Argentina: irrompe a crise social

JOSÉ LUIS ROJO*

“A paciência social é um dos sinais vitais que se monitora constantemente no oficialismo e que, por enquanto, não mostra sinais muito perturbadores para o governo. Mas tanto Carrió quanto o radicalismo temem que se abuse dessa tolerância (…); o problema é que, se você errar o cálculo, pode transbordar” (Claudio Jacquelin, La Nación, 16/04/18)

Apesar do “arrocho” que, com a cumplicidade da oposição patronal e da burocracia sindical, tentou impor o governo nas últimas semanas, o descontentamento popular e a deterioração econômica começam a se infiltrar na conjuntura (os incipientes “cacerolazos” no final desta edição são uma amostra disso).

O assassinato de Leandro Miguel Alcaraz, de apenas 26 anos, motorista da linha 620 de La Matanza, somado aos aumentos siderais de tarifas, transporte, gasolina, preços em geral, voltaram a colocar sobre a mesa que para além dos “globos” oficialistas, as coisas não andam bem.

A CGT, Moyano e os K fizeram a sua parte. Se colocaram como “soldados da governabilidade” quando no verão se esbouçou uma dinâmica que poderia terminar com Macri expulso do governo: uma traição aberta ao desenvolvimento das lutas em benefício do slogan “há 2019”.

A CTERA e a SUTEBA descartaram qualquer perspectiva de conflito real. Todos os dirigentes sindicais concordaram, sem muita demora, em assinar os 15% em parcelas que o governo pretende (com a inflação do primeiro trimestre em mãos, talvez alguém agora “peleie” mais um ponto)

Se o governo recuperou o controle da conjuntura, o pêndulo político não retornou para onde estava depois das eleições. Antes das jornadas de dezembro o clima era reacionário; hoje é dominado pelo debate sobre o direito ao aborto e a crise social.

Cuando se retiram os balões

Dias atrás, o presidente do BCRA, Adolfo Sturzenegger, disse que, se a inflação não fosse moderada, aumentaria novamente as taxas de juros (uma medida que voltaria a atirar para baixo a anêmica “recuperação econômica”).

Na realidade, é o próprio governo que, com a desculpa de “reduzir o déficit fiscal”, tem impulsionado a inflação via aumento das tarifas. A afirmação de Macri de que eles são “gradualistas” em questões tarifárias é uma mentira [1]. O que se busca é uma recomposição dos lucros dos prestadores em detrimento do padrão de vida dos trabalhadores.

Como contrapeso ao aumento inflacionário, o governo está apostando no arrocho dos salários  Daí os miseráveis 15% em parcelas que estão assinando os sindicatos. Enquanto a inflação é alimentada via tarifas e com a desvalorização do peso, faz-se uma tentativa de contrabalançá-la com a baixa dos salários.

Mas a inflação tem mais causas. E não apenas econômicas, mas também políticas: as relações de forças que prevalecem no país [2]. A derrota do “reformismo permanente” que Macri delineou após as eleições do ano passado e que joranadas de dezembro colocaram em seu lugar.

Frustrado em termos “macro” o dito “reformismo” (que, atenção, nada o impede de voltar em breve), o governo deve continuar se apoiando no que está fazendo: financiar a dívida externa insustentável por 30 ou 40 bilhões de dólares por ano (que foi declarado pelo próprio Caputo, o ministro das finanças do governo), a expansão de uma base monetária sideral em pesos (mais dinheiro contra quantidade igual ou menor de bens, aumento nos preços), e assim por diante.

Em síntese: um cenário de deterioração econômica que põe fogo em  uma crescente crise social.

Um crescente mal estar social

O assassinato do motorista do 620 foi a gota que transbordou o copo da raiva social. Com toda a justiça, denunciaram Roberto Fernandez como traidor por se recusar a convocar uma greve geral do sindicato; isso para além de que a paralização nas linhas do oeste era enorme.

