Diante da reabilitação da extrema direita como produto direto do fracasso da conciliação de classes, quais são as tarefas da dita esquerda revolucionária para derrotar Nunes, Tarcísio e Bolsonaro?

PEDRO CINTRA

“Quando se trata dos próprios fundamentos da sociedade, não é a aritmética parlamentar que decide, mas a luta.” (TROTSKY, L. “Alemanha: O único caminho”, 14 de setembro de 1932)

As eleições municipais deste ano cristalizaram a vitória categórica de duas forças do sistema político, a velha direita reacionária do Centrão e a extrema direita. Já é evidente que a conciliação de classes de Lula-Alckmin, eleita em 2022 por uma margem mínima de votos, mas derrotando Bolsonaro e seu projeto de ameaça às liberdades democráticas, ao seguir à risca a agenda de ataques da classe dominante e conter conscientemente as mobilizações – como exige a burguesia que atende -, abre um perigoso caminho à extrema direita. A conciliação de classes, ainda mais à direita neste Lula 3, viabiliza, na prática, um cenário ainda mais favorável para que a ultradireita intensifique seus ataques à nossa classe e chegue em 2026 com força máxima. 

Em São Paulo, o segundo turno se dá entre Guilherme Boulos (PSOL), candidato da esquerda da ordem, e Ricardo Nunes (MDB), nome do bloco reacionário conformado pela extrema direita e o Centrão. Nunes, um inimigo declarado da juventude, dos trabalhadores e das mulheres, caminha hoje – sem luta nas ruas – para uma tranquila vitória contra Boulos, como indicam as últimas pesquisas. A reeleição do atual prefeito interessa, antes de mais ninguém, ao assassino Tarcísio de Freitas (Republicanos), que terá mais impulso para avançar em seu projeto ultradireitista de militarização da educação, de chacinas nas periferias, privatizações dos transportes, escolas e universidades (assim como fez com a Sabesp) além é claro, de se chancelar como nome forte pela extrema direita na disputa nacional. 

Só rompendo com o imobilismo eleitoral da esquerda da ordem de Boulos e construindo um verdadeiro tsunami estudantil e popular que se pode derrotar Nunes e a extrema direita, uma tarefa fundamental para a luta durante e depois das eleições. Sob um calendário unificado de lutas, que desde já exigimos à UNE, UBES e às centrais sindicais do lulismo, é preciso aglutinar e apostar nos setores mais dinâmicos da luta de classes hoje para tomar as ruas já e arrastar consigo setores importantes de massas: a vanguarda mais disposta a eleger Boulos, o movimento ecológico, o de mulheres, o da luta contra as privatizações, a marcha da maconha e outros mais. 

Na luta de classes, quem dá a última palavra são as ruas. Foi assim com a jornada de lutas que derrotou parcialmente o PL do Estupro em junho deste ano, fazendo recuar Lira e toda a bancada evangélica. Por isso, quando se trata do enfrentamento ao neofascismo, o voto na democracia burguesa, é uma ferramenta tática complementar para a atuação dos revolucionários. Afinal, é a própria crise da democracia burguesa, um processo já viciado de fábrica por direita e “esquerda”, que nutre a terra fértil para a ascensão de fenômenos de ultradireita e que cada vez acumula mais desacreditados em seu funcionamento como alternativa para resolver as dramáticas contradições da realidade. [1]

Portanto, dissociar o voto da luta, prática comum da social democracia, é fazer o jogo do imobilismo eleitoral que retira a luta das ruas – às deixando de bandeja aos ultrarreacionários – e que, no limite, confunde a vanguarda sobre os métodos para se derrotar a extrema direita. É papel da esquerda revolucionária, desde já, organizar a linha de frente da luta nas ruas contra a extrema direita de Nunes e Tarcísio. É o mais consequente a se fazer no atual cenário, inclusive, para preparar a luta para um possível, e muito provável, novo governo reacionário de Ricardo Nunes. 

Para enfrentar o extraordinário, só abandonando o ordinário

Em recente editorial, publicamos a posição da Corrente Socialismo ou Barbárie e da Juventude Já Basta! diante do segundo turno em São Paulo. Para derrotar a extrema direita em São Paulo: Tomar as ruas já, nenhum voto em Nunes e nenhuma confiança na conciliação de classes! O recado é claro: chamamos o voto e a luta direta contra a extrema direita, convocando para as ruas os que expressam nas urnas o rechaço à candidatura de Nunes, em sua maioria, os eleitores menos ou mais críticos de Boulos nesse segundo turno, mas também àqueles legitimamente desiludidos com qualquer transformação substancial pela via institucional. Além disso, dizemos que não se pode confiar na conciliação de classes, por que é ela, como mão esquerda dos ataques da burguesia, a responsável por dar vida política à extrema direita. 

