Com a aproximação das eleições e as pesquisas eleitorais desfavoráveis para o atual governo, as ameaças golpistas de Bolsonaro voltaram a escalar e contam com o apoio de setores das forças armadas, colocando a urgente necessidade de mobilização nas ruas como centro estratégico da política da esquerda.
ANTONIO SOLER
Nas últimas semanas tivemos uma nova escalada de ataques orquestrados ao sistema eleitoral que se manifestaram com o indulto presidencial do deputado federal Bolsonarista Daniel Silveira no dia 21/4, logo após a sua condenação a 8 anos e 9 meses de prisão pelo STF por ataques às instituições do regime e ameaças a membros da Suprema Corte. Um indulto que pode ser caracterizado como desvio de funcionalidade considerando que questiona a decisão judicial e foi concedido antes do trânsito em julgado, ou seja, mesmo antes do processo ter se resolvido. O indulto inconstitucional é uma tentativa de Bolsonaro se impor como poder moderador (bonapartista) acima da justiça. Esse foi apenas o primeiro ato tático da estratégia de questionamento permanente do sistema eleitoral e, portanto, do regime como um todo.
Dias após esse episódio, em um evento no dia 27/4 no Planalto, cuja pauta era a defesa da “liberdade de expressão”, dentre os ataques ao STF e ao sistema eleitoral, Bolsonaro disse que o TSE convidou as Forças Armadas para participarem do processo eleitoral. Será que “esqueceram que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Bolsonaro?”, ou seja, que o TSE deve explicações ao Presidente, uma ruptura com a divisão dos poderes burgueses visando tutelar diretamente a justiça eleitoral para colocá-la a serviço da sua reeleição, o que de acordo com as pesquisas eleitorais só pode ocorrer através de um golpe.
No dia 28/04, o Ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enviou ofício ao Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Edson Fachin, informando quem centralizarará as demandas dos militares na Comissão de Transparência Eleitoral. Nogueira diz que “diante da impossibilidade de tê-lo feito pessoalmente, solicito a vossa excelência que, a partir desta data, as eventuais demandas da CTE direcionadas às Forças Armadas, tais como solicitações diversas, participações em reuniões, etc, sejam encaminhadas a este ministro, como autoridade representada naquela comissão”. Na verdade, quando o TSE constituiu uma “Comissão de Transparência Eleitoral” a partir da pressão do governo e convidou um representante das forças armadas para integrá-la e dar sugestões acabou por dar um tiro no pé, pois criou as condições para que o governo e militares aliados ao mesmo fizessem exigências desmedidas ao processo eleitoral. Se não forem atendidas, estas exigências podem justificar questionamentos futuros em torno do processo eleitoral, caso Bolsonaro não for reeleito.
Em meio a aberta crise institucional entre Governo, Forças Armadas e Supremo, e recrudescida a escalada antidemocrática, no dia Internacional do Trabalho, 01/05, Bolsonaro participou de atos contra o STF convocados por sua base bolsonarista em Brasília e São Paulo. Durante o ato em Brasília, pela manhã, passeou entre manifestantes e no evento de São Paulo discursou através de um telão na Avenida Paulista. Esses atos tiveram bem menos adesão do que os de 7 de setembro, porém comparados aos atos organizados pelas centrais sindicais, foram maiores e mais expressivos, demonstrando que a disputa pelas ruas ainda está sendo vencida pela extrema direita, um reflexo da estratégia lulista.
No dia 03/05 Luiz Fux e Paulo Sérgio Nogueira reuniram-se. Durante o encontro, Nogueira teria dito que as Forças Armadas estão comprometidas com a normalidade das eleições. Porém após essa reunião saíram duas notas bastante diferentes. Enquanto o Presidente do STF relata que “o ministro da Defesa afirmou que as Forças Armadas estão comprometidas com a democracia brasileira”, Nogueira escreve sobre “o permanente estado de prontidão das Forças Armadas para o cumprimento das suas missões constitucionais”. Ou seja, a nota divulgada pela Defesa não tem nenhum compromisso com o vigente processo eleitoral e muito menos com a democracia, como tentou aparentar o presidente da Suprema Corte, mas sim de ressaltar que as Forças Armadas, a serviço de Bolsonaro, seguem na tentativa de tutelar o processo eleitoral.
Em meio a essa escalada golpista, na live semanal do dia 05/05, Bolsonaro seguiu com as ameaças ao processo eleitoral e ao STF. Disse que contratará uma empresa privada para auditar as eleições e que se não for possível auditar todo o processo, o TSE ficará em uma “situação bastante complicada”. Ou seja, além das tentativas de tutela da pasta da Defesa em relação às eleições, se a auditoria privada demonstrar que não é possível auditar o processo eleitoral, o mesmo estaria comprometido, justificando uma intervenção.
