Mobilizar dentro e fora do Psol para construir uma frente de esquerda anticapitalista é a tarefa central
A tática e estratégia revolucionária, como atividade política, cristaliza-se a partir da realidade concreta para uma permanente tentativa de dar sentido e significado ao que existia e ao que se aproxima, sob o espectro da luta de classes. Parte daí a necessidade histórica de uma vanguarda socialista, que só o será de fato, se for capaz de encontrar uma maneira de inserir-se nos setores de massas a partir de um programa concreto. (Lenin)
RENATO ASSAD, com a colaboração de Antonio Soler
No dia 19 deste mês, o ex-presidente Lula (PT), em um “requintado” jantar na capital paulista, encontrou-se pela primeira vez publicamente com o ex-governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (ainda sem partido). O evento de fim de ano foi organizado pelo grupo Prerrogativas, reuniu figuras importantes de ao menos 9 partidos, como PSD, MDB, Solidariedade e etc., para além da alta cúpula da CPI da Covid, e recebeu Lula e Alckmin com grande entusiasmo.
Muitos que há meses tratavam a possibilidade de uma chapa entre o ex-presidente e o agora ex-tucano como algo impensável ou como pura especulação sem fundamentos, assistem um novo capítulo marcado pela conciliação de classes e protagonizado por Lula e pelo PT. Já os que se apoiam na história como ferramenta indispensável do pensar político sabem que frentes de conciliação de classes como esta atuam para desarmar a organização das massas nas ruas, e, se eleitas, não fazem reformas de fato, mas limitam-se à políticas de compensação social – dão com uma mão para poderem tirar com a outra. Apenas, então, preparam novas ofensivas contra a classe trabalhadora e os oprimidos, bem como o caso do partido SYRIZA na Grécia nas eleições de 2015.
O evento, um dos assuntos mais comentados das últimas semanas nos mais vários campos ideológicos da política por razões óbvias, faz-nos lembrar, e muito, do ano de 2002 em que Lula e o PT, em uma aproximação com José Alencar, corriam atrás de uma espécie de “fiador” para conseguir de uma vez por todas a aprovação de sua chapa junto ao empresariado e ao capital financeiro. Como conta a história, Alencar, somado à Carta ao Povo Brasileiro, foram peças-chave que levaram Lula e o PT ao poder – o início de uma inédita agenda de conciliação de classes, uma espécie de um grande pacto social.
A provável chapa Lula-Alckmin para 2022 seria uma repetição de 2002? Certamente não devido às diferenças de contexto político, de estagflação e composição ainda mais conservadora, ou seja, um terceiro governo Lula, com ou sem Alckmin, tende a ser mais à direita do que os anteriores. Mas o espanto de setores da esquerda da ordem deu rapidamente lugar a um discurso para defender o indefensável, pois não podem recorrer à história sem serem auto-denunciados por essa tentativa, o que apenas revela a verdadeira natureza política desta “esquerda”. Por outro lado, setores “iludidos” da esquerda socialista com uma possível “frente de esquerda” com Lula e PT, começam a ficar em uma situação extremamente desconfortável perante toda base militante e ativista, pois ao deixar de apostar em táticas e estratégias voltadas à independência de classes se descolam da realidade e aparecem diantes dos fatos como oportunistas – certamente não há complexidade da luta de classes que justifique tamanho engano.
A natureza política do lulismo e suas consequências táticas
O debate congressual do nosso partido (PSOL), que terminou com 56% de votos favoráveis à uma frente com Lula e PT – posição oportunista que está mal-disfarçada no adiamento da decisão final remetida para uma conferência eleitoral apenas em abril de 2022 -, trouxe de forma bastante latente que o setor que saiu vitorioso carece totalmente das estratégias fundamentais da política revolucionária: a mobilização permanente e autônoma das massas e a construção independente do partido revolucionário e seu programa. Colocar no centro a auto-atividade dos trabalhadores e dos oprimidos e garantir a independência do partido em relação à burguesia e à burocracia concentram todo o fazer político, assumem assim dimensões de princípio, de estratégias e de táticas fundamentais, não apenas para analisar e caracterizar a realidade política nacional, mas para desenvolver a linha política independente e que contribua de fato para derrotar Bolsonaro e para construir o PSOL como alternativa concreta e palpável para setores de nossa classe.
