Por todos os cantos do globo se erupcionam importantes lutas que fazem a organização dos trabalhadores, da juventude e das mulheres voltarem à cena em um mundo onde a instabilidade e o entrelaçamento de grandes crises estruturais redesenham uma nova época de crises, guerras e quiçá – oxalá –  revoluções. Neste final de ano, a explosão das greves dos trabalhadores da Amazon e do Starbucks no centro do imperialismo estadunidense, um processo brilhantemente descrito por nosso companheiro Juan Pablo Pardo nesta nota, e a imensa jornada de protestos da juventude sul-coreana que destituiu um presidente e sua tentativa reacionária de golpe de estado são apenas alguns exemplos que demonstram uma realidade incontornável: em uma situação global ainda girada à direita e permeada pelo impulso da extrema direita, a velha luta de classes pulsa mais viva do que nunca e convoca uma nova geração de trabalhadores a lançar-se de cabeça nas lutas. Os desafios históricos são imensos, entretanto, o que está sobre a mesa é a possibilidade de reverter pelas ruas a atual correlação de forças em favor dos debaixo, uma fresta que aqueles e aquelas que pretendem atualizar a luta revolucionária pelo socialismo no século XXI precisam encarar e intervir com consequência. 

Aqui no Brasil, a luta pelo fim da escala 6×1 chacoalhou o debate público e abriu uma janela mais favorável para colocar a classe trabalhadora, em especial, sua parcela mais jovem e dinâmica, em ofensiva para avançar na tão necessária tarefa de arrancar a redução da jornada de trabalho. Esta seria uma vitória histórica para toda a massa trabalhadora que só poderá ser conquistada com a mais ampla unidade de ação nas ruas e a organização independente dos trabalhadores, das mulheres, da juventude, do movimento negro e LGBTQIA+ em convergência com outras bandeiras fundamentais que despontam no atual cenário político. A luta por jornadas menores de trabalho caminha ao lado da luta para derrotar a extrema direita e seu entulho militar e autoritário, um combate que se conecta de maneira mais imediata com a bandeira da prisão de Bolsonaro e todos os golpistas mas que precisa se articular com a luta pelo fim dos tribunais e polícias militares que massacram nossa juventude, o fim do artigo 142 da Constituição e a reforma estrutural das forças armadas. 

Só se pode fazer as ruas virarem à esquerda em um verdadeiro desborde unificando as bandeiras econômicas e político-democráticas mais latentes e apostando na mobilização permanente pelas ruas e com total independência de classe dos governos, tribunais e burocracias sindicais. A conciliação de classes e o campismo, em nosso país representados pelo governo Lula-Alckmin e a esquerda da ordem de PT e PSOL, nada mais são que grandes obstáculos, verdadeiros entraves que traem e cooptam as lutas para os salões do parlamento burguês para sacramentar seu pacto de submissão às classes dominantes. Construir uma alternativa independente e socialista que unifique a esquerda revolucionária deve estar na ordem do dia se queremos, no Brasil e por todos os cantos do mundo, mobilizar uma nova geração de lutadores e organizá-la à altura dos crescentes enfrentamentos que a história nos prepara. 

por Redação Esquerda Web

A histórica greve dos trabalhadores da Amazon nos Estados Unidos

Desde quinta-feira, 19 de dezembro, milhares de trabalhadores e trabalhadoras da Amazon, exigindo melhores salários e condições, paralisaram suas atividades na mais importante greve da história contra uma das maiores bigtechs do país. 

por Juan Pablo Pardo

Tradução de Redação Esquerda Web

Cerca de 10 mil funcionários da Amazon, tanto motoristas como também trabalhadores de armazéns, cruzaram os braços nesta que já é considerada a maior greve da história contra a Amazon nos Estados Unidos.

Os trabalhadores exigem salários mais altos e justos, melhoria das condições de segurança e das dramáticas e exaustantes condições de trabalho que enfrentam. Os grevistas também batalham pelo reconhecimento de seu sindicato estabelecendo um contrato que lhes garanta direitos trabalhistas. 

A bigtech do multimilionário Jeff Bezos é uma das maiores e mais importantes empresas de comércio eletrónico do mundo. A companhia é famosa pela sua agressiva política anti-sindical e por sua intransigência com qualquer tipo de negociação que envolva os trabalhadores e seus sindicatos.

Após semanas de organização, os Teamsters (sindicato de caminhoneiros) deram um ultimato à Amazon com um prazo limite, 15 de dezembro: ou a empresa reconhecia o sindicato da categoria e aceitava sentar-se à mesa para negociar ou, caso contrário, os trabalhadores entrariam em greve. A Amazon não deu qualquer resposta. Por isso, desde o dia 19 deste mês, iniciou-se uma forte greve em 5 estações de entrega e 2 centros de distribuição em diferentes pontos do país, uma iniciativa que logo foi endossada por outros armazéns e estações em uma greve que segue crescendo. Além disso, centenas de outros protestos em apoio foram registrados em outras instalações da corporação. 

O momento da greve é estratégico: os dias que antecedem o Natal são uma época de “alta temporada”, quando a demanda de entregas dispara às alturas. Isto, na prática, significa uma exploração ainda mais brutal dos trabalhadores que vêem os seus ritmos de trabalho se intensificarem, tanto no interior dos armazéns, onde são submetidos a preparar uma quantidade infindável de encomendas, como para os motoristas, que enchem seus caminhões de pacotes e enfrentam exaustivas jornadas de entregas.

