O lugar da Indonésia ao sol – Para compreender os protestos e greves em massa que estão ocorrendo na Indonésia, o país mais populoso e a maior potência econômica do sudeste asiático.
Lorenzo Lisboa
A Indonésia é um daqueles países que para o leitor da Argentina ou Brasil será muito provavelmente difícil de localizar no mapa. Apesar disso, a Indonésia é um país de grande importância a nível internacional. Por um lado, é o quarto país mais populoso do mundo com mais de 260 milhões de habitantes. Ao mesmo tempo, é a economia mais importante do Sudeste Asiático, uma região que desde o final do século passado iniciou um processo espetacular de crescimento econômico e industrialização. Esse processo, que teve lugar em muitos outros países da região, levou ao fato de que naquele que era um país fundamentalmente agrário, hoje a imensa maioria da população é urbana e está principalmente ocupada na indústria e outros ramos da economia capitalista. Outro setor muito importante da sua economia, que iremos discutir mais tarde, é o setor extrativista baseado na pilhagem do ambiente, para extrair e exportar matérias-primas.
Contudo, tal como em outros países da região, esta industrialização foi realizada com base na super-exploração dos trabalhadores. Os salários nesta área são muito baixos segundo os padrões internacionais, os direitos laborais são um bem escasso e as condições de trabalho e de exploração são terríveis. Em muitos casos, estas condições levam à escravidão laboral. No que diz respeito a esta última, pode-se ver o grande número de queixas de trabalho escravo e trabalho infantil que várias empresas, principalmente têxteis, como a Nike, entre outras, receberam. [1]
Entretanto, a industrialização da Indonésia teve certas particularidades, não tão particulares, mas que merecem ser analisadas. Para começar, o crescimento econômico e a industrialização aconteceram sob a ditadura sanguinária do General Suharto. A Indonésia entrou no século XX como uma colônia holandesa e na década de 1920 surgiu um grande movimento nacionalista, anticolonialista e anti-imperialista, no qual o Partido Comunista da Indonésia (PKI), que após a independência se tornou um dos principais partidos políticos do país com mais de 3 milhões de membros [2], a liderança do movimento trabalhista, etc., terá uma importância excepcional. Diante desta situação, a burguesia indonésia, com o apoio dos Estados Unidos, promoveu o golpe de Estado do General Suharto, que derrubou o então Presidente Sukarno. Assim, foi estabelecida uma ditadura que cometeu um dos genocídios mais importantes do século 20, o governo junto com grupos paramilitares sequestraram, torturaram e assassinaram entre 500.000 e 3 milhões de pessoas, além do número de 1 milhão de pessoas detidas por meios “legais” [3].
Foi dentro deste quadro de dura repressão à esquerda, ao movimento de trabalhadores e aos estudantes, que a industrialização da Indonésia começou em grande escala. As políticas da ditadura levaram ao desmantelamento de vastos direitos trabalhistas, à privatização de empresas públicas e à repressão de qualquer experiência do movimento trabalhista contra a precarização do trabalho e a defesa de seus direitos.
Após a ditadura, seguiu-se uma série de governos democráticos nos quais pouco se melhorou a situação dos trabalhadores e setores populares, além do fato de que algumas conquistas foram realmente alcançadas nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, desde o início do século XXI, com o boom das mercadorias, um sistema extrativista baseado no cultivo de palmeiras para extração de óleo foi estabelecido no país [4], onde os trabalhadores trabalham nas mesmas ou piores condições de precariedade do que nas fábricas.
Dentro desta estrutura de precariedade laboral já existente, além dos efeitos da Covid-19 na economia indonésia, o governo de Joko Widodo conseguiu a aprovação da “lei omnibus” que reforma mais de 70 leis existentes para o benefício de grandes empresários.
