“Educação sexual para decidir, anticoncepcional para não abortar e aborto legal para não morrer”

Júlia Bachiega  e Deborah Lorenzo 

Na passada segunda-feira (21), a Corte Constitucional da Colômbia descriminalizou o aborto até as primeiras 24 semanas de gestação. A decisão, inédita no país e fruto da intensa mobilização do movimento feminista, representa um avanço histórico nos direitos das mulheres.

Desde de 2006, segundo o código penal colombiano, a realização do aborto era permitida em apenas três circunstâncias: casos de violência sexual, malformação fetal que inviabilizasse a vida do feto ou quando a continuação da gravidez pusesse em perigo a vida/saúde da gestante. Fora destes cenários, a interrupção da gestação era considerada crime, com média de 400 mulheres presas por ano e sentenças que variavam de 16 a 54 semanas de prisão. Antes de 2006, as leis colombianas eram ainda mais restritivas, proibindo o aborto até mesmo em casos de estupro.

Com a decisão desta segunda, a Colômbia se torna o sexto país da América Latina a flexibilizar o acesso à interrupção da gravidez, unindo-se a Argentina, Cuba, Guiana, Uruguai e México; no Chile, o projeto de lei que prevê a legalização do aborto ainda está sendo debatido na Câmara dos Deputados, pendente de aprovação no Senado.

Apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecer, desde de 2012, o aborto como um serviço essencial de saúde, o procedimento permanece ilegal em diversos países, o que evidencia a necessidade de luta constante para que os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres progridam.

A internacionalização da luta pelos direitos reprodutivos e sexuais da mulher

A Argentina desempenhou, nesta década, papel central no avanço dos direitos das mulheres, com campanhas massivas – como a Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito e #NiUnaMenos – inundaram a América Latina com demandas políticas fundamentais, como a descriminalização do aborto e o enfrentamento ao feminicídio. 

Com o fortalecimento a nível internacional do movimento de mulheres, as demandas se interligaram e ganharam novo impulso, nesse contexto, destacou-se o movimento argentino denominado Maré Verde – em prol do direito ao aborto legal, seguro e gratuito nos hospitais – que, as custas de intensa organização e resistência das mulheres, comunidade LGBTQIA+ e outros setores da sociedade, ganhou força em vários outros países da América Latina, impulsionando, em 2021,  a descriminalização do aborto na Argentina e no México.

Na Colômbia, a Maré Verde uniu forças ao Movimento Causa Justa, que agrupa diversas organizações feministas colombianas e, há um ano e meio, realizou uma petição ao Tribunal Constitucional pelo fim da criminalização do aborto. A tese sustentada pelo Movimento é objetiva: se o aborto diz respeito ao âmbito da saúde, nem no código penal deveria constar. 

Descriminalização não basta! Mobilização permanente para trazer abaixo o sistema patriarcal!

Embora seja uma valiosa conquista, o direito ao aborto, por si só, não é suficiente. Tendo em vista que a maioria dos abortos clandestinos – e a maioria das mortes decorrentes destes procedimentos – são de mulheres negras e de baixa renda, fica evidente o quanto o sistema e a justiça burguesa  impõem o racismo e o machismo estruturais de maneira institucional. 

No Brasil este cenário é ainda mais reacionário. Após a ascensão do governo Bolsonaro e o aparelhamento ideológico de diversas instâncias institucionais – incluindo aqui o ministério de Damares, que protagonizou episódios inescrupulosos como o da menina de 10 anos que engravidou após 4 anos de estupro, em agosto de 2020 – nossa luta atualmente é para conter retrocessos. Nem sequer chegamos ao patamar de exigir qualquer avanço em termos de direitos das mulheres, em grande parte graças à intensa desmobilização que o movimento de massas vem sofrendo como reflexo da atuação da burocracia.

À exemplo dos países que conquistaram a legalização do aborto, todo passo adiante nesta “maré” só foi possível graças a permanente mobilização das mulheres, grande parte das vezes com apoio dos movimentos jovens e LGBTQIA+. Foi nas ruas, organizadas permanentemente pela base, que viabilizaram esta primeira conquista, que está longe ainda de ser a solução para o problema mais profundo, sabemos, mas que todavia é uma importantíssima reforma dentro deste sistema patriarcal e para que os corpos femininos não sejam mais propriedade do estado burguês, machista, racista e misógino. 

É preciso que alguns mecanismos e barreiras de proteção sejam criados, justamente para que as mulheres sigam se organizando na luta. É necessário garantir direitos mais básicos e imediatos como o aborto legal e seguro, e somado a isso, uma rede de apoio amplamente difundida e estruturada nos seguintes pontos principais: acesso público e gratuito à educação sexual, a diferentes métodos contraceptivos, a profissionais e ambientes aptos para a interrupção da gestação, bem como acompanhamento clínico e psicológico anterior e posterior ao procedimento.

A luta das mulheres é a luta contra o sistema capitalista e sua classe dominante que encarcera e objetifica os nossos corpos. A luta das mulheres é a luta da classe trabalhadora, dos historicamente explorados e oprimidos. Por isso,  saudamos nossas companheiras colombianas, que deram um passo crucial na luta de classes internacional e que nos inspiram desde já a lutar com ainda mais fibra por um futuro no qual seremos verdadeiramente livres; garantindo assim, orientação e direito de escolha. 

Pelo aborto livre e em ambiente hospitalar!

Pelos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres!

Pelo fim do machismo e do racismo estruturais!

Abaixo o patriarcado! Que caia! Que caia!

Avante feminismo! Que suba! Que suba!