O assassinato do companheiro foi revelador das verdadeiras condições em que os trabalhadores vivem em nosso país. La Matanza e muitas outras áreas da grande Buenos Aires, são um verdadeiro “far west” onde prevalece a marginalidade, a pobreza, a falta de condições dignas de vida e de trabalho.

Diante dessa situação, os balões coloridos dos milionários que governam a Argentina, que vivem de costas para o país real, explodem como bolhas de sabão. Esta situação é também um argumento óbvio contra os K, que governaram o país por 12 anos e não impuseram uma única mudança de substância; apenas questões cosméticas.

Rapidamente o governo tentou levar as coisas para o lado da segurança, além de responsabilizar Verônica Magario, intendente K de La Matanza. Mas se Magario é evidentemente responsável, a cadeia de responsabilidades começa com Macri e Vidal

Vivemos sob um governo empresarial e descarado que gerencia o país para grandes empresas em detrimento dos trabalhadores; que não se importa com as condições de vida dos explorados e oprimidos; que vivem mentindo para impor suas políticas.

Em vastas áreas da grande Buenos Aires, a marginalidade prevalece. Matar um motorista porque ele exigiu que se lhes pague a passagem é algo imperdoável. Mas o problema subjacente é o “caldeirão social” em que se geram essas práticas, essas condutas: desemprego em massa, trabalho precário, a marginalidade que prevalece em muitos bairros (com seu correlato no comportamento das pessoas), etcétera; todas, falhas da Argentina capitalista.

Para o governo é fácil ir para o lado do punitivismo: isso evita qualquer reflexão e tratamento das causas do que aconteceu. Os motoristas, logicamente, exigem segurança. Mas este problema há muitas maneiras de abordá-lo e resolvê-lo.

Estrategicamente, o que se propõe é o oposto ao plano econômico do governo, é “virar o omelete”, é um plano econômico a serviço dos trabalhadores onde a crise é paga pelos empregadores: planos de obras públicas, aumento dos salários reais, proibição de demissões e suspensões, estatizar qualquer empresa que pretenda fechar ou demitir maciçamente (caso Carrefour hoje), etcetera.

Especificamente, a alternativa não é mais policia, ou colocar câmeras nas unidades (que servirão para monitorar os próprios motoristas!). A solução para um regime de trabalho de motorista menos explorador e seguro é colocar um segundo trabalhador em cada unidade.

No Brasil há décadas, o regime de pessoal duplo por unidade prevaleceu. Qualquer um que tenha viajado para aquele país sabe que o motorista só lida com dirigir e abrir as portas, e o segundo trabalhador recebe a passagem.

Escusado será dizer que, se houvesse dois trabalhadores para cada unidade, o trabalho seria mais seguro: eles cuidariam das costas um do outro.

Mas é claro que o governo e a comunidade empresarial não querem ouvir e nem falar sobre uma solução desse tipo: “isso tornaria os custos mais caros”, dizem eles. Sua função é sugar o sangue de motoristas e usuários para encher seus bolsos.

Macron, Temer y Macri

Em relação às perspectivas, é interessante fazer uma análise comparativa da situação desses três governos. A França é um país com uma longa tradição de luta, onde não houve derrota histórica em décadas. O neoliberalismo tem avançado, sim, e houve conjunturas muito reacionárias, mas a tradição da luta subsiste.

No entanto, agora, Macron, que tem uma esmagadora maioria em ambas as casas, saiu para atacar o núcleo central dos trabalhadores franceses: as ferrovias. Isso em nome de uma política de choque: que “o que não é feito hoje, não será feito amanhã”. Uma luta que está em curso e se verá como se resolve.

Por outro lado, Temer expressa a virada à direita alcançada com o “golpe parlamentar” que depôs Dilma Rousseff. Tem zero legitimidade; é um caso típico de governo de exceção. No entanto, ele tem uma grande maioria parlamentar, além de ter prendido Lula (certamente desmoralizando uma parte de seus partidários). Sua orientação, obviamente, é de choque.

Qual é a situação de Macri? Apesar de suas características reacionárias, é o governo mais normal dos três (mais democrático-burguês normal). Ele tentou um curso mais reacionário e de exceção no verão. Mas até agora esse caminho fracassou.

