POR JOSÉ ROBERTO
Traçamos abaixo um pequeno “mapa” do reacionarismo brasileiro das últimas décadas que pretende ser somente uma linha de tempo com alguns elementos que nos permitam ressaltar a importância do momento histórico e de seus perigos e que também contribua para encararmos a realidade atual de frente. As forças de resistência, apesar de fragmentadas, são bastante fortes e já dão sinais de vitalidade através da juventude que luta contra o aumento das passagens em todo o país e da luta de categorias importantes, como os servidores públicos do município de São Paulo, que já se mobilizam contra os ataques em ralação à contrarreforma da previdência. Se unificadas, nas ruas, são a melhor tropa de combate ao reacionarismo que graça na atual conjuntura. Nesse sentido, a candidatura de Marcelo Freixo à presidência da Câmara dos Deputados pode cumprir um papel político fundamental em relação à resistência no interior do Parlamento, mas principalmente em relação à unificação das lutas e à apresentação de uma alternativa pela esquerda ao lulismo.
PEQUENA LINHA DO TEMPO: CONSERVADORISMO E RESISTÊNCIA
O conservadorismo brasileiro que construiu o golpe de 64, negociou a sua queda sem o julgamento dos algozes militares que o conduziram. Essa manobra impediu as eleições diretas em 1984 e apostou num conservador, Tancredo Neves, para a chamada “transição democrática” que com sua morte acabou na mão do não menos conservador José Sarney. Parte desse processo foi transferir a nova Constituição para o ano 1988 de forma que a maioria dos constituintes fossem senhores comprometidos com o grande capital, fazendo com que o resultado fosse uma Carta na qual os direitos democráticos ficaram pela metade. Esse mesma oligarquia política associada à fração dominante da burguesia e ao capital financeiro, une-se à Fernando Collor para a implantação dos pilares de uma política abertamente neoliberal e para isso elege uma bancada francamente fisiológica, mas mantendo uma forte base conservadora (Jair Bolsonaro, por exemplo, é o deputado federal mais votado no Rio de Janeiro em 1990, seu primeiro mandato), que vai votar a abertura da economia e se manter ilesa com a queda de Collor, é aí que o chamado mercado vai estabelecer as suas bases de ação institucional atual.
De lá para cá, seus maiores tribunos vão se encastelar no PSDB e DEM, (jogando para escanteio os representantes políticos da antiga frente ampla pela restauração democrática) e na década de 1990, mesmo com a forte resistência popular, aos projetos econômicos de Fernando Henrique, conseguem reestruturar a burocracia estatal, num projeto de reforma do Estado que inicia o ataque frontal aos trabalhadores e avançar no projeto de privatizações das empresas do Estado e dar início há uma forte desnacionalização da indústria brasileira.
Tendo avançado suas bases nos Estados em que DEM e PSDB governavam, libera toda a base fisiológica dos 90 para apoiar o pacto petista e levar Lula à presidência, em troca de nenhuma reforma e forte apoio ao setor mais atrasado do capital. Todo o ministério da área econômica de Lula é formado pelo capital financeiro (Henrique Meireles, presidente mundial do Bank of Boston) e pelo agronegócio (Luis Fernado Furlan, presidente do conselho de administração da Sadia, e por Roberto Rodrigues, Presidente da Associação Brasileira do Agronegócio – ABAG, da Sociedade Rural Brasileira – SRB e do Conselho Superior do Agronegócio da FIESP – COSAG e entre outros membro do conselho da LIDE-Grupo de Líderes Empresariais e da BMF). Como garantia do acordo, o PT coloca a burocracia sindical cutista para domesticar a classe.
Durante esse período, a ausência de reformas, a desnacionalização da indústria, a continuidade das privatizações, o aporte financeiro sideral ao agronegócio e a manutenção generosa da responsabilidade fiscal, ao lado do reposicionamento do país na divisão mundial do trabalho como país extrativista exportador de commodities, vão desabar sobre a cabeça da classe trabalhadora e da classe média, que é quem pagará pelas políticas compensatórias dirigidas aos mais pauperizados e pela diminuição do emprego. Essa política marcará o crescimento de uma pequena-burguesia rural e da área de serviços (transporte, comunicação, marketing e segurança principalmente) completamente adaptada ao neoliberalismo e politicamente conservadora de discurso pós-modernista.
Esse neoreacionarismo encastelado em PSDB e DEM, inicia o seu ataque “aos vermelhos do PT” entregando de bandeja os fisiologistas de 90 (mensalão, petrolão, empreiteiros, etc…), enquanto se fortalecia no judiciário na troca dos antigos constitucionalistas do STF, pelos pragmatistas defensores do “interesse geral” contra o “interesse comum”. Assim o faz em todas as instâncias do judiciário, enquanto, também, reforça um novo apoio fisiológico: para além do apoio de militares e da renovada burocracia estatal, precisava do apoio religioso que vai encontrar na evangélica igreja da prosperidade, de miríades de denominações.
Retirado o tapete geral, faz o “ataque final” ao governo Dilma (que foge da classe trabalhadora e busca negociar um pacote de renegociação da dívida dos estados que simplesmente dizimava os servidores públicos) numa manobra golpista reacionária que a derruba e concede aos antigos parceiros de 90 a penitência de fazer a transição e preparar o terreno para a entrada triunfal do passado puxando a carruagem neoliberal.
Colocado o parlamento no chão, impõe-se a composição de um executivo com mãos de ferro, apoiado no judiciário, numa fração de classe conservadora e reacionária (a pequeno burguesia rural e de serviços) e nas forças armadas, sob o slogan de “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, que é tão somente uma “revitalização” da antiga placa que conserva sob a nova pintura a verdadeira consigna: “Deus, Pátria, Família e Liberdade”.