A absurda ideia de que seria possível construir uma frente de esquerda com o PT e Lula – independente da possibilidade da integração de Alckmin à chapa -, isto é, de que há espaço para que o lulismo gire à esquerda e assuma uma posição classista na corrida eleitoral, traz à tona o profundo processo de decadência oportunista, que se utiliza da falsificação histórica, dos companheiros da Resistência – e de outras correntes internas que estão no mesmo bloco – e da maioria da direção partidária.
Era claro e notório a falta de sustentação histórico-política nas falas de defesa dos companheiros que içam esta “necessidade” política para derrotar Bolsonaro e o neofascismo. Desde o pré-congresso do PSOL, deixavam evidente que suas sínteses e balanço do significado histórico do lulismo para a luta de classes em terreno nacional era “qualquer coisa”, uma ideologização pura e falaciosa desta corrente política que começa a ser superada mais uma vez pela própria realidade.
Em nossa última nota de polêmica com os camaradas da Resistência “Frente de esquerda ou frente de conciliação de classes?”, trouxemos ao debate justamente a questão da natureza política do lulismo, uma síntese desde o seu surgimento na luta sindical dos 80, que expressou um período histórico de ofensiva de nossa classe, até os dias de hoje. Em resumo, a natureza política do lulismo e do Partido dos Trabalhadores – levando em consideração toda uma degeneração política evidenciada pela própria história – passa pela inversão política de um partido operário-burguês para um partido burguês-operário, mas que desde a sua origem optou por jamais manter qualquer independência política de classe. O que de fato isto significa? De que para o lulismo existe um limite muito claro e definido de até onde quer “enfrentar” os interesses da classe dominante, o que, certamente, passa longe de qualquer medida anticapitalista. Um outro elemento ganha importância e torna ainda mais insustentável este limite da política conciliatória: a crise estrutural do capitalismo e suas expressões conjunturais, que, certamente, colocam ainda mais à direita Lula e o PT. O que deixa ainda menos espaços para as políticas compensatórias e assistencialistas – não à toa namoram Alckmin, um antigo “inimigo”, mas que evidencia os limites que um possível próximo governo de Lula terá.
Nossa intenção aqui é demonstrar que não é a figura de Alckmin que altera a natureza política, a composição programática e o caráter de um próximo governo de Lula e PT. Mas, que são estes mesmos que deixam evidente a sua funcionalidade à classe dominante – que quando se enche não hesita em expulsá-los de sua casa – e as sistemáticas da classe trabalhadora e suas necessidades (elemento central para o giro de consciência de setores populares à direita no último período).
Ora, uma “frente de esquerda” com Lula e PT, como propõem os companheiros da Resistência e da maioria da direção do PSOL, não estaria hoje centralizada por uma política que tenha como horizonte a revogação de todas as contrarreformas, a começar pelo Teto de Gastos que sufoca todo e qualquer investimento para a melhoria imediata das condições de vida dos explorados e oprimidos? O que, na verdade, vemos é justamente o contrário: uma sinalização do lulismo ao capital financeiro a partir de um compromisso pré-estabelecido em cumprir com o tripé macroeconômico: câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e metas de inflação.
Portanto, a aliança eleitoral com Alckmin não muda uma vírgula sequer a natureza política do lulismo, de seu programa e de seu governo. Na verdade, cristaliza e adorna as suas vontades políticas. Trata-se de um golaço para este setor, que busca uma espécie nova de “fiador” junto a classe dominante e ao empresariado para um eventual governo, assim como fizeram em 2002 com Alencar.