De forma orquestrada, no mesmo dia da live, o ministro da Defesa, solicitou que o TSE publicasse os questionamentos feitos pelas Forças Armadas ao processo eleitoral, além de divulgar os apontamentos feitos por eles sobre o pleito deste ano. Exigências que foram respondidas pelo TSE na data de 09/05, rejeitando as novas sugestões das FA. O TSE em documento enviado à pasta afirma que a Defesa em suas solicitações apresenta erros conceituais em relação ao processo de testagem das urnas e que das 7 sugestões da Defesa 4 já estão em prática e 3 não serão acatadas.
Uma estratégia golpista que não cede
Bolsonaro é um presidente neofascista que está à frente de um governo autoritário que tem como estratégia o fechamento do regime político. Os auto-golpes na atualidade ocorrem de forma diferente dos que foram dados nas décadas de 60 e 70 em que se utilizavam predominantemente de quarteladas e tanques nas ruas. Agora se convencionou combinar a agitação política de extrema direita nas ruas com medidas para ir fechando o regime usurpando as instituições do mesmo, ainda que isso não possa se combinar com os métodos anteriores. Tal movimento, dentre outros fatores, é fruto direto da ofensiva reacionária com a manobra golpista do impeachment de Dilma em 2016 e da prisão sem provas de Lula em 2018.
Como parte da sua movimentação, além de tomar medidas para armar sua base mais fiel atacando o Estatuto do Desarmamento e fragilizando o controle sobre venda e circulação de armas e munição, Bolsonaro conseguiu colocar a PGR, a AGR, a PF sob seu controle.
No início do seu governo o alvo principal dos seus ataques ao regime era o Congresso Nacional, mas esse tratou de tomar medidas para isolar o presidente e ao mesmo tempo ir abocanhando uma fatia cada vez maior na forma de emendas orçamentárias. Com a queda da sua popularidade, isolamento e crescimento do movimento pró-impeachment, muda de estratégia: aproxima-se do Centrão (grupo de partidos de direita fisiológicos que dominam a Câmara dos Deputados), cede parte do governo a esse grupo, conformando um novo governo de coalização, e troca toda a cúpula das FA para coloca-la a serviço do seu projeto golpista.
Depois disso, Bolsonaro vai e vem em suas ameaças, mas não perde a estratégia. Fez uma campanha pelo voto impresso, mas como foi derrotado, recua temporariamente nessa tática de questionamento dos resultados das eleições. Depois de perder o debate sobre as urnas eletrônicas, promoveu um verdadeiro ensaio golpista contra as instituições do regime no dia 7 de setembro de 2021. Como todo ensaio, houve desencontros no enredo, caminhoneiros bolsonaristas, diante do repúdio da maioria, mantiveram a greve obrigando Bolsonaro a pedir que recuassem. Na ocasião, redigiu uma carta sob assessoria de Michel Temer, um recuo tático.
Como já foi dito várias vezes em nossas publicações, estamos em uma situação política reacionária, um governo autoritário que quer fechar o regime e uma direção traidora do movimento de massas que joga tudo para o terreno eleitoral. Sete de setembro do ano passado foi apenas um ensaio geral seguido de um recuo tático de Bolsonaro em sua estratégia de fechar o regime político.
Assim que começa 2022, diante de uma estagflação que tende a se arrastar até 2023, dos limites dos instrumentos econômicos disponíveis de um governo burguês de extrema direita e da possibilidade de perder as eleições no segundo turno, Bolsonaro volta a se enfrentar duramente com o STF com o objetivo de questionar o resultado eleitoral em outubro, independentemente de qual seja o resultado. O controle de parte significativa das instituições do regime, o indulto ao deputado abertamente golpista, a agitação da base bolsonarista nas ruas e toda a movimentação com o apoio de setores das FA para desacreditar na segurança das urnas eletrônicas e na capacidade do TSE de organizar o processo eleitoral é o desenho de um possível questionamento com ruptura institucional (golpe) se Bolsonaro for derrotado em outubro próximo. Há indicadores que o imperialismo estadunidense, a maioria da classe dominante, do Congresso e até das FA estariam contra esse tipo de movimentação golpista, mas a recusa em aceitar a derrota, uma agitação de extrema direita nas ruas e a apatia das forças progressistas poderiam fazer a balança política ficar a favor de Bolsonaro.