CONTRA A TENDÊNCIA REACIONÁRIA, PULULAM CONTRATENDÊNCIAS
O forte ataque reacionário perpetrado a partir das manifestações de 2015, no entanto, não foi suficiente para conformar um movimento forte o bastante para lastrear a proposta discursiva protofascista, de retorno à ditadura militar. Para o capital qualquer regime político que garanta os seus lucros é suficientemente democrático para obter seu apoio
No entanto, de um lado, há frações dessa mesma burguesia que não pretendem afrontar o liberalismo republicano sem antes esgotar todas as possibilidades da democracia burguesa, até mesmo para não ter que amputar membros de sua própria classe. De outro lado, o que não se esperava, foi uma reação dos trabalhadores, que fragmentados e isolados na produção, se entrincheiram nos mais diversos movimentos antiopressão de todo o tipo e cor.
Assim como no mundo, a uma bipolarização nas tendências também no Brasil: contra a tendência do pêndulo político à direita e ao reacionarismo, há a resistência do povo trabalhador em todos os campos de atividade humana. Após as manifestações de 2015, as mulheres e a juventude protagonizaram massivos movimentos por moradia, pelo aborto, culminando, no “#Ele Não”, em que as mulheres se posicionaram politicamente contra o fascismo e conseguiram repercussão mundial.
Esse processo acabou por se apresentar numa “onda democrática” que reduziu à menos da metade a expectativa da diferença de votos em Bolsonaro. Esse movimento se dá a partir dos diversos fragmentos da classe na luta por direitos democráticos e contra a opressão de todo tipo. É preciso unificar estas demandas, num forte movimento pela democracia, para que a classe trabalhadora ganhe força na luta contra as contrarreformas que atacam diretamente o trabalhador: a trabalhista, a da terceirização, a previdenciária, e a privatização de todos os setores do Estado, estes dois últimos pontos muito caros ao projeto neoliberal.
O PSOL NÃO PODE SER APENAS MAIS UMA OPOSIÇÃO
Quando da sua posse, Bolsonaro conclamou o “povo” à formar um forte movimento Bolsonarista, situação que não se apresenta ainda de forma concreta ou com condições reais de se materializar. No entanto, um acirramento das dificuldades de mover sua base de apoio parlamentar “temática” e em conseguindo se afastar de escândalos que já adentram a casa do próprio presidente, a manutenção de um apoio das franjas conservadoras poderá dar condições de Bolsonaro colocar o seu nome em pro de conformação de um movimento de cunho fascista que dê nas ruas a sustentação necessária para um gradual fechamento do regime.
O PSOL, que se lança como oposição de esquerda durante o primeiro mandato de Lula, em contraponto com a direita e em nome da independência dos trabalhadores diante do PT, precisa se assumir como a única e real representação da classe trabalhadora, e se colocar como liderança do processo de conformação de um amplo movimento democrático. Para isso, tem que romper com o lulismo e se colocar como uma alternativa em todos os campos da política, precisa resgatar a classe trabalhadora das mãos da burocracia cutista/petista e libertá-la da esperança que virou pesadelo.
O PSOL precisa definitivamente se posicionar frontalmente em oposição aos Montagnards conciliadores de classe. É preciso denunciá-los à massa trabalhadora ainda iludida: eles são a bancada esquerda da ordem completamente adaptados à disputa por migalhas no campo burguês. Nada mais tem a oferecer como representação de classe.
Por outro lado, também precisa cumprir seu dever de vanguarda socialista de se tornar o campeão da democracia. Precisa chamar e liderar (e não há nenhuma contradição nisso) um forte bloco parlamentar pela democracia, formado pelo PSOL e os militantes democratas “montanheses” do PT, PSB, PcdoB, PDT e Rede.
No entanto, essa liderança deve estar acima do próprio parlamento, deve estar em sair do processo de resistência aos ataques econômicos e políticos do neoliberalismo e iniciar uma jornada de luta política frontal ao reacionarismo que ataca os princípios democráticos mais elementares para impor a “ordem e progresso” pela força de uma burocracia civil-militar.
O bloco democrático na câmara deve ser tão somente o megafone de um amplo movimento que unifique todas os setores que lutam de forma fragmentada por moradia, gênero, etnia, trabalho etc… A unidade de ação é o elemento preponderante na luta contra os ataques à democracia e pela reconquista de todos os direitos retirados ou mutilados nos últimos 25 anos.
De outro lado, deve também conclamar as forças da esquerda revolucionária, junto com o MTST, organizações indígenas e demais movimentos na formação de uma Frente de Luta capaz de orientar e dirigir esse parlamento das ruas.
MARCELO FREIXO PARA PRESIDENTE A SERVIÇO DA MOBILIZAÇÃO NAS RUAS
Desse modo, a única proposta responsável, mais do que suficiente e absolutamente necessária para o confronto com as forças da reação na eleição da presidência da Câmara dos Deputados somente pode ser a de Marcelo Freixo.
Não uma candidatura para marcar posição, mas que se coloque como liderança de um parlamento que não tem paredes: o parlamento das ruas. Que seja a liderança de um bloco que use o palanque institucional para convocar cada movimento de reação de todos os agrupamentos e frações em luta por suas demandas.
Que Freixo se coloque desde o primeiro dia (o da eleição para a Câmara) como aquilo que deve e precisamos que seja: a liderança e o presidente de um terreno político que bem maior do que o parlamento burguês, aquele em que a classe trabalhadora governa e que de fato tem poder de decisão que são as ruas.