Por uma greve geral para tirar Ortega do poder!
VICTOR ARTAVIA
Na hora de escrever este artigo completam-se exatamente dois meses desde que se iniciou os protestos contra a reforma neoliberal do sistema previdenciário na Nicarágua que, diante da brutal repressão o governo Daniel Ortega, transformou-se em uma rebelião popular a nível nacional que exige sua saída imediata do poder.
O país está praticamente paralisado, pois existem mais de 140 cortes de estradas na Nicarágua e 700 barricadas em cidades como Masaya, León, bairros de Managua e outras cidades, as quais se converteram no principal meio de protesto contra o governo e na melhor defesa contra os ataques da polícia e dos bandos paramilitares.
Uma crise política com perspectivas incertas
Diante da explosão da rebelião popular, Ortega desatou uma escalada repressiva sem precedente na Nicarágua desde a ditadura somosista e a guerra civil dos anos 80. Os últimos dados apresentados pelos grupos de direitos humanos dão conta da matança desatada pelo regime: 215 pessoas assassinadas (em média 3 assassinatos diários), 2 mil feridos e mais de 3 mil detidos. As análises dos ferimentos por bala confirmam que foram disparos na cabeça ou parte superior do tronco, um padrão de tiro de franco-atiradores com o objetivo de matar e não neutralizar.
A repressão brutal abriu uma crise de governabilidade que, depois de poucos dias, explodiu o regime político com que Ortega controlou o país durante os últimos 11 anos. Este funcionava a partir do esquema do “diálogo-consenso” com o Conselho Superior da Empresa Privada (COSEP) mediante a criação de meses de negociação das políticas econômicas e as reformas legais (referendadas por um Congresso servil) em benefício do grande capital, aliança estratégica que permitiu a Ortega ganhar o apoio da burguesia e controlar o país como se fosse sua fazenda ou fábrica particular.
Porém a combinação das massas mobilizadas e o repúdio generalizado contra a repressão, obrigou aos empresário se distanciar de Ortega e, de forma oportunista, ”somar-se” ao lado opositor pela “democracia”, como o objetivo de recolocar-se no novo xadrez político e não acabar desbancados junto com o governo. Neste giro também pesou a extensão da crise política ao terreno econômico, pois estima-se que a taxa de crescimento do PIB para 2018 será de -2% (em relação a 2017) e se projeta a perda de 150 mil empregos até o final do ano[i],em um país onde 80% da população economicamente ativa trabalha no setor informal e 2015 da população vive no exterior devido a falta de empregos[ii].
Isso coloca uma crise política com perspectivas incertas: as massas exigem a saída imediata do governo Ortega por meio de uma rebelião popular com características semi-insurrecionais (barricadas, povos auto-governados, etc); os empresários (com o apoio dos Estados Unidos) apostam em uma transição ordenada com o adiantamento de eleições para evitar a ruptura da ordem constitucional burguesa; no entanto Ortega resiste com a repressão brutal para sustentar-se no poder ou acordar uma saída em melhores condições.
A igreja, a COSEP e a armadilha do diálogo
Em 16 de maio iniciou o “Diálogo Nacional” orquestrado pela Conferência Episcopal e com o beneplácito da COSEP, com o objetivo de construir uma saída “pacífica” da crise e evitar um desborde pela esquerda da rebelião popular. Seu objetivo é conter a todo custo as expressões de luta por baixo, gerando expectativas em uma instancia formal tomada por empresários, bispos e figuras notáveis do país (como acadêmicos) para conseguir reformas no marco institucional do Estado burguês.
O governo de Ortega foi forçado a sentar-se na mesa diante de ascenso do movimento de massas que, antes que em vez de se amedrontar com a repressão, tendeu a radicalização em seus métodos de luta, inclusive instaurando experiências embrionárias de duplo poder em algumas cidades (particularmente em Masaya) onde a população controla a segurança, alimentação e comunicações nos bairros [iii].
É importante anotar que o diálogo é apoiado pelo imperialismo estadunidense que, desde o início da rebelião popular, se move com muita cautela para evitar que o governo caia diretamente pela mobilização das massas e, também, porque Ortega é um sócio (incômodo, porém sócio ao final) de agenda imperialista na Nicarágua.
