodestruição da humanidade é um fato do século passado: Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, inauguraram essa mudança de horizonte. As guerras mundiais também foram uma mudança de horizonte, anterior às bombas atômicas, ligadas à capacidade guerreira destrutiva industrializada [12]. E agora há outra mudança de horizonte: não mais apenas a capacidade de se matar industrialmente e de se autodestruir como humanidade mesmo, mas a capacidade de destruir a natureza, nosso laboratório natural, como diria Marx – o que também, obviamente, leva à autodestruição[13] Somado a isso, agora se está explorando a questão da inteligência artificial (IA), ligada à capacidade da humanidade de controlar suas ações, ou seja, ao número de atos não intencionais que são adicionados com a inteligência artificial. Menos mal que para autores “marxistas” como Althusser, o conceito de alienação de Marx não seria marxista. Tremendo stalinista! Não há nada mais alienante e potencialmente distópico do que a IA se não estiver sob o controle da humanidade explorada e oprimida.[14]
Como podemos ver, isso se refere a discussões filosóficas, porque a discussão da bomba atômica se refere à capacidade humana de se autodestruir, e com a IA, embora pareça uma distopia (filmes sobre isso já são multitudes, em geral bastante superficiais), quem controla os atos humanos, humanos ou máquinas? Refere-se a discussões profundas que não são abstratas, mas sim potencialidades e barbáries atuais, bem como ao crescente debate público sobre as redes sociais e sua privatização por tipos de extrema-direita como Musk (por exemplo, a proibição da atuação de X no Brasil, que consideramos progressista), que também pretendem conquistar o espaço de forma privada mercantilizando-o (é uma loucura que uma lei social como a lei do valor possa “controlar” leis naturais como as do espaço sideral), etc.[15]
Em toda a discussão sobre inteligência artificial, há uma mudança no horizonte das capacidades humanas e é necessário perguntar como essas capacidades serão gerenciadas. Todas essas são discussões muito contemporâneas que falam de um horizonte obviamente muito diferente daquele de duzentos anos atrás. A humanidade poderia mudar a história (Vico: “conhecemos a história porque a fazemos“), mas não poderia mudar a natureza. Agora pode fazer as duas coisas: mudar a história e manipular a natureza. É outro horizonte; é outro alcance. E depois há o problema de quem controla essas mudanças. É a alternativa de “socialismo ou barbárie” de Rosa, lançada na Primeira Guerra Mundial e atualizada por essa modificação do horizonte da ação humana.
Isso também se conecta – do lado positivo – com nossa análise estratégica da capacidade humana de fazer uma revolução socialista consciente. O estruturalismo e o objetivismo falham aí, porque está sendo visto que é a humanidade que está indo para um lado ou para o outro; que tem a capacidade consciente – nesta época – de modificar as coisas.
E, repetimos, há outras discussões muito atuais: Elon Musk quer tornar privado algo que é coletivo da humanidade, que é a conquista do espaço. É delirante submeter a conquista do espaço ao capricho de um louco de extrema direita, uma “conquista” que era estatal burguêsa, mas pelo menos era de ordem pública, não de ordem privada (a NASA é a instituição espacial do imperialismo ianque; agora, devido a problemas orçamentários, dedica-se a joint ventures com a Space X, empresa de Musk).[16] Isso também fala de uma perda de controle da sociedade sobre suas ações. Há toda uma “galáxia” de novos problemas e, também, de novas necessidades [17]; problemas dramáticos devido ao período reacionário em que estamos.
O segundo problema está ligado à mudança no horizonte da humanidade: o potencial de uma escalada militar interimperialista nuclearizada em um período difícil de prever.[18] Delirante, mas real: mais real do que nos últimos 40 anos ou, talvez, mais real do que nunca. O problema que existe é que o equilíbrio de forças entre os estados imperialistas se desequilibrou. E o paradoxo é que o capitalismo foi capaz de absorver a Rússia e a China economicamente, mas não conseguiu absorver os estados chinês e russo. Do ponto de vista econômico-social, são sociedades mercantilizadas onde a lei do valor rege com certa intervenção do Estado (capitalismo de Estado). Mas o fato de que o imperialismo tradicional não tenha conseguido reabsorver esses Estados como tais, que emergiram como concorrentes do imperialismo tradicional, é um fato paradoxal sobre o qual devemos nos deter.
Qual pode ser a razão para esse paradoxo de ter absorvido às sociedades e não aos Estados, a priori dependentes deles? Isso desafia em tempo real a ideia marxista vulgar da determinação mecânica da política pela economia. E aparece ligado à projeção das classes sociais – ou burocracias de Estado – no plano político. Nos estados absolutistas, as velhas classes feudais controlavam o estado enquanto a sociedade fazia a transição para o capitalismo. Um fenômeno semelhante parece ocorrer aqui, embora “travestido”: a velha burocracia converteu-se-se uma espécie de “burocracia burguesa” que controla certos ramos da produção por meio da propriedade privada, assim como controla o aparato estatal sob formas de “propriedade pública”, ou melhor dito, sob formas de propriedade pública/privada com funcionários do Estado como parte de sociedades anônimas privadas.
O fenômeno é interessante e remete a que as sociedades não são uma “gelatina”. São uma formação social onde os despossuídos, a classe operária, continua despossuída, mas as velhas camadas burocráticas, as “classes políticas” dos velhos estados não capitalistas, foram transformadas em novos burgueses/burocratas, mantendo o monopólio do Estado.