Muitos trabalhadores são forçados a fazer horas extra obrigatórias. A alta temporada na Amazon também significa um aumento considerável dos acidentes de trabalho. A superexploração sem limites é uma marca desta empresa que a cada dia vê sua fortuna bilionária se multiplicar enquanto seus funcionários não têm dinheiro para pagar as contas.

 

Amazon, uma inimiga da sindicalização

A Amazon é conhecida mundialmente pela sua política anti-sindical, uma verdadeira inimiga dos esforços de organização dos trabalhadores que se usa de todo o tipo de ataque. Entre 2022 e 2023, estima-se que a Amazon gastou mais de 17 milhões de dólares em consultores especializados em impedir sindicalizações. A empresa é notória pelos milhões que gasta em táticas de pressão e todo o tipo de medidas para impedir, atrasar e manipular  eleições sindicais.

O caso mais claro é o dos trabalhadores do armazém JFK8 em Staten Island, Nova Iorque, que, após um processo longo e heroico, fundaram o Amazon Labor Union (ALU), venceram as eleições sindicais em 2022 e conquistaram a sua certificação pelo National Labor Relations Board (NLRB), agência estatal de regulação e fiscalização das relações de trabalho nos EUA. Após anos de luta e manobras por parte da empresa, em junho deste ano os trabalhadores votaram por se incorporar ao sindicato nacional de Teamsters como um espaço independente para alavancar suas lutas. Entretanto, nenhuma destas medidas foi reconhecida pela Amazon, que se nega ilegalmente a reconhecer o sindicato e negociar um contrato justo. 

O sindicato de motoristas Teamsters, um dos maiores e mais poderosos dos EUA, já vinha  organizando campanhas de sindicalização dos caminhoneiros empregados pela Amazon em todo o país. Após a adesão da ALU, os esforços para organizar essa categoria de trabalhadores foram redobrados.

Entretanto, o método de contratar outras empresas de transporte para as suas entregas é mais uma tática que faz parte do arsenal de sua política anti-sindical. Ao recorrer a empresas terceirizadas, a Amazon nega qualquer responsabilidade e reconhecimento de que estes trabalhadores são empregados da companhia.

É claro que tudo isso não passa de uma falcatrua, como denunciam os próprios trabalhadores. A empresa nega que pessoas que vestem coletes da Amazon, dirigem caminhões da Amazon para entregar produtos da Amazon e trabalham em condições de trabalho impostas pela Amazon sejam trabalhadores da Amazon…  Mesmo decisões da NLRB que expressam a responsabilidade da empresa por estes trabalhadores foram completamente ignoradas pela bigtech super exploradora. 

A greve é extremamente importante em vários aspectos. Não só pelo efeito que tem, com um forte impacto em momento de alta demanda, mas também como um recado claro de que os trabalhadores seguirão na luta contra esta gigante.

Os trabalhadores se levantam 

O impacto da greve foi avassalador. Durante dias, as ações foram crescendo em uma importante demonstração de forças da classe trabalhadora que só está em seus primeiros capítulos.  A greve começou com 7 centros de envio, 3 no Sul da Califórnia, e os outros 4 no Queens (Nova Iorque), Atlanta, São Francisco e Skokie (perto de Chicago). A estes pontos se somaram o já mencionado JFK8 em Staten Island – Nova Iorque e o maior terminal de carga aérea da Costa Leste em San Bernardino KSBD (Califórnia).

O ponto onde se registaram os maiores confrontos foi na estação de entrega DBK4 no Queens, em Nova Iorque. No primeiro dia de greve, a polícia atacou os piquetes de greve, prendendo dois grevistas, uma ação que enfrentou resistência dos trabalhadores que conseguiram manter os piquetes durante longas horas e provocaram atrasos nas entregas. Não satisfeita com isso, dois dias depois a empresa inundou um piquete que reunia manifestantes na porta da fábrica. Métodos como estes contradizem claramente a posição oficial da Amazon de que a greve não teria “qualquer impacto”.

Os trabalhadores concretizaram uma grande demonstração de força com piquetes e ações constantes, o que deu à greve uma enorme visibilidade e impacto em todo o país. Além disso, a luta convergiu com o Starbucks Workers United, o sindicato da famosa rede de cafeterias, que promoveu uma greve de 5 dias, a mais importante até agora da categoria, depois de a empresa não ter dado qualquer passo para fechar um acordo com o sindicato.

Ambas as lutas, Amazon e Starbucks, mostram novos setores da classe trabalhadora se organizando no marco do processo histórico da re-sindicalização e da volta ao holofote que vive a luta dos trabalhadores nos Estados Unidos. Partem de uma base ainda rasa, mas as novas gerações que entram nos locais de trabalho mostram um ímpeto cada vez maior nas lutas, conquistando novos sindicatos e encenando um renascimento de conflitos que não acontecia a tempos como o “hot labor summer/ verão quente dos sindicatos” de meados de 2023.

Estes trabalhadores lutam pelo reconhecimento dos seus sindicatos e enfrentam as táticas anti-sindicais das empresas, que atacam a organização dos trabalhadores e se recusam a negociar contratos. Nem os ataques das patronais e nem a vitória eleitoral de Trump impediram esse processo que, pelo contrário, vive uma enorme vitalidade como demonstraram as lutas que ascendem contra as gigantes capitalistas na última semana.

O que se iniciou não tem volta. Diante do capitalismo do século XXI que só oferece precarização, crise e nenhuma perspetiva de futuro, cada vez mais jovens trabalhadores nos EUA se organizam pelos seus direitos. Sem dúvida, ainda veremos muitos capítulos importantes desta luta pela frente.