Mostra disso é que na última reunião da Organização dos Estados Americanos(OEA), a declaração sobre Nicarágua foi apresentada conjuntamente pelo governo dos Estados Unidos e Nicarágua. Porém mais significativo é que nas últimas semanas Ortega se reuniu em várias ocasiões com Caleb McCarry, delegado do Comitê de Relações Exteriores do Senado estadunidense e especialista em temas de transição política, em que extraordinariamente acordaram adiantar as eleições para o início de 2019 procurando uma mudança organizada do poder desde cima, em troca de oferece imunidade e segurança a Ortega sobre suas propriedades.
Assim, fica evidente que o Diálogo Nacional é uma armadilha para cooptar a rebelião popular por meio dos mecanismos da democracia burguesa, na perspectiva de colocar na presidência uma figura próxima da COSEP e do imperialismo, mantendo intactas toas as formas de exploração e opressão do capitalismo semicolonial em Nicarágua e deixando impunes os crimes de Ortega. Um caso típico de “mudar algo para que não mude nada”!
Sintomas de desborde do diálogo nacional
No dia 30 de maio se comemora o dia das mães em Nicarágua. Este ano a data se converteu em uma jornada de luta com a convocatória da “Mãe de todas as marchas”, capitaneada pelas mães dos jovens caídos nos protestos e que congregou milhares de pessoas pelas ruas de Managua. No final da mobilização, deixando um saldo de 16 mortos e quase 90 feridos.
Esse massacre impactou fortemente na consciência democrática de amplos setores da população, dando lugar a um aprofundamento dos métodos de luta para tirar Ortega do poder. Além disso, a mesa de negociação entrou em crise desde o começo, pois o governo teve como tática ampliar o conflito. Combinando a negociação coma repressão localizada, em uma perspectiva de conseguir uma melhor correlação de forças e desmoralizar as massas em luta.
Porém, a repressão é uma arma de duplo corte e, no caso, aprofundou a rebelião popular ao colocar centenas de barragens nas principais rodovias (promovido pelo movimento camponês) e gerou um estado semi-insurrecional em várias cidades do país, onde as populações construíram centenas de barricadas para repelir os ataques do governo e, de fato, convertera-se na autoridade local( um duplo poder embrionário).
Desta forma, nas primeiras semanas de junho o país estava praticamente paralisado pela rebelião popular e a COSEP se viu pressionada a convocar uma paralisação nacional de 24 horas para o dia 14 de junho, com o objetivo de obrigar Ortega a negociar, o que aconteceu no dia seguinte. Nessa nova sessão de negociação ficou evidente que os “representantes” da oposição deixaram de lado a exigência de saída imediata do governo, concentrando-se na entrada dos organismos internacionais de direitos humanos e em começar a trabalhar em comissões para a antecipação das eleições. Quer dizer, apesar do governo seguir massacrando os jovens nas barricadas e bloqueios, os representantes do Diálogo Nacional defendiam uma agenda alheia ao movimento negociada entre Ortega e o imperialismo ianque.
Neste marco se produziram os primeiros sintomas de desborde da mesa de diálogo, particularmente desde o movimento camponês anti-canal (liderado por Francisca Ramirez) e setores estudantis que, em entrevista coletiva em 16 de junho, reiteraram que a consigna do movimento era tirar Ortega do poder mediante a mobilização nas ruas e apresentaram um programa exigindo a instauração de um governo provisório para convocar uma Assembleia Constituinte e eleições nacionais. Da mesma forma, chamaram a conformação dos “comitês azul e branco” para controlar a segurança, abastecimento e comunicações nos bairros e comunidades com bloqueios e barricadas.
No dia seguinte, 17 de junho, ocorreu um fato insólito: Masaya rebelde (com mais de 200 barricadas) desconheceu o governo e chamou a conformação de uma junta de transição municipal (um autogoverno), questionando diretamente o poder do Estado burguês sobre a comunidade.
A partir destes sintomas de desborde pela esquerda da mesa de diálogo e da institucionalidade burguesa (ainda que seja em um plano muito elementar), Ortega autorizou uma brutal repressão para retomar Masaya em 19 de junho (com saldo de 6 mortos e quase quarenta feridos) e para desarmar dezenas de bloqueios no país. A partir daí o governo dos Estados Unidos pressionou novamente Ortega enviando seu embaixador na OEA, depois disso o governo fez efetivo o convite aos organismos internacionais para entrarem na Nicarágua para analisar as denúncias de violação dos direitos humanos e estabelecer as condições para retomar o diálogo nacional.