Trata-se, portanto, de uma formação social e de Estado onde uma burocracia burguesa sai a disputar com o imperialismo tradicional porções do globo, a base material clássica das guerras mundiais. E o que é significativo nisso é que o potencial confronto militar que voltou à cena tem as características de ser, eventualmente, um confronto nuclear, ou seja, enormemente autodestrutivo.[19]
A questão é que esse desequilíbrio entre os Estados é, obviamente, cada vez menos amigável. É por isso que a situação é, até certo ponto, tratando com cuidado do caso, agoureira de uma “terceira guerra mundial”. A solução para a questão pode ser revolucionária ou contrarrevolucionária. Mas o conflito é tal que não parece que possa ser resolvido sem derramamento de sangue, como temos apontado em nossos textos sobre a situação mundial (” Guía de estudio sobre la situación mundial: ha comenzado una nueva etapa “, Izquierda Web).
Logicamente, o esquema clássico é a alternativa entre revolução ou guerra mundial, um esquema formulado e traído na época da Primeira Guerra Mundial pela Segunda Internacional. Esperava-se que o movimento de massas liderado pela dita Internacional agisse contra a guerra, mas fez exatamente o oposto: juntou-se à União Sagrada de cada um de seus estados correndo atrás do fervor nacionalista que abundava em cada país no início da guerra.
O problema é que, dados os acontecimentos e as relações de forças, a guerra poderia vir antes da revolução, como na Primeira Guerra Mundial. Isso se verá, mas, em qualquer caso, é hora de impulsionar o renascimento dos movimentos anti-guerra e anti-militarização nos países imperialistas tradicionais e imperialistas em construção.
Em 1921, Trotsky afirmou que o capitalismo trabalha com equilíbrios e com uma ruptura dos equilíbrios, permanente; Bukharin, que era um centrista de direita, tinha “afeição” pelo conceito antidialético de “equilíbrio”, e Trotsky, como também Lenin com sua concepção dialética, estavam inclinados ao desequilíbrio e reversibilidade dos fenômenos: “tudo o que existe está condenado a perecer”, disse Engels parafraseando Hegel; “situação revolucionária”, disse Lenin em 1915.[20] E não parece que o desequilíbrio atual será resolvido sem sangue; daí a militarização. A dinâmica não é ao consenso e ao acordo, mas de ruptura; os tempos dirão, embora a realidade possa nos fazer colidir de frente com essa possibilidade a qualquer momento.
No Oriente Médio, o equilíbrio foi quebrado (no momento do fechamento deste texto, o conflito está se espalhando para o sul do Líbano) E também na Ucrânia, com a particularidade de que os maiores perigos de confronto militar direto entre potências vêm de lá (a “mudança na natureza do conflito” que Putin aponta e faz Biden duvidar de quais novos passos dar na Ucrânia).
3- Os «Kautsky» do nosso tempo [21]
Estamos em uma conjuntura internacional reacionária de crise permanente; uma conjuntura em que nada acaba sendo definido. Em defesa de Gaza e diante de um genocídio que já custou quase 100.000 assassinatos na faixa (5% de sua população de dois milhões),[22] ainda há manifestações de massa na Europa, as últimas e imensa, até onde pudemos ver, em Londres. Um fato fundamental sobre a dinâmica deste conflito é que o objetivo de Netanyahu: destruir o Hamas, uma organização de massas, é impossível e está levando a um estado de guerra permanente (já faz um ano de conflito), ameaçando iminentemente se transformar em uma guerra regional; a recente esplosão dos Beepers no Líbano e Síria é um ato de terrorismo puro e simples do sionismo.[23] A guerra na Ucrânia também não acabou, mas está se intensificando a cada hora e voltou ao centro da cena com as ameaças nucleares de Putin e o renovado armamento da Ucrânia pelos países da OTAN.[24]
Uma questão fundamental aqui é se há um processo internacional de polarização assimétrica na luta de classes ou se somente pesa o polo da extrema direita, algo que temos vindo a tomar de diferentes ângulos ao longo destes três textos. É claro que o pólo de extrema direita é o que mais pesa, caso contrário a situação não seria reacionária. Um fato importante aqui é que, quando a extrema direita chega ao governo, leva para a direita a todo o arco político e sua presença é perdurável. Seja no governo ou não, a extrema direita veio para ficar, e até abriu outro “jogo institucional”: uma dialética entre a presidência, o legislativo e o judiciário conforme o caso, além de uma dialética de todos eles com a rua, esta última de intensidade diferente em cada país.