O que politicamente apresentam, então, os companheiros da direção de nosso partido e das organizações que a compõe é uma tentativa de maquiar a própria natureza política dos fatos, uma falsificação histórica (intencional ou não) que serve como bengala política para levarem a cabo uma linha oportunista de capitulação e liquidação do PSOL como ferramenta de luta imediata para a mobilização nas ruas, condição que será decisiva para derrotar Bolsonaro, e para a histórica necessidade de superação do lulismo pela esquerda.
Isso não significa que não tenhamos que ter política para dialogar com a base do PT e dos movimentos sociais que votam em Lula, desde já. Ao contrário, não ter política para dialogar com a massa que vota em Lula é um erro sectário tremendo, mas devemos o fazer com uma política independente, não liquidando politicamente o PSOL. Ou seja, devemos dialogar com as massas a partir de uma linha política – que é composta por várias táticas – independente dos patrões e da burocracia, que passa, necessariamente, pela construção de uma frente de esquerda que seja organizada a partir de todas as forças independentes, que construa um programa anticapitalista, apresente uma pré-candidatura própria e atua, sistematicamente, nas organizações de frente única para destravar a luta direta, que é adiada, freada e desviada por Lula e sua burocracia.
A partir desse marco se pode dialogar com todos que votam em Lula, com a esquerda como um todo e com o movimento social; combinando exigência e denúncia à Lula, ao PT e à CUT, mas nunca jogando ilusões e desarmando politicamente a esquerda socialista, como faz a maioria da direção do PSOL. Do contrário, o “diálogo” com as massas que votam em Lula não passa de uma rendição ao lulismo, ausência de política para mobilizar as massas – estratégia permanente – e abandono da construção de uma alternativa à esquerda ao lulismo, o que significa o desarme de toda a militância para enfrentar o atual momento político.
Independência de classe, um princípio histórico inegociável
Como subproduto de uma revolução burguesa – a de março de 1848 na Prússia em que obrigou o Rei Frederico-Guilherme IV a fazer uma série de concessões liberais favorecendo a burguesia alemã – Marx e Engels se davam conta de uma das mais importantes lições históricas: a constituição da classe trabalhadora como classe independente. Isto é, até mesmo sob organizações reformistas, esta jamais pode estar a reboque duma outra classe ou franja social, nem da pequena burguesia tampouco da burguesia. A burguesia como classe revolucionária no século XVIII provou que não poderia resolver para nada as tarefas da então em formação classe operária e dos trabalhadores em seu conjunto no século XIX, alinhando-se muitas vezes às monarquias e contendo qualquer avanço de luta e exigências por parte dos explorados – até que finalmente se torna uma classe puramente contrarrevolucionária no século XX.
Por mais que os fundadores do socialismo científico não tenham dado conta totalmente da superação do etapismo, pelo atraso das condições do século XIX, deixaram-nos claro que a independência política da classe trabalhadora, inclusive na esfera eleitoral da democracia burguesa, significa necessariamente a sua autoatividade (a grande descoberta teórica no campo político de Marx que o distingue de todos os demais teóricos que o antecederam e muitos que o precederam, inclusive entre marxistas) como condição central de toda a luta da classe operária. É essa a condição necessária – a autoatividade – que permite à classe operária se converter de classe histórica em si para classe histórica para si. Elevando-se politicamente, assume seu lugar hegemônico perante as demais classes exploradas e oprimidas, destrói o estado burguês, toma o poder, toma medidas anticapitalistas e socialistas para libertar-se da exploração e opressão enquanto classe para, assim, libertar a humanidade com um todo.
