Catalunha: traição e resistência

Após a publicação do artigo de Carla Tog, nossa correspondente em Barcelona, há dez dias atrás, que faz um primeiro relato e tira as primeiras conclusões políticas da luta pela independência catalã, um processo de resistência multitudinária contra a prisão política das autoridades catalãs pelo governo espanhol e pelo reconhecimento da República sacode a região. Ontém mais de 750 mil pessoas tomaram as ruas de Barcelona com esse objetivo. Processo que carece de uma direção à altura, como analisa Tog em seu artigo, visto que mesmo diante dessa manifestação gigantesca, o presidente da autoridade catalã, Carles Puigdemont, em seu auto-exílio na Bélgica, como um típico dirigente burguês que não quer e não pode levar a luta até o final, chama as massas a respeitar o processo eleitoral imposto por Madri em vez de clamar pelo aprofundamento das mobilizaçãoes, fortalecimento dos Comitês de Defesa da República e mobilização da classe trabalhadora com seus métodos de luta.

Catalunha – Puigdemont trai a vontade do povo catalão e foge para Bélgica

CARLA TOG, Barcelona, 2/11/17

Para os catalães, a sexta-feira, 27 de outubro, ficará na memória e passará à história. Esse dia, apesar das ameaças do governo de ativar o artigo 155, proclamou-se a República, produto da imensa mobilização prévia e posterior ao referendum de 1 de outubro. Nesse dia, milhares chegaram ao Parlament [parlamento catalão] para escutar pelo alto-falante a plenária na qual se votaria a Declaração da República.

Em um clima de alegria, tensão e muita expectativa se comemorava os votos a favor e vaiava os contrários. Pulos, gritos, abraços, lágrimas e comemorações, quando finalmente por 70 votos a favor, 10 contra e 2 abstenções, aprovava-se declar indepedencia e “abir um processo constituinte que termine com a redação e aprovação da Constituição da Republica”.

Em seguida, comemoramos e seguimos nas marchas, nervosismo, discussões, assembleias e reuniões. Brindamos, entre os conhecidos e desconhecidos, porque de alguma maneira éramos artífices dessa situação. Ao cair da noite as gigantescas colunas de gente e estreladas [bandeiras da Catalunia] se dirigitam para Sant Jaume para continuar as comemorações.

E alí os cânticos que ressoavam diziam: “Fora, fora, fora a bandeira espanhola”, para que se tirasse a bandeira espanhola da Generalitat [sede do governo catalão], como deve ser uma República independente, e “Pugdemont al balcón”, pedindo que o Presidente se dirigisse aos catalães, que mereciam e como as circunstâncias exigiam.

Porque não é todos os dias que, logo após um referendum autodeterminado, uma paralisação cívica e mobilizações massivas, declara-se uma República no mundo e não é todos os dias que o governo central ameaça intervir nas instituições e autonomia catalãs. Nada disso aconteceu. Nessa sexta fomos dormir com um sorriso nos lábios, porém conscientes que o artigo 155 começa a se mover e sem saber como íamos enfrentá-lo. Porque não havia clareza dos acontecimentos e nem convocação alguma para defender (de algum modo) a República e enfrentar o artigo 155.

As verdades são amargas…ainda que necessárias. Amargas porque doem e necessárias para evitar a desmoralização e não ficar se remoendo, pelo ccontrário, para avaliar, tirar conclusões, por na ponta do lápis e redobrar esforços na luta para fazer valer o mandato popular.

Dito isso, há que dizer que a República durou apenas umas horas e que Puigdemont capitulou diante do Estado espanhol.

A poucas horas depois de proclamada a República, Rajov compareceria e se publicava no BOE [Diário Oficial] a cassação do President, o vice-presidente e a mesa do Governo, a dissolução do Parlament e a convocatória para eleições em 21 de dezembro. No sábado Catalunia despertava com essa notícia. Desconcerto e incerteza diante da forma concreta que iria assumir a intervenção do Estado no solo catalão. Também se sabia que isso era o anúncio do fim da República.