Este último é visto claramente no Brasil, onde o bolsonarismo, apesar do semigolpe desajeitado e farsesco que tentou quando perdeu as eleições (a invasão do Planalto no início de janeiro de 2023), voltou novamente à contraofensiva e está a caminho de vencer uma eleição histórica nos sufrágios municipais: Boulos já está morto rente a Nunes em São Paulo por sua campanha covarde e eleitoreira. Bolsonaro acaba de realizar um evento na Avenida Paulista com 50 mil participantes e os candidatos bolsonaristas à prefeitura de São Paulo (Nunes e Marçal) dominam a eleição: com a simples soma de seus votos, Nunes triunfa no segundo turno por 20 pontos sobre Boulos, que não consegue apelar à mobilização.[25]
O liberalismo social de Lula e Alckmin está na defensiva porque não mobiliza nem dez pessoas – se recusa a fazê-lo – porque continua aplicando as contrarreformas ditadas pelo feroz neoliberalismo do século 21, embora de forma um pouco mais atenuada, porque é economicista e não desafia as diretrizes conservadoras apresentadas pela extrema direita (neopentecostalismo evangélico está determinado a dominar o carnaval, por exemplo)[26], etc. E também porque o PSOL e todas as suas correntes internas estão absolutamente cooptadas para o governo; a campanha eleitoral de Boulos é completamente despolitizada, e se a dinâmica entre praça e palácio que subsiste na Argentina sob Milei não foi eliminada por esse personagem bizarro (nisso está o relevante sobre a Argentina: sua luta de classes e o peso da ampla vanguarda, mas um peso real, objetivo, da esquerda revolucionária nela), no Brasil a esquerda revolucionária está desorientada e em sério recuo (sobretudo o PSTU pagou caro por seus erros e horrores políticos).
Como uma digressão em relação ao PSTU (e ao morenismo subsistente em geral, seja de direita ou sectário), afirmamos o seguinte: o marxismo revolucionário não pode ser relançado no século XXI com os métodos de pragmatismo que caracterizaram a esquerda trotskista latino-americana no segundo pós-guerra. Nahuel Moreno foi um grande líder, mas não deixou nenhum trabalho escrito ou reflexão sistemática de fundo. Moreno teve a coragem de afirmar que o trotskismo latino-americano era “bárbaro”, mas nem seus seguidores nem o altamirismo assumiram essa definição. A militância puramente empírica cansa e desmoraliza (é o que se vê em muitos ex-militantes no Brasil). A militância atravessada pela reflexão teórico-estratégica e pela visão elevada é invencível.
Portanto, para não se desmoralizar diante de um período que tem tantas complexidades, é preciso lutar arduamente enquanto estuda e elabora criativamente a experiência, ou seja, “heterodoxamente” em bases marxistas. Esta última afirmação parece uma contradição em termos, mas é o contrário: a realidade conta, camaradas. E devemos realizar um estudo meticuloso de nossos clássicos enquanto os aplicamos criativamente para transformar nossas condições de existência.
Arcary faz uma reflexão afiada quando aponta que a realidade se complicou, que o Brasil e o mundo mudaram, que enfrentar as dificuldades atuais não é fácil para as gerações mais velhas da esquerda, que há elementos de decepção entre essas gerações, que as mudanças não são apenas objetivas, mas também subjetivas, etc. (“A esquerda brasileira diante de uma nova era“). Ele erra, no entanto, no diagnóstico e na saída. Seu diagnóstico é excessivamente derrotista; seu marxismo carece de balnço histórico e é muito semelhante, tanto metodológica quanto politicamente, ao marxismo da Segunda Internacional, evolucionista, sem reversibilidade dialética. Arcary e outros intelectuais nos EUA, como Eric Blanc ou Lars T. Lih, são nossos “Kautskys” do período atual, é claro que com menos erudição do que o original.
A extrema direita é parlamentar e extraparlamentar, enquanto a esquerda reformista não é, é apenas parlamentar. Não é fascista, mas “neofascista”, uma diferença de qualidade. É um fenômeno típico do século 21 que toca alguns acordes do fascismo do século passado, mas que não está nem perto disso: ainda carece de tropas de choque; não houve mortes políticas na Argentina, nem no Brasil, nem nos Estados Unidos além do caso dramático de Marielli Franco. É certo que a provocação em palavras precede a provocação em atos: aí estão os ataques contra Bolsonaro e Trump em si, contra Cristina K, sua vitimização, as potencialidades do retorno da violência política em países ainda dominados pela democracia burguesa, etc.
Por isso mesmo, seria um crime político subestimar ou superestimar a extrema-direita, porque ambos os ângulos são desarmantes; cada caso deve ser avaliado em particular. Também é um erro transformar a tática da frente única em uma receita universal. Tal tática requer proporções e, ainda que a usemos, as proporções não são suficientes para forçar os “reformistas” a fazer o que têm que fazer: mobilizar as massas. A reivindicação, a unidade de ação e o impulso à irrupção das massas de baixo de forma independente são mais realistas. Não vemos hipóteses de uma verdadeira frente única que não implique capitular ao quietismo do PT e da CUT como fazem o PSOL, a Resistência e o MES a cada minuto, a cada hora e a cada dia.[27] Pelo contrário, o que pode desequilibrar as coisas hoje no Brasil, um país gigantesco colocado sob tremenda pressão neste mundo de policrise, é uma irrupção em massa vinda de baixo, como aconteceu em 2013, ou como ameaçou no final de 2022, quando Bolsonaro se recusou a reconhecer sua derrota eleitoral. Uma vez que essa irrupção tenha ocorrido, ela terá que ser “navegada” de forma revolucionária (o ângulo crítico de Rosa sobre a socialdemocracia alemã de seu tempo é atual para o Brasil).[28]
A extrema-direita ainda não chegou ao governo da França. Milei ainda não “come os meninos crus”. Quando Hitler chegou ao poder, ele chegou ao poder: eles queimaram o parlamento e baniram todos os partidos políticos. Eles destruíram a esquerda e o movimento operário. Instalaram um regime fascista que aboliu olimpicamente todas as instituições da democracia burguesa (para diferenciá-la do bonapartismo que passa por eles, mas ainda não pode aboli-las). E tudo terminou na Segunda Guerra Mundial. Havia uma definição. No Brasil, França, Estados Unidos, Argentina, etc., há um “cabo de guerra”, as coisas não estão totalmente definidas. E é difícil se definir sem grandes confrontos de classe.