Já o PSTU apresenta uma outra posição, o voto crítico na candidatura de Guilherme Boulos. Uma posição que compreende corretamente o voto como uma ferramenta tática de rechaço eleitoral à extrema direita, mas que se restringe a esse campo. É como disputar uma dura batalha se esquecendo de sua arma mais letal. A posição se dá exclusivamente ao terreno eleitoral, sem qualquer chamado às ruas e sem qualquer exigência ao PT, ao PSOL e às entidades sindicais para que convoquem imediatamente a luta. Nas bases estudantis, a política é endossar o vira voto crítico pela candidatura psolista que, dia após dia, acelera à direita rumo ao precipício. Uma tática, que embora legítima, é insuficiente e estéril diante dos atuais desafios colocados.

Em relação CSP-Conlutas, central sindical e popular que dirigem e que também somos parte, os companheiros não propõem qualquer iniciativa para discutir e organizar a mobilização para os próximos dias, dias que serão determinantes ao resultado eleitoral. Convidamos os companheiros a se perguntarem sobre a importância de uma plenária aberta em São Paulo da CSP-Conlutas para combinar a exigência às burocracias sindicais com a construção de um ato unitário contra a extrema direita e o seu representante municipal, Ricardo Nunes. 

Poderão dizer os companheiros que a posição de voto crítico em Boulos não os faz negar a luta imediata pelas ruas. Essa hipótese nos faz relembrar a posição que tiveram em 2022 em se ausentar, assim como os companheiros do MRT, dos atos de ampla unidade (constituídos por vários setores reformistas e inclusive burgueses democráticos) contra Bolsonaro. Chamaram corretamente o voto crítico em Lula mas o dissociaram da mobilização, um profundo equívoco. [2]

O mesmo episódio se repetiu este ano, quando, às vésperas do aniversário do golpe de 64, se ausentaram de disputar os atos contra a anistia que, embora limitados à política governista, foram convocados pela burocracia sob pressão de sua base. Na prática, ficaram em casa em um momento em que havia uma circunstância mais favorável (o avanço das investigações contra Bolsonaro) para se avançar contra o bolsonarismo e a extrema direita. Sendo assim, os companheiros atuam sob uma chave sectária-economicista que subestima a extrema direita e menospreza a tática de unidade de ação nas ruas que, segundo Trotsky, deveria se dar com “o diabo e a vó”. 

É natural termos posições diferentes e defendê-las frente à vanguarda. Ruim é falsear o debate e criar espantalhos para confundi-lo. Foi o que fizeram os companheiros de sua juventude, o Rebeldia, dizendo que nossa corrente defendia, na verdade, o voto nulo em São Paulo, uma suposição desonesta que não se sustenta já que nossa posição é clara: Nenhum voto em Nunes. O objetivo é tentar nos colocar no campo da inconsequência política. 

Se esta é a preocupação, poderiam, ao invés disso, fazer um balanço crítico sobre a inconsequente  dissolução do Polo Socialista e Revolucionário logo após as eleições de 2022. Esta política unilateral nos levou a uma campanha fragmentada entre aqueles que construíram a candidatura de Altino e impossibilitou que pudéssemos conformar uma frente da esquerda socialista para apresentar um programa comum para a cidade e dar a batalha contra a extrema direita. Ou talvez, poderiam fazer um profundo e honesto balanço da posição do “Fora Todos” em 2015/16 em plena ofensiva ultrarreacionária por direita que culminou no impeachment de Dilma e na eleição de Bolsonaro. Uma avaliação à época que reside na saturação de análises objetivistas e empíricas como resultado de um inexistente balanço teórico e estratégico das experiências do século XX.

Desse modo, para além das distintas posições que devem ser debatidas a serviço da organização da luta, o tema central que devemos encarar é o de como mobilizar a vanguarda estudantil hoje para dar uma resposta à altura que ponha a extrema direita contra as cordas, que seja capaz de sobrepujar a atual correlação de forças.

Tendo isso em mente, convidamos os companheiros do Rebeldia/PSTU, assim como a Juventude Faísca/MRT, para atuarmos em unidade na próxima assembleia geral dos estudantes do Butantã da quinta (17/10), com a perspectiva de encaminhar um calendário de lutas para o movimento estudantil – com um grande ato de rua – contra Ricardo Nunes e a extrema direita. Assim como, para que o movimento delibere, sob a soberania da assembleia de base, pela exigência à UNE, UBES e centrais sindicais lulistas para que convoquem um grande ato na capital para derrotarmos, em unidade e pelas ruas, Ricardo Nunes, Tarcísio e Bolsonaro!

Para derrotar a extrema direita em São Paulo: Tomar as ruas já! Nenhum voto em Nunes e nenhuma confiança na conciliação de classes!

Notas:

  1. Vale lembrar que cerca de 30% do eleitorado optou por não participar do primeiro turno votando em algum candidato (maior porcentagem da história de São Paulo, atrás apenas das eleições em período de pandemia), seja se abstendo ou votando nulo ou branco.
  2. Na ocasião, o MRT teve uma posição – ou melhor, não posição – abstencionista de voto nulo envergonhado. Tudo indica que repetirão a mesma “fórmula” para a segunda volta este ano.

 

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