Da parte de Puigdemont apresentava uma mensagem (gravada) de três minutos pedindo “paciência, perseverança e perspectiva, fazer oposição democrática ao artigo e não abandonar a conduta cívica e pacífica”. Tão cívica e tão pacifica se demonstrou sua estratégia que, como já adiantávamos em artigos anteriores, resulta inócua, imobilista e estéril. Uma estratégia orientada para desgastar, desarmar e frear a mobilização e para desvirtuar a original e justa reivindicação do direito de decidir. Apesar disso, a incerteza não desapareu.

Que sensação mais estranha se viveu esse dia, tudo continuava como se nada houvesse acontecido, apesar de que se “tinham feito coisas”. Havia declarado uma República e a intervenção ao mesmo tempo…

No domingo ao meio dia as bandeiras espanholas voltaram ao centro de Barcelona. A Sociedade Civil Catalã (direita protofacista) convocou uma manifestação sob o lema “Todos somos Catalunia”, à qual integrou na primeira fila PP, PSC e Cuidadanos. E foi multitudinária. Reivindicou-se a falsa e forçada “unidade da Espanha” e a Constituição de 1978. Uma demonstração de força e dureza do governo e da direita para reafirmar “o retorno à legalidade mediante a implementação do 155” e conter a polarização social.

Segunda foi um dia esperado com inquietação. Era o dia que o Estado espanhol irua intevir nas instituições catalãs.

Todo mundo especulava, porque com esse discurso preparou-se o que o Governo aplicou a força, com os tanques e/ou detenções, o artigo 155. Todo mundo esperava que Puigdemont e Cia.  resistissem. Porém, nem Rajoy usou a força e nem Puigdemont sequer um pouco resistiu. Ou, melhor dito, nem Rajov necessitou do uso de força nem Puigdemont quis resisitir.

No entanto, essa segunda transcorreu com total “normalidade”. As pessoas foram trabalhar, levou os filhos à escola, assistiu aulas, foi à consulta medida, fez a compra, renovou o DNI [documento de identidade], as bandeiras espanholas seguiam tremulando nas repartições públicas que funcionavam de forma regular e não se observava presença policial ostensiva.

No entanto, desde a Promotoria Geral se anunciavam as citações e as querelas pelos delitos de rebelião, sedição e malversação, entre outros, contra Carles Puigdemont, sua equipe de Governo e a Mesa del Parlament, e tanto ERC como o PDECat faziam declarações no sentido da sua mais que provável participação nas eleições convocadas sob o artigo 155. Junqueras foi mais que eloquente e claro quanto disse que “se tornariam decisões difíceis de entender”.

Quase que paralelamente, para a surpresa de todos e falando em inglês e francês, Puigdemont aparecia em Bruxelas transmitia o seguinte: “Estamos aqui como cidadãos europeus, temos que trabalhar como governo legitimo e essa é a melhor maneira de dirigir-se ao mundo desde a capital da Europa. E isso é uma questão europeia, desde que o Governo espanhol decidiu de maneira ilegítima cassar nossos cargos. Não temos nenhuma proteção desde que tomou controle da poliíia catalã, no meu caso reduziu a segurança. Não queremos privilegir a confrontação social. Se tivéssemos assumido uma ação de resistência teria haviado violência e não vou enfrentar meus cidadãos com uma onda de violência”.

“Se garantirem um processo justo voltaremos de forma imediata…por isso na sexta-feira a noite decidimos por essa estratégia…Foram eles que começaram o caos. Sempre atuamos sem violência e democraticamente e estamos dispostos a colaborar com a justiça e a respetirar os resultados do 21D”

Assim, depois da expectativa e alegria veia a perprexidade e decepção.