Logicamente, estamos falando dos países que refletem mais ou menos nossa corrente. Na Rússia há uma derrota muito profunda da classe operária que vem acontecendo desde a década de 1930 e, incrivelmente, nunca foi superada, não há sociedade civil. Na China existe uma autocracia burocrático-burguesa bonapartista com elementos incipientes de recomposição da sociedade civil; em todo caso, estamos vindo da derrota de Hong Kong e estamos enfrentando ameaças a Taiwan. No parlamento turco, por outro lado, eles acabaram com um enorme abacaxi por causa de um ataque sexista a uma mulher; há deputados ligados à resistência curda e Erdogan vem se enfraquecendo nas eleições.
Estamos em um “ano eleitoral”. 50% do mundo vai às eleições: o fiel da balança será definido pelo que acontecer nas eleições ianques. A eleição se emparelhou quando os democratas colocaram uma mulher negra, Kamala Harris – embora burguesa e imperialista – como sua candidata. Isso mostra, de forma extremamente distorcida, as reservas progressistas que existem. A revista Time em uma de suas edições recentes aponta o movimento de mulheres nos Estados Unidos como o principal movimento social do país, algo profundo ao qual podemos acrescentar a recomposição operária: o processo de organização de uma nova classe operária na qual continua sendo a principal potência mundial.
No entanto, nada está definido nas eleições dos EUA. Trump pode se tornar o “mártir” diante dos ataques que sofreu, e como a eleição é indireta pelo colégio eleitoral, que dá mais representatividade aos estados mais atrasados do país, se Harris não obtiver uma clara diferença de 4 ou 5 pontos ela pode perder a eleição.
Por outro lado, há duas ou três novidades no campo da luta de classes internacional. Além das marchas pela Palestina que não param, temos o corpo estudantil ianque se radicalizando nas ocupações das universidades; outro fato são os mais de seis meses de resistência praça-palácio na Argentina; Bangladesh, onde o corpo estudantil sobrepujou a polícia e derrubou um governo de 14 anos, colocando em seu lugar o “banqueiro do povo”, aquele que dá os microcréditos (Muhammad Yunus, cercado por jovens em sua posse); as crescentes greves de trabalhadores no norte do mundo, a Samsung na Coréia do Sul e na Índia, etc. E tudo isso sem contar a resistência heroica e invencível do povo palestino e libanês em Gaza, na Cisjordânia e no sul do Líbano, bem como os elementos legítimos da resistência nacional na Ucrânia contra a Rússia.
4- Construir-nos como organizações políticas militantes
A grosso modo, no cenário político do Ocidente (América e Europa Ocidental) existem quatro forças de peso díspar: a extrema direita em ascensão, o centro burguês em acentuado declínio, a centro-esquerda de frente popular que resiste com o jogo do voto útil e da polarização eleitoral, e a esquerda revolucionária. Esta última é vista quase exclusivamente na Argentina, onde é um “homem das cavernas”, mas independente e mantém, para o bem ou para o mal, seu peso histórico desde os anos 80. A esquerda argentina, ao contrário da esquerda francesa e brasileira, não é puramente propagandística nem está totalmente adaptada ao jogo institucional. Ela faz política e é capaz de liderar setores de vanguarda, além de ter voz no concerto político nacional.[29]
Ao contrário, no resto do mundo vemos a esquerda absorvida pela centro-esquerda: o DSA absorvido pela esquerda do Partido Democrata e muito “leve”, linha jacobina da centro-esquerda; o NPA de Besancenot e Poutou absorvido pela Nova Frente Popular; Resistência, MES e outras correntes absorvidas pelo PSoL. É verdade que existem grupos independentes, como o PSTU no Brasil, o NPA-R na França, etc., mas em geral são grupos sectários e muito marginalizados.
Somente na Argentina se mantém a equação de quatro mais um, a FITU e o Novo MAS, independente do peronismo, com dinamismo em geral, e isso não vai mudar (já escrevemos em nossos dois textos anteriores críticas aos momentos políticos e construtivos das principais forças da FITU).
O primeiro divisor de águas é se a esquerda revolucionária é independente ou não, de independência de classe ou de conciliação de classes. A segunda linha divisória é a conotação revolucionária: adaptação ao jogo do regime ou independência dele, sem cair no sectarismo antiparlamentar.
Para além disso, o que é concreto é que estão colocadas as tarefas para a construção de nossos partidos como organizações de vanguarda combativas e militantes, preparatórias para os grandes confrontos de classe que estão por vir. Uma construção orgânica dentro da juventude, do movimento de mulheres e LGBT e da classe trabalhadora e, também, no campo eleitoral e na construção de nossas figuras.
