GUILHERMOS PESSOA*
“Os filósofos tem se limitado a interpretar o mundo de distintos modos; do que se trata é de transformá-lo.”
Breve Introdução
No dia 5 de maio se cumprirão 200 anos de nascimento em Trier (cidade de uma Alemanha que ainda não estava unificada) de Karl Marx. O mundo acadêmico está lembrando-o em uma versão light de seu legado “derretendo sua margem revolucionária”, como Lênin soube dizer. Na Argentina, como ressalta Fernando Dantés na nota sobre “Marx nasce” (1), Horacio Tarcus é um porta-estandarte (não o único) dessa posição. A máxima expressão disso, tanto quanto sabemos, foi dada pelo governo ultraconservador da Alemanha, que emitiu notas comemorativas, como lembrança, com sua imagem, que custou 3 euros e esgotou sua primeira edição, e uma segundo já está em preparação.(1)
Marx dizia que Aristóteles e Hegel, dois filósofos que o precederam, eram “gigantes do pensamento”. O mesmo poderia ser dito sobre ele. Seu amigo Engels chamou-o de “gênio”. De fato, acreditamos que sua estatura intelectual era realmente maravilhosa, algo que é muito mais valorizado, porque, como as duas referências citadas por ele, advertiam: “para desenvolver-se você precisa de tempo livre e de não ter grandes dificuldades materiais”. Marx tinha muito do último e lutou muito para ter tempo suficiente para estudar, pesquisar e escrever. (2)
Mas o anterior seria incompleto se não disséssemos também que põe esse trabalho teórico de entendimento, de interpretação do que existe, ao serviço de modificar, de transformar o estado de coisas existente. Você pode mudar alguma coisa, se você conhece o seu mecanismo interno e reciprocamente, agindo sobre ele, vamos conhecê-lo em maior profundidade. Esse é o significado da frase da epígrafe. E como ele não acreditava em salvadores ou heróis providenciais, ele revelou que sujeito social (a classe trabalhadora) e com quais organismos (partido, Comuna como uma ditadura do proletariado) deveriam ser responsáveis por aquela tarefa prometéica (palavra à qual ele era afeito). Vamos desenvolver a seguir e em outros artigos durante este mês, alguns aspectos que acreditamos que sejam nodais do autor de O Capital.
Por que Marx hoje?
Um blogueiro cubano nos dá uma pista sobre por que Marx hoje. Em um país onde a adejetivação de marxista foi em grande parte bastardizada causando em muitos jovens uma desconfiança saudável e por que não, repulsas; o que ele aponta tem grande importância. Escreve: mas o que acontece se um cubano, com o desejo de alcançar a causa última do mal, dedicar-se à leitura de Marx e descobrir que o filósofo concorda com ele desde a data distante de 1844, na crítica do comunismo vulgar? Ler Marx na Cuba do século 21 pode ser uma experiência interessante, especialmente ao ler Nietzsche ao mesmo tempo. Começa-se a ler Marx com os olhos de Nietzsche e Nietzsche com os olhos de Marx. A vida revolucionária pode então ser entendida como uma manifestação da vontade de poder; a luta contra o capitalismo, como a determinação de construir um poderoso vínculo de solidariedade entre homens e mulheres livres.(3)
Para além da referência a Nietzsche que não abordaremos agora (4), Kubknakaev aponta como um fio vermelho que perpassa a obra de Marx, embora de forma desigual (ele escreveu muito mais sobre o que é o capitalismo e seu “fundamento oculto”). “): a crítica de projetos socialistas e comunistas (em sua vida ele não viu nenhum” real “) por sua tosquice e reducionismo, e a aposta como horizonte de uma sociedade futura que é uma associação efetiva de produtores livres, em sintonia com o que foi escrito pelo cubano E para isso, temos que lutar e derrubar o capitalismo, seu pressuposto necessário, embora não seja inteiramente suficiente, como veremos. Embora o estado cubano não seja um estado capitalista, sua conformação burocrática e as reformas nesse sentido em que vive hoje, fazem com que as críticas delineadas ali sejam precisas e necessárias.
Outra pista de por que Marx pode estar presente novamente no século 21 foi dada pelo presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney. Em seu discurso em uma “Cúpula do crescimento”, no Fórum de Políticas Públicas em Toronto, Carney se propôs a provocar e capturar as manchetes com uma declaração de que o marxismo poderia voltar a ser uma força política importante no Ocidente. “Os benefícios a partir da perspectiva de um trabalhador, desde a primeira revolução industrial, que começou na segunda metade do século XVIII, não foram totalmente sentidos na produtividade e nos salários até a segunda metade do século XIX. Se você substituir plataformas por fábricas têxteis, máquina de aprendizagem por motores a vapor, Twitter pelo telégrafo, você tem exatamente a mesma dinâmica que existia há 150 anos (na verdade 170 anos -MR) quando Karl Marx rabiscou o Manifesto Comunista (5) . As desigualdades sociais (um pequeno pólo de riqueza concentrada e uma pobreza e indigência galopantes na outra extremidade), a insegurança do emprego, o crescente exército de reserva de trabalho (desemprego) e as crises sistêmicas são diversos sinais do mundo que padecemos e dos quais o banqueiro inglês parece muito consciente.
