Contra todos os pessimistas e “chorões” derrotistas que infestam o pensamento socialista revolucionário, que se debruçam em análises de que “não há lutas” e apontam para uma “derrota da classe trabalhadora” na década de noventa do século XX, as ruas espalhadas pelo mundo vem demonstrando a falsidade destas posições. 

O atual estágio da luta de classes em que se apresenta um giro extremo à direita com ataques de todos os tipos e lados aos trabalhadores, jovens, mulheres e LGBTQIA+, apresenta também reações dos de baixo com rebeliões e semi-rebeliões ativadas pelas vanguardas de massas. 

Para além dos necessários movimentos e declarações de apoio às estas mobilizações, no caso em tela, dos imigrantes de Los Angeles, a esquerda revolucionária tem que entender que a reversibilidade dialética está inscrita como uma potencialidade no estágio atual. Golpes reacionários e autoritários podem desencadear respostas de baixo na direção oposta. 

REDAÇÃO 

A batalha de Los Angeles: a “Raça” enfrenta a Casa Branca 

Por Victor Artavia 

 

It has to start somewhere, it has to start sometime 

What better place than here, what better time than now? 

All hell can’t stop us now 

Guerrilla Radio, Rage Againts the Machine 

 [Tradução: Tem que começar em algum lugar, tem que começar em algum momento 

Que lugar melhor do que aqui, que melhor hora do que agora? 

 Nem mesmo o inferno pode nos parar agora] 

Desde a última sexta-feira (6), a cidade de Los Angeles se transformou em um verdadeiro campo de batalha. A população latina, cansada dos ataques anti-imigrantes do governo Donald Trump, foi às ruas e usou toda a sua raiva contra os agentes federais do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE). 

Barricadas nas ruas e rodovias, viaturas da polícia em chamas e bandeiras mexicanas tremulavam orgulhosamente nas ruas do império. Essas são algumas das – lindas! – imagens que essa semi-rebelião popular contra a “migra” e em defesa da “raça” (termos chicano-mexicanos para agentes de imigração e comunidade, respectivamente) está nos dando. 

Por outro lado, o governo dos EUA não hesitou em responder com métodos autoritários que, além de atacar os protestos, também subjugam a legalidade e aprofundam o choque de poderes nos Estados Unidos. 

A caça de Trump aos imigrantes 

A xenofobia é um ponto ideológico central do movimento MAGA (NT: “Make America Great Again” ou “Fazer a América Grande Novamente”, palavra de ordem inicialmente cunhada por Ronald Reagan e que foi amplificada por Trump, como base de seu posicionamento nativista reacionário). Por esse motivo, desde que Trump voltou à Casa Branca, ele adotou uma série de disposições para perseguir os imigrantes, independentemente de seu status de imigração. Basta ter um tom de pele “latino” para ser candidato à deportação pela “migra”. 

Por exemplo, ele começou a reorganizar o aparato repressivo federal nos Estados controlados pelos republicanos, a fim de aumentar a escala de seus ataques às cidades e gerenciar com mais eficiência as deportações em massa. 

Isso foi cinicamente resumido por Todd Lyons, atual diretor do ICE, para quem a agência deveria se assemelhar a uma empresa de logística, “como a Amazon, mas com seres humanos”. A lógica com a qual a extrema direita trumpista opera se assemelha à do fascismo: ela usa métodos racionais para alcançar fins irracionais, neste caso, expulsando milhões de seres humanos por causa de sua nacionalidade. 

Além disso, a Casa Branca invocou a “Lei de Inimigos Estrangeiros” como estrutura legal para sua campanha de deportação. Assim, deu sinal verde às autoridades de imigração para que não se preocupem em provar as acusações que usam para detenções, uma vez que essa lei autoriza o governo a deter e expulsar estrangeiros sem a necessidade do devido processo. 