Outro terreno muito importante também está colocado neste momento: fazer parte e impulsionar o relançamento estratégico do marxismo, que está passando por um renascimento, questionando-se em torno dos grandes problemas de nossa contemporaneidade: o relançamento da perspectiva autêntica da revolução socialista, a questão ecológica, o crescimento sideral da marxologia em torno do Mega 2, a renovação da análise geopolítica e do capitalismo no século XXI, etc.[30]
De nossa parte, a contribuição que nossa corrente vem dando está crescendo. A construção do Nuevo MAS na Argentina mostra o ¡Ya Basta! com crescente influência entre os jovens estudantes, juntamente com o trabalho operário tradicional e de longa data e Las Rojas como um dos grupos de gênero de maior prestígio. A figura de Manuela Castañeira aparece como uma das principais figuras da esquerda do país, embora não ocupe um cargo parlamentar. O Sitrarepa, primeiro sindicato de trabalhadores por aplicativo do país, está cada vez mais consolidado como referência nacional e participante fundamental dos Congressos Mundiais de entregadores em Los Angeles, EUA. Os campos anticapitalistas e internacionalistas estão crescendo ano a ano. E acabamos de sair do lançamento nacional e internacional da obra Marxismo e a Transição Socialista (o projeto atual é sua publicação em quatro idiomas: espanhol, inglês, francês e português), além do crescimento de nossa revista eletrônica teórico-política semanal, Marxismo no século 21. Nossa corrente internacional vem crescendo no Brasil, França e Costa Rica, com um projeto desembarcando nos Estados Unidos, com uma construção saudável e revolucionária e uma dinâmica lenta, mas sempre ascendente, com um critério militante extraordinário que pode dar um salto de qualidade nos próximos anos, dependendo da luta de classes.
Não queremos construir uma seita internacional. No calor da luta de classes, construindo nossa corrente e um perfil programático claro e profundo, queremos contribuir para um eventual reagrupamento das correntes revolucionárias que podem ser colocadas como uma necessidade objetiva e uma possibilidade subjetiva.
Socialismo ou Barbárie plantou a bandeira. Após 20 anos de enormes esforços, estamos prestes a dar um salto de qualidade.[31]
Adendo: Sobre o Facilismo e seus congêneres
No outro extremo do derrotismo, existem correntes que negam a realidade e as dificuldades que ela acarreta; são fácilistas, em alguns casos com a combinação do eleitoralismo. Por exemplo, o PTS argentino. Seu dirigente escreveu um longo ensaio onde fala de uma potencial “primavera dos povos como a de 1848“, mas eles não dizem uma única palavra concreta sobre a dialética de hoje: a bipolarização assimétrica da luta de classes que estamos vivendo. Muito menos dizem uma palavra sobre o legado do stalinismo e a crise subsistente de alternativa, que tem seu peso na realidade subjetiva de nossa classe (o artigo em questão é “A situação mundial e o espectro da primavera revolucionária de 1848“).[32] Ele fala corretamente da “qualidade fluida, não linear e confusa da vida intelectual nas décadas de 1830 e 1840“, comparando-a ao que está acontecendo hoje, mas ele perde completamente de vista o fato de que as coisas são mais determinadas hoje. O fenômeno da extrema direita está simplesmente ausente em sua análise comparativa: não basta falar de uma circunstância “confusa” nesse sentido. Seu exame representa um raro salto em relação à experiência do século passado, com a qual ele não é confrontado. Há três textos de sua autoria (junto com Maiello): o mencionado e outro intitulado “Rumo a uma configuração pré-guerra entre potências no cenário internacional?” (há outro que não lemos porque soa como pura autoproclamação e redução olímpica do mundo à Argentina).[33]
Faremos apenas duas apreciações sobre estes textos. Um, como acabamos de apontar, que a análise comparativa entre a situação pré-1848 e a realidade de hoje não tem fundamento. A análise é baseada em dois livros do renomado historiador Christopher Clark, que não lemos (“Sonámbulos. Cómo Europa fue a la guerra de 1914” e “Primavera revolucionaria. Peleando por un nuevo mundo, 1848/49”). Nossa avaliação é que Albamonte e Maiello não inserem a potencial primavera, ou seja, a eclosão revolucionária global produto das atuais contradições dramáticas do capitalismo (policrise e polarização, para ser breve) na dinâmica política real do mundo atual.
O que “pega” a população explorada e oprimida é justamente a aguda dinâmica polarizadora, ausente em sua análise. Uma dinâmica cujo polo mais forte hoje está girado a direita ou extrema direita, o que coloca, materialmente, um rebote à extrema esquerda. Mas isso é algo que ainda não aconteceu e que requer uma análise concreta para entender como isso acontecerá, contrapondo-se às visões estáticas que veem desenvolvimentos à direita sem qualquer dialética sobre a reação do “corpo vivo da humanidade” a tal dinâmica de barbárie. Afirmamos isso para além do fato de que concordamos que há uma maior entrada da classe operária na lista (embora ainda de forma vingativa e especialmente no norte do mundo) e que a recuperação revolucionária que prevemos certamente será um tanto “desajeitada” no início, porque viemos com as forças enfraquecidas do marxismo revolucionário dadas as dificuldades das últimas décadas (ou seja, com enormes problemas de direção).
Em segundo lugar, o paralelo com as circunstâncias que levaram à Primeira Guerra Mundial é corretamente matizado: é feito de maneira cuidadosa, o que é correto, porque o potencial confronto militar interimperialista irrompeu na cena, mas ainda faltam desenvolvimentos para que se concretize.