Indo para um processo mais básico, mais imediato, o do terreno eleitoral e da luta de classes no Brasil atual – aqui a disjuntiva reforma ou revolução além de ganhar um caráter mais secundário, reaparece como conservação ou reação -, o princípio da independência de classes adquire toda a centralidade e jamais pode ser escanteado (desvalidado) ou secundarizado por razões histórico-políticas óbvias. Ou seja, a classe não pode deixar de ser representada por organizações, movimentos, partidos e figuras que atualizem sistematicamente e coloquem em prática seu programa e métodos históricos de luta. Negar oportunisticamente esse axioma, em todo e qualquer processo, significa pagar um preço altíssimo para a luta em si e para a consciência política da classe. E não se trata de uma fórmula mágica ou caprichos políticos, mas a ausência de uma combinação tática e estratégica das tarefas de uma vanguarda revolucionária que lute com a classe pela sua elevação política leva a novos retrocessos, a não superar o reacionarismo e as tarefas de relançamento do marxismo revolucionário, o que no Brasil passa necessariamente pela superação pela esquerda do lulismo como tarefa estratégica específica permanente.
Voltando ao tema mais concreto, esta “possível” frente de esquerda com Lula e o PT que estes setores propõem, a ideia de um programa verdadeiramente à esquerda, torna-se então pura ficção, uma vez definida a caracterização da natureza política do lulismo. Algo irrealizável, uma utopia de carácter oportunista e pequeno-burguêsa que tem como consequência a disseminação ilusória para a base do nosso partido, da vanguarda em geral e da nossa classe de uma dita necessária tática para o período político nacional que jamais poderia ser cumprida. Mesmo que se levada até o final for, como vimos algumas vezes na história, levará, necessariamente, ao atraso das tarefas realmente necessárias e à desmoralização de nossas bases e setores de trabalhadores sobre os quais queremos incidir politicamente.
A “receita” tática para a tarefa de número um hoje – a derrota de Bolsonaro e do bolsonarismo – é encarada erroneamente pela direção do PSOL e por parte dos companheiros da Resistência sem nenhuma relação com a real natureza política do lulismo. Portanto, não nos deixam outra interpretação da sua linha que não seja uma falsificação da história e das grandes lições políticas da luta de classes para “justificar” uma oportunista e grave tentativa de rifar a independência política de nosso partido em nome se sabe lá do que… Pegar algum atalho para se obter influência entre setores de massa, dobrar o número de parlamentares nas próximas eleições, ser os conselheiros de esquerda de Lula e do PT? Assim, em uma chave inquestionavelmente oportunista, em nome de pseudo diálogo com a base petista e as massas que votam em Lula, abandonam totalmente as estratégias (mobilização permanente, auto-organização e construção do partido revolucionário – mais do que comprovadas da nossa classe e as táticas (frente de esquerda, frente para lutar e unidade de ação necessariamente marcadas pela combinação dialética entre exigência e denúncia) que realmente possam contribuir com a mobilização para derrotar Bolsonaro nas ruas – tarefa imediata – e que podem superar o lulismo pela esquerda.
A construção da Frente de Esquerda Socialista como tática central
Queremos aqui neste ponto começar ressaltando a importância da posição das organizações de oposição à esquerda do nosso partido. Junto ao camarada e deputado federal Glauber Braga, corretamente defendemos durante o Congresso do PSOL uma pré-candidatura independente com um programa anticapitalista para o próximo processo eleitoral. Como já sabemos, os setores que levaram esta política adiante, apesar de todo o peso do aparato da maioria que distorceu as proporções, estão representados por 44%, enquanto a linha liquidacionista de nossa independência política, programática e tática que adiou a decisão de ter candidatura própria para abril de 2022 obteve 56%. Essa linha na prática é uma manobra para liberar a maioria da direção para ir fazendo acordos e negociações com a direção do PT, ou seja, o apoio à candidatura de Lula não apenas no primeiro turno, mas bem antes do processo eleitoral regular ter início. Mas este é um cenário político ainda indefinido e permeado por uma série de possibilidades e contradições sobre as quais devemos intervir.