Possivelmente a entrada dos organismos internacionais (programada para 25 de junho) dê fôlego à mesa de diálogo, porém também é factível que lugar a mais mobilizações desde baixo ao ser interpretado como uma conquista arrancada do governo pela pressão das ruas.
Desta forma, parece que estão colocadas duas alternativas para fechar a crise política e desmontar a rebelião popular: a) a do imperialismo, a COSEP e a igreja de pactuar uma saída organizadas do governo e manter intacta a estrutura exploradora e opressiva do capitalismo na Nicarágua, e b) a que delineou o movimento camponês a população de Masaya de exigir a saída imediata de Ortega, instaurar o controle desde baixo das regiões em rebelião e levantar um progra para refundar o país com uma assembleia constituinte.
Por uma Nicarágua verdadeiramente livre, soberana e socialista!
A rebelião popular nicaraguense coloca em crise o regime de Ortega, porém mais importante ainda é que, no calor da experiencia de luta, há setores que começam a desconfiar da mesa de diálogo dos acordos que estão fazendo a COSEP, a igreja e outros representantes como o governo.
De outra parte, não se pode desconhecer que o governo de Ortega ainda ostenta o controle sobre a Polícia Nacional (com 15 mil efetivos) e cerca de 70 paramilitares, os quais constituem seu principal sustentáculo (a nível social não se vêm setores mobilizados defendendo a FSLN). Mesmo permanecendo no poder Ortega permanecerá reprimindo, aniquilando adversários políticos e, inclusive, poder tratar de violar qualquer acordo para se manter no poder.
Diante disso, a única via para que se produza um triunfo do povo nicaraguense é que a rebelião popular avance para uma greve geral por tempo indeterminado que acabe como o governo de Ortega e dê os primeiros passos para refundar o país, Neste sentido, desde Socialismo ou Barbárie colocamos os seguintes eixos programáticos:
- Exigir a saída imediata do poder de Ortega, sua condenação pelos assassinatos e a expropriação de todos os seus bens para ressarcir as famílias das vítimas. A continuidade do governo autoritário e corrupto de Ortega representaria uma derrota da rebelião popular; além disso, coloca em perigo a vida e a integridade física de milhares de lutadores e lutadoras que atualmente sustentam as barricadas e bloqueios.
- Denunciar a armadilha do “Diálogo Nacional” como um operativo funcional aos interesses da COSEP, da igreja e do imperialismo ianque. O diálogo e os acordos por cima não são a solução para os problemas da classe trabalhadora, estudantes, camponeses e mulheres da Nicarágua. Nem com Ortega, nem com a COSEP, nem com a Igreja!
- Pela conformação de um governo provisório de trabalhadores, camponeses, estudantes e mulheres em luta. Estes setores são os que morrem e são feridos, sustentam os bloqueios e barricadas, por isso devem ser quem assumam as rédeas do país e não dar espaço para que figuras da COSEP ( ou qualquer variante de oposição burguesa) tente tomar o controle de um novo governo
- Por uma Assembleia Constituinte para refundar o país desde os explorados e oprimidos. A saída tem que ser democrática e por baixo, na perspectiva de construir uma Nicarágua verdadeiramente livre, independente do imperialismo e socialista.
- Pela construção de instrumentos políticos da classe trabalhadora, juventude, camponeses e mulheres em luta. Durante décadas o sandinismo tomou o espaço da esquerda e impôs uma tradição autoritária na FSLN. Nessa rebelião ficou clara a importância de contar com uma organização política que agrupe todos os setores em luta e com um programa de independência de classe.
[i] “Panorama económico cada vez más complicado”. Em https://centralamericadata.com/es/article/home/Empeoran_las_perspectivas_econmicas (Consultada el 19 de junio de 2018).
[ii] “Las remesas familiares en Nicaragua crecieron un 10,6 % en enero de 2018”. Em https://www.elnuevodiario.com.ni/economia/457163-remesas-familiares-crecimiento-nicaragua/ (Consultada em 20 de junho de 2018).
[iii] Escrevemos esse artigo um dia depois da brutal repressão sobre Masaya em 19 de junho, onde o governo pode recuperar o controle de vários bairros da cidade, porém temos informes de que outras partes (como Monimbó) continuam sob controle da rebelião popular.