No entanto, o que chama a atenção é que, ao adotar a fórmula de Lênin de forma mecânica (como uma época de crises, guerras e revoluções pura e simples, unidirecionalmente), eles perdem de vista os elementos de reação e barbárie que são conaturais ao novo cenário mundial que estamos atravessando. Ainda não estamos diante de um ascenso da luta de classes, mas em um momento preparatório que seria muito diferente se já estivéssemos em uma situação revolucionária e de radicalização total. Poderíamos dizer que a atual situação mundial é “revolucionária” no sentido do significado objetivo que Lênin deu à sua fórmula em 1915 – por causa da mudança dramática nas condições de vida das pessoas que são tiradas da normalidade – mas de forma alguma é esse o caso do ponto de vista subjetivo dos explorados e oprimidos.[34]
O que fica, em resumo, é uma análise da realidade mundial com elementos fácilistas que não armam adequadamente para as complexidades e a riqueza da nova etapa que enfrentamos em todo o mundo.[35]
Bibliografia
Emilio Albamonte y Matías Maiello, “La situación mundial y el espectro de la primavera revolucionaria de 1848”, izquierda diario, 2/06/24.
“¿Hacia una configuración pre-guerra entre potencias en el escenario
internacional?”, izquierda diario, 2/06/24.
Valerio Arcary, “Análise de conjuntura”, esquerda on line, 09/09/24.
“La izquierda brasileña ante una nueva época”, Jacobin lat, 16/09/24.
“Dez anos de “inverno” reacionário, esquerda on line, 08/08/24.
Gunther Anders, “La obsolescencia del hombre”, Pre-Textos, España, 2011.
Juan Dal Maso, “Trotsky, en su siglo y el nuestro”, izquierda diario, 25/08/24.
Federico Dertaube, “Cuba, ayer y hoy: entrevista a Frank García Hernández”, izquierda web, 26/05/24.
Roberto Sáenz, “Brasil depois de Bolsonaro: notas sobre uma “sociologia política”, esquerda web, 15/11/2022.
“Um mundo mais perigoso, um mundo mais polarizado”, esquerda web, 08/09/24.
“A crise da democracia burguesa“, esquerda web, 12/09/24.
Antonio Carlos Soler, “Conciliação de classes favorece a contraofensiva bolsonarista. Derrotar a extrema direita nas urnas e nas ruas é o único caminho”, esquerda web, 15/09/24.
Nicolás González Varela, “Nuestra Señora la Dialéctica”, izquierda web, 27/07/2024.
Marcelo Yunes, “Introducción a India: sueños y realidades de una aspirante a potencia global”, izquierda web 08/07/2024.
NOTAS:
[1] Deve-se lembrar que o historiador Eric Hobsbawm, quando falou do século XX (e o mesmo com Enzo Traverso), falou de uma era de extremos. Bem, poderíamos dizer que estamos diante de uma nova era de extremos em crescimento, em pleno desenvolvimento.
[2] Este subtítulo nos lembra uma letra da banda argentina Los redonditos de ricota que se parece mais ou menos com isso: “O futuro chegou, o futuro já chegou, o futuro chegou como você não esperava, o futuro já chegou”.
[3] Em palestra recente na Universidade de São Paulo, Plinio Arruda Sampayo Jr., que mora na periferia da cidade, nos contou que a fumaça era tão forte que ele teve que sair de casa e se mudar para outra região para poder respirar normalmente… Outra calamidade na periferia da cidade é a crescente escassez de água. A mudança climática veio para ficar, está se acelerando e suas consequências estão afetando cada vez mais a vida cotidiana das pessoas em todo o mundo.
[4] The Economist vê a possibilidade de que as cidades americanas possam ser “fritas”.
[5] Um dos debates estratégicos do momento. Veja o texto do nosso camarada Renato Assad “Entregadores de aplicativos: a luta de um novo proletariado“, esquerda web.
[6] Marx já falou disso em O Capital quando apontou que o capitalismo, os capitalistas, se comportam como aquele aprendiz de feiticeiro que perde o controle sobre seus próprios feitiços.
[7] Há expressões de barbárie em ambos os países, como o choque entre religiões, etc. No entanto, há pouco tempo a Índia experimentou uma greve camponesa de proporções gigantescas e na China há ondas de descontentamento operário que, embora sejam posteriormente reabsorvidos, forçaram nos últimos anos a elevar o nível salarial geral de seus trabalhadores.
[8] “Autoafirmação de si” que entre a classe trabalhadora é sempre mais coletiva, menos individualista: a realização de cada um, quando possível, é alcançada de forma mais coletiva.
[9] A corrente que mais cresce hoje entre a juventude do Brasil é a UP (Unidade Popular), uma corrente que reivindica explicitamente Stalin!