O conteúdo reacionário das reformas
Nos últimos dias, assistimos ao surto de greves e uma série de protestos maciços [5] de trabalhadores, estudantes, ativistas ambientais, etc., em cidades como Jacarta, Bandung, Yogyakarta, Purkawarta, Semarang, etc, ou seja, na capital e nas principais cidades do país. A origem destes protestos é a rejeição da aprovação da chamada “Lei Omnibus” pela grande maioria da sociedade indonésia. A única resposta até agora tem sido uma repressão violenta das massas mobilizadas, que o governo tem acusado de violar as disposições contra a Covid-19 [6].
Estes protestos foram convocados por sindicatos, organizações estudantis, partidos de oposição, organizações ambientais etc, e sua massividade tem sido tal que ganhou a atenção dos principais meios de comunicação do mundo.
Esta lei, que começou a ser discutida e formulada em março, foi aprovada há alguns dias, em outubro. Seu objetivo é aumentar as condições de exploração e precariedade dos trabalhadores a fim de beneficiar as grandes empresas transnacionais e assim, como a Widodo afirmou, atrair investimentos e gerar trabalho (além do que se diz ser extremamente precário) para os jovens. Também oferece facilidades para o setor extrativista para aprofundar a destruição do meio ambiente. Nas seções seguintes, os principais pontos desta lei serão analisados a fim de compreender o motivo da rejeição maciça desta lei.
Reforma trabalhista
No campo do trabalho, esta lei implica a reforma do “direito do trabalho”. Elimina as licenças pagas obrigatórias para o parto[7], aumenta o limite das horas extras semanais e reduz drasticamente o valor da indenização por demissão. O elemento de inflação é eliminado ao estabelecer o salário mínimo, e o período máximo que existia para a contratação temporária, após o qual os funcionários devem passar para um emprego permanente é eliminado. As demissões são facilitadas e o fim do pagamento mensal do salário e sua substituição por um pagamento por hora é permitido. Além disso, as empresas não terão mais que dar dois dias de folga por semana, mas apenas um. Estas são algumas das medidas desta reforma trabalhista reacionária contra os trabalhadores.
Em resumo, com o discurso de gerar empregos para os jovens e atrair investimentos, o governo indonésio está procurando jogar a crise econômica gerada pela pandemia nas costas dos trabalhadores.
Reforma ambiental
Outro foco da reforma é o relaxamento dos padrões ambientais que as empresas devem cumprir para explorar os recursos naturais do arquipélago. Isto procura beneficiar os empresários do agronegócio que fazem milhões com as plantações de óleo de palma. Neste sentido, a Indonésia está passando por um processo semelhante aos que ocorrem no Brasil ou na Argentina com a queima de florestas e matas nativas para expandir a fronteira agrícola-pecuária. Com esta reforma, as empresas serão forçadas a apresentar relatórios de impacto ambiental se e somente se forem consideradas projetos de alto risco.
[1] Como exemplo das condições de trabalho na região, ver o seguinte artigo https://www.elmundo.es/internacional/2015/06/21/5585ac0c268e3eca7b8b457a.html. No caso da exploração no setor extrativista, você também pode ver o seguinte documentário da Anistia Internacional sobre o trabalho nas plantações de óleo de palma https://www.infolibre.es/noticias/mundo/2016/12/01/amnistia_denuncia_trabajo_infantil_forzoso_que_produce_aceite_palma_miles_productos_58306_1022.html. [2] O PKI se tornou o maior partido comunista do mundo fora da URSS e do PCC. [3] Suharto, o principal responsável político por este genocídio, morreu em 2008 de insuficiência renal com impunidade por todos os seus crimes. Até mesmo Susilo Bambang Yudhoyono, o então presidente da Indonésia, declarou uma semana de luto por sua morte em nível nacional. [4] Similar à situação na Argentina e Brasil com o cultivo da soja e a expansão do agronegócio [5] Com um epicentro na ilha de Java [6] Uma afirmação bastante hipócrita quando todos os setores da economia estão em pleno funcionamento, sendo os locais de trabalho as principais fontes de contágio. [7] A indústria têxtil, que é altamente desenvolvida no país, emprega principalmente mulheres.Tradução A.S.