Por outro lado, há vários meses há especulações de que o ICE aumentaria a caça interna aos migrantes. Como apontamos em um artigo anterior, o endurecimento das medidas de imigração causou uma diminuição na passagem de imigrantes sem documentados pela fronteira com o México. Diante disso, as autoridades de imigração tiveram que aumentar a pressão em nível doméstico para atingir a meta de um milhão de deportações que o governo estabeleceu para 2025. 

O ataque que transbordou o “copo” 

O exposto nos leva a Los Angeles, mais precisamente ao estacionamento da Home Depot localizado na Alondra Boulevard. Este local é um conhecido ponto de encontro de diaristas imigrantes, onde todos os dias costumam esperar pacientemente para serem contratados por um empregador. 

Mas, neste fim de semana, eles foram surpreendidos por uma van branca, da qual saiu repentinamente um grupo de agentes disfarçados sem identificação visível, que procedeu à prisão aleatória de vários diaristas. 

O que começou como mais um ataque anti-imigrante foi o gatilho para uma nova explosão social contra a repressão e a opressão nacional. O medo que durante meses atormentou todos os migrantes nos Estados Unidos se transformou em raiva contra o governo xenófobo e racista de Trump. 

Nos meses anteriores, foram observados sinais de descontentamento social acumulados desde os de baixo. Por exemplo, em 5 de abril, a jornada de mobilizações Hands off! (Tirem as mãos!), que reuniu mais de 600 mil pessoas em defesa dos direitos democráticos das mulheres, da população LGBTQIA+ e dos imigrantes, bem como em apoio às demandas dos servidores federais. 

Da mesma forma, de acordo com uma pesquisa publicada pelo The Washington Post/ABC News/Ipsos, 53% dos americanos desaprovam a gestão de Trump nas questões de imigração (um aumento de 3 pontos percentuais em relação a fevereiro). 

Em vista disso, a revolta de Los Angeles é a expressão local da agitação que está se espalhando por todo o país entre a população migrante. Quando agentes federais entraram em comunidades latinas e detiveram aleatoriamente 118 migrantes enquanto trabalhavam em fábricas, lojas de roupas e varejistas, a reação imediata da população como um todo foi impedir coletivamente a detenção de seus amigos, familiares e colegas de trabalho. 

Um reflexo “espontâneo” que, ao mesmo tempo, denota um processamento coletivo dos primeiros quatro meses de experiência com o governo Trump. “O que fazer quando a “migra” vem atrás de nós?”, sem dúvida essa questão foi tema de discussão em muitos jantares familiares, locais de trabalho ou atividades sociais. 

Da mesma forma, em Los Angeles existem grandes sindicatos que reúnem milhares de trabalhadores de origem latina. É o caso do SEIU (Service Employees International Union) que, desde o ano anterior, contribuiu com sua estrutura organizacional para o estabelecimento de redes de resposta rápida às batidas de imigração. 

Tudo isso permitiu a constituição de um tecido social e de uma experiência organizacional prévia que, diante do ataque de agentes federais do ICE, serviu de ponto de apoio para resistir. De acordo com um vídeo da “Unión por el barrio” que circula nas redes sociais, a reação da comunidade permitiu a libertação de trabalhadores migrantes que estavam detidos dentro de fábricas e lojas. 

Apesar dos protestos, os agentes de imigração continuaram as batidas nos dias seguintes. Mas isso não intimidou os manifestantes, que mantiveram as mobilizações e respostas rápidas para libertar os detidos. 

Não temos medo de vocês“, foi o grito de John Parker, um dos manifestantes, em direção aos agentes federais e à polícia. “Que se foda a ICE” e “Morte a todos os policiais” foram vários dos slogans pintados em prédios e paredes ao redor dos protestos, de acordo com o The Guardian. 

Os relatos que recebemos de Los Angeles indicam que organizações e comunidades estão se organizando para impedir que a polícia “sequestre” os manifestantes, palavra que denota o desprezo da população migrante em relação ao ICE, cujas ações são vistas como ilegais e, portanto, as prisões que fazem são classificadas como sequestros e não detenções. 