Por uma linha política para deter o golpismo
É exatamente por estarmos diante de uma escalada golpista – mesmo que com baixa probabilidade de êxito hoje, é preciso que se permaneça atento a ela pois não se pode prever com precisão a dinâmica dos acontecimentos – que a política da maioria da direção do PSOL de entrar na chapa Lula-Alckmin, abrindo mão de uma candidatura própria, da construção de um programa que atenda as necessidades dos trabalhadores e de uma frente de esquerda para a luta nas ruas e para as eleições, significa uma profunda traição às lutas e demandas da classe trabalhadora e dos oprimidos. Posição essa de não chamar o voto crítico no primeiro turno e preservar táticas e estratégias, mas ingressar em uma frente eleitoral burguesa de conciliação de classes abrindo mão de toda independência política.
Entrar nessa chapa de conciliação de classes, que se for eleita governará para a burguesia, realizará contrarreformas e reprimirá o movimento, significa uma ruptura total com a independência de classes, com a estratégia de mobilização e táticas adequadas. A direção do PSOL, em uma ruptura total com a necessária linha política socialilsta, argumenta que abrir mão de uma pré-candidatura e ingressar nessa chapa está a serviço da tarefa central de derrotar Bolsonaro. Essa política é uma traição do ponto de vista dos princípios, das estratégias e das táticas, ou seja, traição conjuntural e histórica.
Do ponto de vista conjuntural essa lógica não se sustenta à menor crítica, pois a derrota de um neofascista que não irá pestanejar em usar forças extraparlamentares para se manter no poder, caso as condições lhe forem minimamente favoráveis, só pode se dar com um processo de mobilização intenso, que proceda as eleições de outubro. Contudo, a direção do PSOL argumenta que as tentativas de derrotar Bolsonaro pelas ruas fracassaram em 2021, por isso nos restaria apenas a política eleitoral como arma.
É preciso esclarecer que a mobilização para derrotar Bolsonaro nas ruas fracassou, não alcançou o status de mobilização de massas, porque a direção lulista – e o próprio Lula – trabalhou incansavelmente para desmobilizar as lutas. Além disso, com o crescimento das contradições econômicas, desemprego, inflação, fome e etc não está escrito nas estrelas que não podemos ter um ano de lutas nas ruas. Aliás, uma série de categorias estão mobilizadas sem que suas lutas sejam cobertas de solidariedade para que ganhem repercussão nacional.
Assim, além de ser uma necessidade estratégica, apostar na luta direta para derrotar Bolsonaro é fundamental. Estar na chapa Lula-Alckmin e não ter uma pré-candidatura própria desarma para a tarefa de ir às bases das categorias, às periferias e aos setores mais mobilizados da sociedade para chamar a mobilização e exigir que as organizações que dirigem o movimento de massas e o próprio Lula convoquem à luta. Totalmente ao contrário do que argumenta a direção do PSOL, entrar na chapa de conciliação de classes, não ter uma candidatura e programa próprios dilui totalmente nossa política de frente para lutar, as bandeiras necessárias e a tática de exigência – e denúncia – para os aparatos.
Já do ponto de vista histórico, essa linha política de capitular ao lulismo e entrar na chapa de conciliação de classes, vai totalmente contra a necessidade de construir uma alternativa socialista à esquerda do lulismo, de contribuir para que a classe trabalhadora e os oprimidos se dotem de uma direção revolucionária que possa conduzir lutas estratégicas para superar a exploração capitalista. Capitular ao lulismo, abrir mão do princípio da independência de classes e das estratégias de mobilização permanente e da organização de um partido revolucionário, significa liquidar o PSOL também como alternativa histórica.
A construção de uma alternativa socialista
Todas essas razões nos levaram a romper com esse partido e apostar na construção de uma frente política de esquerda com setores que estão também rompendo.
Além de participar dessa frente de militantes, figuras e correntes que rompem com o PSOL para construir uma nova organização política, também estamos construindo o Pólo Socialista Revolucionário, instância que pretende ser uma frente de organizações com o objetivo de aglutinar a esquerda socialista revolucionária no Brasil. Evidentemente que a tarefa central nessa conjuntura, além de apresentar candidaturas independentes pelo país, é levar a linha da necessidade da unidade de ação e frentes para lutar em todos os lugares que possa-se alcançar, de forma a efetivar um processo de retomada da luta nas ruas através de iniciativas próprias e da exigência, desde a base, que os aparatos apoiem as lutas em curso e destravem a mobilização para derrotar Bolsonaro.