Temos a certeza que embarcar neste maquiado giro oportunista que pretende o setor majoritário do PSOL é fazer de 2022 um ano apenas eleitoral e esperar que a partir da política institucional as coisas se mantenham mais ou menos estáveis até serem resolvidas nas urnas em outubro. Os companheiros da Resistência e da maioria do PSOL, insistentemente, utilizam como justificativa política a necessidade de se derrotar o fascismo, como se para isso fosse necessário embarcar como força não-orgânica em uma frente de conciliação de classes com a burguesia e o capital financeiro. Na verdade, essa deturpação total da tática de frente única das organizações de massa para enfrentar o fascismo, como propunha corretamente Trotsky na década de 30 para a Alemanha, tem como consequência o oposto do proposto pela tática frentista do revolucionário russo; que sempre combateu o ingresso em qualquer frente eleitoral ou governo burguês. Esta tática dos companheiros, na verdade, desarma o PSOL, a vanguarda que o acompanha, os explorados e oprimidos e os seus setores mais dinâmicos para o enfrentamento ao bolsonarismo, isso porque tiram de cena a construção de uma frente de esquerda e uma candidatura independente que são os instrumentos imprescindíveis para tal tarefa. Colocam no anzol, insistimos mais uma vez, a partir de uma falsificação da verdadeira natureza política do lulismo, a possibilidade de alteração de seu curso e, pior, a doce ilusão de uma superação político-institucional do neofascismo e da ofensiva da classe dominante sem que isso passe por uma mudança na correlação de forças nas ruas, nos locais de trabalho, estudo e moradia.
Bem, se de fato a preocupação política é a derrota do neofascismo – isto temos pleno acordo -, outro elemento que não se aplica à realidade concreta e, tampouco, às tarefas para derrotá-lo é outra falsa ilusão que o lulismo possa inflamar a luta pelas ruas e apostar efetivamente na mobilização de importantes contingentes das massas trabalhadoras sem que isso seja resultado de uma mudança a priori na correlação de forças nas ruas. Desde a escalada da ofensiva reacionária com o impeachment de Dilma, prisão ilegal e política de Lula e a eleição de Bolsonaro, o lulismo foi ferramenta central na contenção das lutas de ruas ou de desvio dessas quando não pode contê-las, o que sempre prova o seu caráter conciliatório, desmobilizador e traidor das lutas. Claro que isso não significa que não devemos fazer exigências para que mobilizem suas bases e denúncias quando não as cumprem, pois o lulismo dirige o movimento de massas e não há como dialogar com elas sem essa tática. Mas, as exigências têm o dever de revelar a verdadeira natureza do lulismo de forma a contribuir com nossas estratégias, não a de camuflar-las, como fazem os companheiros da Resistência e de outros setores da maioria da direção do PSOL.
Ressaltamos aqui uma noção básica do marxismo: as eleições são um reflexo da luta de classes e não o inverso. Por mais que apresentem distorções, isso nos ensina, portanto, que a derrota de Bolsonaro e do bolsonarismo – este que certamente não irá entregar o poder sem qualquer tipo de aventura golpista -, mesmo na instância eleitoral, precede de um elemento primário e indispensável, como demonstra toda história: a mobilização de massas nas ruas que possa contrapesar a atual correlação de forças políticas e sociais.
Sendo assim, diante de toda esta recente movimentação política do lulismo que, intencionalmente, gira cada vez mais à direita para ganhar a eleição e manter tudo como dantes no quartel d’Abrantes, é preciso uma tática que nos conecte não apenas com a base mais à esquerda do partido, mas com um amplo setor da vanguarda que espera uma resposta política da esquerda do PSOL que, ao mesmo tempo que contribua com a tarefa de mobilizar para derrotar Bolsonaro nas ruas, apresente uma plataforma e uma candidatura verdadeiramente de esquerda. Ou seja, a correta linha de lançar a pré-candidatura de Glauber Braga para combater o oportunismo, após o Congresso do PSOL ficou curta. É preciso, agora, dar conta da tarefa mais ampla e emergencial ao mesmo tempo que é a da construção de uma frente de esquerda socialista que possa organizar e exigir um processo de permanente mobilização de nossa classe, da juventude, das mulheres e do movimento negro, elaborar um programa independente e anticapitalista para as lutas e para as eleições, apresentar uma pré-candidatura – defendemos obviamente a de Glauber – como fruto disso e, de uma vez por todas, postular-se como uma concreta alternativa independente dos patrões, do empresariado e da burocracia.