Tudo isso demonstra que no fundo, quando a corda estica, nenhuma força burguesa está disposta a que se quebre. Nenhuma forma burguesa se joga até o final, prefere entregar tudo do que lutar e correr o risco de perder. É que tem muito o que perder. Podem ir longe, inclusive além do que eles mesmos querem, porém até certo ponto, o limite é o medo de serem ultrapassadas a legalidade e a ordem capitalista que garantem os seus privilégios de classe. Porque não há estratégias moderadas para objetivos radicais. E até aí chegam os moderados burgueses, até que chega o momento critico e chega a hora de tomar concreta, efetiva e materialmente as coisas e as decisões, e quando é necessário, deixam-te na mão. Para se salvarem como os ratos que abandonam o navio que afunda.

Resumindo. Declara-se a DUI [Delcaração Unilateral de Independência] para que no final tudo fique no terreno da declaração formal, sem sair um milímetro da institucionalidade. O Estado espanhol intervém, sem resistência, Pugdemont foge e, de fato, aceita-se a intervenção ao não fazer resistêcia alguma, apresenta-se para querelas e aceita as eleições impostas por Rajoy que tem o objetivo de anular o direito e a luta do povo catalão. Repgnante.

Hoje, com execessão da CUP, até o momento, já falam de forma eleitoral e se pronunciam a favor de se apresentar nas eleições. Não houve marchas nem chamados de resistência, ainda que passivas, para efetivamente defender a República, porém as eleições estão postas. Nada mais passivo que isso e contrário a tudo para que se vem lutando e conquistando nas ruas. Esvaziar as ruas e votar é a maneira efetiva e “democrática” da direção burguesa do processo de desviar o legitimo direito do povo catalão. E para isso prepararam a sua base, dizendo-lhes que agora se deve votar ainda que seja com o nariz fechado para que não ganhe a direita e para referendar as urnas da Republica, uma Republica que eles se encarregam que seja apenas no papel.

Para lavar as mãos e voltar a apoiar a legitimidade e não perder o capital politico acumulado até agora, dão aval ás eleições, convocadas pelo Governo central, na qual o independentismo chega dividido, porém ainda assim, estes preferem aceitar as urnas mesmo que perdendo votos porque as ruas não são o seu terreno e há que acalmar e processar as coisas.

Neste panorama alguma responsabilidade também cabe à CUP, que apenas se dedicou em pressionar o Govern porém nunca convocou efetivamente a resistência nas ruas, nada. Reclamam e ameaçam pela esquerda o Parlament, porém nunca tomam iniciativa, ao contrário, sempre acabam confiando, esperando e no final, adaptando-se aos canais institucionais e legais do parlamentarismo burguês, no caso de aceitarem as eleições do dia 21 estariam se adaptando diretamente à legalidade do Estado espanhol. Fez pressão para a DUI e uma vez declarada…? Seguem sem chamar a mobilização para resistir efetivamente ao 155. Até agora não têm nenhum exemplo de resistência passiva que tenham feito, apresentar-se no Parlament e continuar trabalhando pela República (inexistente e retórica) não é nenhuma resistência real, apenas palavras e atos inócuos. Porém, o mais indignante é saber, pelas declarações de alguns de seus dirigentes, que recentemente a CUP estaria dando conta o que são o ERC e o PDEcat.  Assim, Benet Salellas reconheceu que o governo não está preparado para um cenário de unilateralidade e que carece de estruturas de Estado próprias. “O certo é que neste país não há estruturas de Estado preparadas nem medidas de efetividade republicana que estejam se desenvolvendo”.

Porém, da mesma forma que Catalunha é a ferida do regime de 1978 e as eleições não vão solucionar nada, as direções burguesas encaminham o desastre, porém isso não é tudo.

Por isso terá que ser feito um balanço nos CDR [Comitês de Defesa da República], nas aulas e em todos os lugares onde o movimento continua vivo e contunar alerta ao desenvolvimento dos acontecimentos. E mais do que nunca, reafirmar a necessidade de construir uma direção alternativa e independente a esta, que já demosntrou sua traição e seus interesses. E reafirmar também que para que a luta e a vontade dos catalães triunfem, é necessário que a classe operária entre em cena e se coloque no centro dos acontecimentos com os seus métodos e lutas.