[10] Muito mais agudo é o jovem camarada cubano Frank García, líder do grupo cubano Comunistas e hoje radicado na Argentina, quando nos apontou em uma reportagem para nossa revista digital Marxismo no Século XXI que em Cuba A Revolução Traída circula hoje entre os jovens “como bolos quentes”, e coloca a seguinte referência: “Em 10 de janeiro de 2020, foi fundada a Comunistas Cuba. A data foi escolhida porque foi a data em que o stalinismo assassinou Julio Antonio Mella.” E acrescenta: “(…) Esse foi outro ponto que nos deu muito trabalho para perceber, que nunca houve democracia socialista em Cuba (…) a revolução dignificou o povo cubano. E foi algo real [mas, R.S.] O socialismo sem democracia não é possível. Trotsky foi o principal revolucionário em dizê-lo. Somente com o poder da classe trabalhadora o socialismo será possível (…) Penso constantemente em como [isso] pode ser útil para Cuba. Tem que servir para quebrar a concepção de que só a direita pede liberdade e democracia (…) Espero que (…) isso sirva (…) para entender que sem democracia não há socialismo, um e outro andam de mãos dadas” (“Cuba, ontem e hoje: entrevista com Frank García Hernández).
[11] Historicamente, houve várias mudanças no horizonte da humanidade que podemos listar esquematicamente: a transição para a produção agrícola sedentária; a fundação das cidades (uma criação humana por natureza, uma “segunda natureza” criada pela humanidade, como Antonio Labriola apontou agudamente); a revolução industrial que deu origem ao capitalismo (subsunção real do trabalho ao capital); a mudança colossal na expectativa de vida que ocorreu desde a antiguidade Uma expectativa de vida clássica até hoje: lembremo-nos da passagem de uma expectativa de vida de 30 anos para os atuais 80, um grande salto de qualidade.
[12] Nisso há pinceladas afiadas em Traverso nos textos dedicados ao assunto.
[13] Os negacionistas climáticos são uma forma de pensamento irracional sobre a qual falamos nesta série de textos sobre a situação internacional.
[14] É lógico que todas essas questões levem ao debate marxista sobre tecnologia, algo que não podemos fazer neste texto, mas abordaremos em um futuro próximo. Existencialistas de direita como Heidegger (que não se reconhecia como existencialista, mas isso é outra discussão) já apontavam que a humanidade não poderia dominar a tecnologia (A Questão da Técnica, um texto que ainda não conseguimos estudar) e Albert Speer se criticou na prisão por ter acreditado cegamente nela (ver “Ensayo de interpretación del modernismo“, de minha autoria, no izquierda web, 03/08/2024).
[15] Aqui, além do debate estritamente “tecnológico”, há um debate ético sobre o uso arbitrário ou social dessas potencialidades, criativa ou destrutivamente, porque onde os avanços tecnológicos nascem e são aplicados pela primeira vez é na indústria militar, como Marx já apontou em seus rascunhos de 1857.
[16] É o suprassumo da privatização, da mercantilização do mundo e do… espaço exterior. Repetimos: é submeter as leis da natureza a uma lei social: a lei do mercado. A lei social não pode modificar as leis naturais, mas pode subjugá-las. É ilusório pensar que a lei do mercado, o capitalismo, pode governar o funcionamento social de uma parte da galáxia.
Mas, embora isso possa ocorrer sob as formas sociais do capitalismo, também fala das potencialidades de auto-elevação monumental que a jornada da humanidade significa (“Engels antropólogo”, izquierda web, 09/02/2020).
[17] Que as necessidades são históricas, como Marx apontou, é evidente. Hoje, literalmente, você não pode viver sem seu telefone celular, a menos que seja um eremita. Embora existam correntes românticas – ridículas – que se recusam a usar as redes sociais, como o Socialismo Revolucionário da Itália, em uma abordagem que nada tem a ver com a do marxismo revolucionário e que só pode levar à criação de uma seita.
Outras seitas têm um ângulo semelhante em outras áreas: “proteja-se da realidade”. Mas isso é uma seita total. Não é necessário proteger-se da realidade, mas ter a coragem de transformá-la, sabendo aproveitar suas potencialidades e rejeitando elementos regressivos. Esse jogo de potencialidades e regressão faz parte da arte da política e da construção revolucionária.
[18] Neste momento, as tensões entre a OTAN e a Rússia estão aumentando novamente, com Putin apontando que o uso de mísseis da OTAN em território russo já significaria uma guerra direta entre potências imperialistas (“mudaria a natureza do conflito“, declarou ele). Não está claro se as potências imperialistas (tradicionais e emergentes) querem se envolver em tal conflito militar, mas as coisas podem sair do controle por razões, a priori, não intencionais ou devido a erros de cálculo.
[19] Ainda não me parece que tenham surgido filmes distópicos referentes a um confronto nuclear entre potências, mas certamente no próximo período eles aparecerão (alguns bons, outros de baixa qualidade). O mais próximo foi o filme dedicado aos dilemas morais de J. Robert Oppenheimer, de muito boa qualidade.
[20] Sobre o conceito de reversibilidade dialética dos processos, sobre as “duas faces” que todos os fenômenos têm, nossos céticos fariam bem em refletir: “causa e consequência mudam constantemente de lugar no processo histórico“, afirmava Rakovsky seguindo nossos clássicos; Engels afirmou o mesmo em A Dialética da Natureza.
[21] Não se pode pensar na Argentina sem pensar na situação mundial, mas também sem pensar no Brasil e vice-versa. Se um dos “espelhos” do Brasil são os Estados Unidos, outro dos espelhos e fonte de ricas analogias mútuas é a Argentina.