Neste sentido, entendemos que os novos fatos políticos – o jantar de Lula com Alckmin em um restaurante de luxo em São Paulo – colocam as contradições da realidade em destaque, o que nos ajuda a “emparedar” e derrotar a posição estreita e oportunista da direção do nosso partido e dos companheiros da Resistência. Por outro lado, evidenciam cada vez mais a necessidade de todo o campo da esquerda socialista, dentro e fora do PSOL, de ocupar um espaço ainda vazio, o espaço da política independente, da frente de esquerda anticapitalista.
Sob a ótica de tais desafios políticos, a pré-candidatura de Glauber Braga e as forças que a apoiam têm a tarefa emergencial de procurar todos os setores da esquerda anticapitalista com o objetivo de construir uma verdadeira frente que possa concretizar este programa anticapitalista pela base, organizar a luta de maneira permanente da nossa classe e apresentar uma pré-candidatura comum para 2022. Entretanto, essa incontornável tarefa de lutar, por dentro e por fora do partido, por uma frente de esquerda anticapitalista comum deve se combinar com a luta no âmbito do PSOL pela antecipação de nossa conferência eleitoral para o início de fevereiro, que foi marcada apenas para abril do próximo ano. Ressaltamos o caráter emergencial como forma de romper tanto com a inércia política da direção do PSOL, que aparece como mera comentadora da realidade, mas que na verdade é parte inorgânica da frente de conciliação de classes, quanto com o isolamento político que a importante pré-candidatura de Glauber Braga enfrenta. Ou seja, é necessário lançar táticas de luta pela construção de uma frente de esquerda que atue tanto na frente interna quanto na externa.
Nos dirigimos, então, de maneira fraterna aos companheiros do PSTU, que, corretamente, apresentam a tática do “Pólo Socialista”. Mas, essa mesma tática, ao não articularem amplamente com setores da esquerda socialista, aparece mais como política de autoconstrução, uma movimentação quase que de caráter interno, do que de fato a busca pela aliança política dos setores da esquerda socialista. Assim, na prática se faz completamente insuficiente, estéril para a tarefa, uma vez que este polo não supera os limites desta e de mais uma ou outra organização política. Isto é, apresenta-se incapaz de fato de aglutinar e construir a unidade real e efetiva dos setores da esquerda socialista. Uma necessidade tática suprapartidária e que será decisiva para a intervenção política cotidiana no enfrentamento a Bolsonaro e na materialização de uma alternativa política independente que tome para si este espaço quase nada ocupado.
Como apontou Lenin, a luta política de classes não se realiza naturalmente como oposição entre os interesses antagônicos dos explorados e dos exploradores, porque, se assim fosse, bastaria proclamar aquela ou esta linha política e esperar que tudo se resolvesse e que as massas absorvessem para si de maneira automática a luta revolucionária. Por isso, já na epígrafe deste texto dissemos que a tática, assim como a estratégia revolucionária e a ação política não são proclamação de verdades, mas sim a permanente tarefa de dar reais significados às experiências acumuladas e às que se aproximam. Assim, a nosso ver, a necessidade tática central nesse momento para derrotar Bolsonaro é a da construção de uma frente de esquerda anticapitalista, pois entorno desta as demais táticas (e estratégias) independentes podem ser articuladas de forma a lutar pela mobilização direta – condição fundamental para derrotar Bolsonaro nas ruas e nas urnas. Essa é a tarefa da esquerda – dentro e fora do PSOL – e da vanguarda que quer contribuir efetivamente para a resistência imediata, para derrotar o neofascismo e superar a âncora que significa o lulismo para o avanço da consciência socialista das massas no Brasil.