Cinco dificuldades para escrever a verdade
Para desenvolver alguns eixos da obra de Marx, vamos usar neste primeiro artigo, o que o dramaturgo e escritor marxista Bertolt Brecht disse em relação às dificuldades em escrever a verdade. Ele apontava que eram estes:
A perspicácia de descobrí-la
O valor de escrevê-la
A arte de a tornar compreensível
A inteligência de saber escolher os destinatários
Esperteza para saber difundí-la.
Vamos tomar nesta nota apenas as duas primeiras “dificuldades”. Quanto ao inicial, mais do que a perspicácia (embora isso sempre desempenhe um papel) é mais relevante falar sobre o esforço e dedicação para descobrí-la. A verdade do capitalismo e da sua democracia, aquele “Eden da liberdade e dos direitos do homem” é que a semelhança (e também a diferença) das sociedades de classe que o precederam, há a exploração do homem pelo homem, embora de uma maneira muito mais velada. A teoria do valor de Marx (superando a do economista clássico David Ricardo) leva-o ao que ele considerava sua maior conquista: a distinção entre trabalho abstrato e trabalho concreto, entre trabalho e força de trabalho. O trabalhador se vende ao capitalista no ambito da produção gerando mais valia (que aumenta à medida que diminui o valor da força de trabalho, o salário do trabalhador) e que o capitalista terá que realizar em outra área: o mercado. Essa contradição era o fundamento oculto do sistema capitalista, que as versões light de Marx ocultam ou desqualificam por entendê-la metafísica pura (puro charlatanismo, para falar em crioulo). Naturalmente, esta rejeição o que fazia era encobrir o seu caráter de classe: a burguesia e seus escribas não pode admitir que o seu sistema é baseado na exploração do trabalho de outras pessoas e que se de alguma forma não for destruido levará a mais barbárie. (6)
O valor de escrevê-la
Toda a obra de Marx (e Engels), desde seus primeiros artigos mais filosóficos que políticos, foi escrita e publicada em revistas quase clandestinas com a intenção de espalhar o que nelas se dizia. Mais tarde, um texto de polêmicas contra o anarquista Proudhon e, claro, o Manifesto Comunista são obras de clara propaganda para a ação política. As conversas que Marx fez em pequenos núcleos proletários, tanto em Bélgica quanto na França (de onde foi expulso para chegar à Inglaterra, onde escreverá o resto de sua obra e encontrar a morte em 1883), mais tarde se tornaram folhetos para a educação revolucionária dos trabalhadores.
O valor de fazer isso durante e depois das revoluções francesa e européia de 1848, é estar ciente de estar exposto, como já dissemos, à proscrição, prisão e deportação, que finalmente aconteceram. E mesmo O Capital, texto científico da antonomásia, também tem uma marca política explícita que desenvolveremos no próximo artigo. Dizemos sim, que ali o valor também passa pelo relevante, o meritório desse achado que colide com o senso comum imposto. O estudo inteligente para chegar a uma conclusão geral como observado (dizendo de passagem, que não deixa de ser uma obra inacabada já que era parte de um projeto mais ambicioso) e que para vislumbrá-la teve que desmascarar o fetichismo que o capitalismo objetivamente tem: apresentar o capital como uma “coisa” encobrindo que é uma relação social, onde este procura constantemente valorizar-se e, portanto, explora o trabalhador com tarefas brutais, longas horas de trabalho ou intoduzindo máquinas para reduzir o tempo necessário para a reprodução do trabalhador como tal. Não estamos dizendo que o capitalismo de 1867 (primeira edição do Capital) é exatamente o mesmo que este de 2018, mas também não é substancialmente diferente. Daí a ainda atualidade de Marx e daí também que seu espectro passeie feliz com um sorriso irônico entre o mundo dos vivos.
Referências
(1) Marx nasce. Fernando Dantés. SoB 464
(2) Por exemplo, um intelectual marxista que respeitamos (Herbert Marcuse) referiu-se na introdução e agradecimentos de uma de suas obras, que tinha uma bolsa concedida por instituições como a Fundação Rockefeller. Nem havia ainda revolucionários profissionais que pudessem contar com esse tempo e algum apoio financeiro como os que mencionamos.
(3) Cuba: crescer entre as ruinas. Yassel A. Padrón Kunakbaev. SoB 465
(4) Para uma superficial aproximação ao tema ver Breve apostillas sobre Nietzsche. Guillermo Pessoa. SoB 314
(5) Citado por Michel Roberts em Marx 200: Carney, Bowles y Vaoufakis Michael Roberts Blog | blogging from amarxisteconomisthttps://thenextrecession.wordpress.com/
(6) Como muito bem afirma o marxista británico Michel Roberts no artigo já citado: Em resumo, podemos mostrar que a teoria do valor de Marx é lógica, coerente e empiricamente respaldada. Fornece, inclusive, uma explicação convincente dos movimentos de preços relativos no capitalismo, embora esse não seja seu objetivo principal. Seu objetivo principal é mostrar a forma particular que o modo de produção capitalista tem para explorar o trabalho humano em prol do lucro; e por que esse sistema de exploração tem contradições inerentes que não podem ser resolvidas sem a sua abolição.
*Tradução José Roberto