Ainda é muito cedo para saber se os protestos se espalharão por todo o país. Mas, mesmo no monumento, a repressão não fez o movimento recuar e ações de solidariedade são relatadas em muitos lugares de Los Angeles. 

Outro aspecto visível das manifestações é a reivindicação das nações oprimidas dentro dos Estados Unidos. Como apontamos no início do texto, há muitas imagens em que bandeiras mexicanas (e também de outros países da América Central) são vistas `frente das mobilizações ou sendo agitadas nas barricadas, um gesto bastante progressista no caso dos trabalhadores migrantes que, por muitos anos, foram tratados como cidadãos de segunda classe por causa de sua nacionalidade, línguas ou cor da pele. 

Na verdade, um dos epicentros dos protestos é a comunidade de Paramount, um condado cuja população é predominantemente latina. De seus 51.000 habitantes, 82% são de origem latina e 36% nasceram no exterior. Além disso, 71% das famílias falam um idioma diferente do inglês. 

A resposta autoritária de Trump 

A resposta de Trump aos protestos não demorou a chegar. Ele declarou que “uma grande cidade americana, Los Angeles, foi invadida e ocupada por estrangeiros ilegais e criminosos“. Uma linguagem de guerra, que é funcional para justificar suas intenções de usar as forças armadas para deter migrantes. 

Em teoria, o governo dos EUA não pode usar os militares para cuidar de assuntos internos, conforme estipulado pela “Posse Comitatus Act”. Por isso, há vários meses a Casa Branca vem considerando a possibilidade de recorrer à “Lei da Insurreição”, com a qual poderia contornar essa limitação constitucional. 

Isso foi exatamente o que Trump fez no fim de semana, a fim de assumir o controle da Guarda Nacional do estado e enviar dois mil guardas para, em suas próprias palavras, “libertar Los Angeles da invasão de migrantes e acabar com esses tumultos“. 

Isso não acontecia há seis décadas, quando o presidente Lyndon B. Johnson enviou tropas ao estado do Alabama em 1965 para proteger os manifestantes pelos direitos civis. 

Por isso, as ações de Trump abriram um forte debate político nos Estados Unidos, já que a mobilização da Guarda Nacional sem autorização do governo estadual é uma medida autoritária que questiona pela direita a ordem constitucional. Na verdade, o presidente ameaçou prender o governador da Califórnia, Gavin Newson, um democrata, devido às suas críticas à Casa Branca por mobilizar a Guarda, que ele descreveu como “incendiárias”. 

A praça contra o palácio 

A semi-rebelião popular em Los Angeles confirma que o mundo é mais rico do que parece quando se assiste ao noticiário ou lê os jornais, saturado com a bravata de Trump e as lutas geopolíticas dos de cima. Embora a polarização seja assimétrica e o clima político nos Estados Unidos seja bastante reacionário, também há vida abaixo e a luta de classes continua. 

As ações de Trump se assemelham às do aprendiz de feiticeiro. De forma caótica e apressada, ele tenta mudar abruptamente a ordem das coisas; ele quer configurar um novo mundo à imagem e semelhança de seus desejos políticos. Mas as sociedades são corpos vivos e, como tal, é possível que explodam diante dos constantes ataques de cima. 

A reversibilidade dialética está inscrita como uma potencialidade no estágio atual. Golpes reacionários e autoritários podem desencadear respostas de baixo na direção oposta. 

É o que demonstra a luta da população migrante que, com o apoio do sindicato e de outros setores sociais solidários, enfrenta o avanço reacionário de Trump nas ruas. 

Uma lição que a esquerda revolucionária deve ter em mente para se situar no mundo de hoje e não cair em análises unilaterais que inevitavelmente levam ao pessimismo e ao ceticismo em relação à luta de classes. 

 

Tradução de José Roberto Silva do original em https://izquierdaweb.com/la-batalla-de-los-angeles-la-raza-se-planta-contra-la-casa-blanca/