A Argentina, como a França, tem uma enorme tradição de luta. E além da derrota histórica da ditadura militar, de lá para cá, com idas e vindas, baixas pronunciadas nos anos 90 e recuperação desde 2001, não houve outra derrota geral.

Macri não tem maiorias parlamentares e vem de uma derrota – um triunfo pirrótico – nos dias de dezembro. Nada disso significa que não tente ofensivas duras; que não seja governo agente direto do empresariado embarcado em um projeto de racionalização neoliberal do país.

Parte dessa dureza é a sua política para conflitos como a aplicada em Posadas, onde a orientação oficial em cumplicidade com a burocracia verde é a perseguição ideológica do ativismo independente.

Em qualquer caso, a comparação serve para colocar a medida das coisas. Macron e Temer têm uma orientação de choque. Macri se apega ao “gradualismo” não porque ele quer, mas porque se queimou em dezembro quando tentou ensaiar seu “reformismo permanente”.

O pêndulo da luta de classes vem e vai. A orientação de esperar por 2019, como os K pregam, é uma armadilha. O ajuste tem que ser derrotado agora.

No 1ª de Mayo todos à Praça do Congresso!

A eterna trégua dos dirigentes sindicais implica isolar os trabalhadores do Rio Turbio, do INTI, das Posadas, da Cresta Roja, etc .: o governo os deixa no limbo, não atende, não responde, aposta no desgaste e em que passe o ajuste.

Juntamente com as demissões, há um elemento específico que caracteriza esses conflitos, como acabamos de assinalar: a caça às bruxas do ativismo.

Isto é o que está acontecendo em Posadas quando acaba de ser anunciado que de todos os membros da oposição “Unidade dos que lutam”, assim como do STS, se lhes “expira o contrato” no final de junho …

É uma ação escandalosa típica de uma ditadura militar: a perseguição ideológica de toda a oposição anti-burocrática!

Isso não se pode deixar passar. No próximo Primeiro de Maio devemos levantar um palco privilegiado para os de Posadas, para os mineiros de Turbio, para os lutadores do Inti, para os grupos militantes do movimento de mulheres como Las Rojas, para defender uma perspectiva internacionalista que começa hoje pela luta pela liberdade de Lula e pela independência política dos trabalhadores.

Todas essas batalhas levantaram a necessidade de criar uma tribuna unitária na terça-feira 1. Mas, mais uma vez, a FIT se recusou a fazer um ato em comum. Isso mesmo quando este ano não há eleições, o que deveria ser um fator que facilita as coisas.

Mas não: a FIT já está em campanha para 2019, segue sendo uma cooperativa eleitoral. E ela não tem a intenção de ir mais longe. Enquanto isso, as brigas diárias de trabalhadores, mulheres e jovens permanecem dispersas. E quando é necessário oferecer uma alternativa unificada à trégua eterna das direções, a FIT só olha para o seu pequeno umbigo.

Izquierda al Frente por el Socialismo já saiu a instalar todo o nosso ato na Praça do Congresso. O mesmo se realizará a partir das 15h00. Ao mesmo tempo, pela manhã no Hotel Bauen, realizaremos a plenária de fundação de nossa “Corrente Sindical 18 de dezembro”, no qual esperamos uma importante participação de trabalhadores classistas de todo o país.

Com essas duas tarefas em mente, e quando torna a dinamizar novamente a conjuntura, nossa militância, com tudo, sai a militar os dois eventos; a dar um novo salto na construção do nosso partido no calor dessas batalhas.

 

[1] Se abriu uma crise com Alfredo Cornejo, governador de Mendoza e presidente da UCR, que, refletindo o aumento dos custos dos produtores de sua província, saiu para se diferenciar do “choque tarifário” do governo.

[2] Em uma base material da baixa produtividade da economia nacional, as relações de forças como um fator político pesam na medida em que o governo não pode levar o ajuste até onde ele gostaria.

*Tradução José Roberto