E o que foi dito acima leva a outra questão: não há análise comparativa possível desde os gabinetes acadêmicos. Isso só é possível construindo uma corrente internacional nos principais países políticos do mundo: Estados Unidos, França, Argentina, Brasil, Grã-Bretanha e Costa Rica, e daí dirigir-se ao resto do mundo. Essa seria a agenda construtiva de nossa corrente hoje, acrescentando Cuba; amanhã pode variar. É claro que nem todos esses países são políticos. Os Estados Unidos se juntaram claramente à lista nos últimos anos, a Grã-Bretanha não temos claro, em Cuba há um certo despertar na ultravanguarda de Comunistas, etc.
[22] Ou seja, o dobro das estatísticas oficiais e onde uma nova frente da guerra no Líbano contra o Hezbollah parece estar se abrindo.
[23] Eles reclamam muito do terrorismo do Hamas, mas o Estado de Israel tem usado os métodos do terrorismo, o assassinato impune de civis, há décadas.
[24] A guerra está se tornando cada vez mais interimperialista, mas isso não retira o elemento justo da defesa nacional ucraniana. Esse elemento justo está sendo instrumentalizado pelo imperialismo tradicional, mas perdê-lo de vista não é entender nada da história da Ucrânia sob o stalinismo, caindo em uma visão puramente geopolítica que, como toda geopolítica, perde de vista as pessoas de carne e osso.
[25] A campanha de Boulos é tão covarde que, quando questionado sobre o genocídio em Gaza, ele respondeu que é “candidato a prefeito de São Paulo, não de Tel Aviv“… As linhas elementares de classe foram totalmente perdidas no Brasil, um componente fundamental, embora não o único, da crise do socialismo revolucionário neste país: “Uma estratégia de oposição da esquerda a Lula é, perigosamente, errada (…) Nossos inimigos estão na ofensiva (…) Só é possível vencer com uma tática ultra-moderada” (Arcary, idem). É muito claro que, no caso de Arcary, a luta de classes está fora da equação. Nosso camarada Antonio Carlos Soler dá uma definição muito nítida de seu curso: “Arcáry, atualmente, é teórico atual do neopossibilismo, da revolução passiva e não mais da revolução permanente (…) Dessa forma, passamos para o ‘campo do possível’ (…) para dar conta de processos de mudança sem radicalismo ou participação das massas” (“A conciliação de classes favorece a contraofensiva bolsonarista”).
[26] Tanto o PT quanto o kirchnerismo afirmam que as questões extraeconômicas (por exemplo, a defesa do direito ao aborto e outras) “não são importantes neste período“, que a única coisa que importa é a economia: isso é muito parecido com o economicismo da esquerda revolucionária argentina, que se recusa a ver o alcance global da ofensiva mileista!
[27] Temos menos acompanhamento do MES porque ele não tem representantes intelectuais importantes. No entanto, como o MST argentino, eles são caracterizados pelo travestismo político, um tipo de oportunismo flagrante que joga a pedra e esconde a mão. O MES finge ser a “esquerda do PSOL”, mas segue firme nela, ou seja, faz parte do governo de colaboração de classes encabeçado por Lula.
[28] Infelizmente, o lado revolucionário de Rosa Luxemburgo não figura nos manuais da Resistência e das correntes do PSOL.
[29] A FITU e o NMAS são as principais forças da esquerda revolucionária argentina em toda uma série de índices, incluindo figuras políticas.
[30] A marxologia tornou-se uma ciência verdadeiramente independente. O legado de Marx e Engels é tão imenso e tão rico (expresso nas obras mais clássicas, suas novas traduções, suas cartas, suas notas, etc.), que, após a ortodoxia stalinista do século passado e com o balanço desse século em nossas cabeças, o marxismo recupera um novo frescor como “o horizonte insuperável de nossa época“, como Sartre apontaria agudamente. Também estamos vivendo – ou pelo menos estamos interessados e apaixonados – uma reconsideração de todo o marxismo do século passado, especialmente a contribuição dos marxistas esquecidos ou deixados de lado pela academia.
[31] No nível internacional e para além do desenvolvimento de cada seção nacional, nossa intenção é nos construirmos nos próximos anos como uma corrente de opinião teórica/política internacional que desempenhará um papel qualitativo no relançamento teórico , prático e militante do marxismo revolucionário.
[32] A palavra “stalinismo” aparece apenas uma vez em um longo texto.
[33] “A encruzilhada da história recente e as perspectivas estratégicas para a esquerda hoje” esquerda diário (23/06/24).
[34] Na realidade, não estamos em uma situação revolucionária, mas em um estágio reacionário de crise permanente em nível internacional, que pode se tornar pré ou revolucionário dependendo dos acontecimentos. É difícil, no momento, por exemplo, para a luta de classes internacional impedir o desencadeamento de uma eventual guerra mundial… A revolução, ao contrário, poderia vir depois dessa barbárie, mas dificilmente antes dela.
[35] Mais um elemento sobre o qual concordamos é a delimitação do reformismo, que é óbvia, mas tem um elemento dissonante na prática dessa corrente na Argentina: uma mudança extrema para o parlamentarismo, com pouca preocupação com a capilaridade de baixo em termos de sua construção partidária.
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Hannah Höch – Brasil | Corte com faca de cozinha através da barriga cervejeira da República de Weimar 1920
Traduzido por José Roberto Silva do original em https://izquierdaweb.com/hacia-una-nueva-era-de-los-extremos/