O atual surto epidêmico mundial (pandemia) configura-se como um acontecimento de dimensões e repercussões planetárias sobre a vida econômica e política. No Brasil isso não é diferente. Desde que começou o surto em território nacional, foi aberta uma importante mudança na conjuntura com repercussões dramáticas para a realidade nacional.
ANTONIO SOLER
O capitalismo não dá mais
A pandemia do novo coronavírus (SARS-Cov-2) é um acontecimento histórico mundial comparável apenas às grandes guerras mundiais, às revoluções do século XX, à Grande Depressão de 29 e à Queda do Muro de Berlim, devido seu impacto na vida social e nos acontecimentos políticos dos países e do mundo. Podemos dizer sem medo de errar que raramente na história, a frase “tudo o que é sólido desmancha no ar” (K. Marx em O Manifesto Comunista) foi tão representativa do que ocorre na atualidade.
Os números são assustadores e tendem a crescer muito mais. Cerca de 2 bilhões de pessoas em todo o planeta estão em situação de confinamento, setores importantes da economia dos países estão parando, os mercados financeiros estão em situação polvorosa e o neoliberalismo, até então consagrado na maior parte do mundo, está sendo substituído, ao menos momentaneamente, rapidamente pelo “intervencionismo” estatal. Em relação ao contágio, até ontem (24/03) tínhamos registrado 372 mil casos de contágio e 16.231 mortos. Os casos de contágio que já atingiram 194 países, tendo a China ainda na frente com o maior número de casos (81 mil), seguida da Itália (70 mil), Estados Unidos (50 mil) e Espanha (40 mil).
Como se conhece pouco a dinâmica biológica do SARS- Cov-2, além de que é um vírus de grande capacidade de disseminação e letalidade entre a população mais idosa, não se tem estimativas precisas dos estragos que essa pandemia irá causar na população mundial. Mas, certamente, a tendência é que até o final da pandemia milhões de pessoas serão acometidas pela doença e milhares morrerão – principalmente setores das massas trabalhadoras e em países com menos infraestrutura médica e hospitalar – se não houver uma mudança drástica na política de enfrentamento desse surto de dimensões planetárias, que só pode ser imposta pela mobilização.
Como nas duas grandes guerras, em que a sociedade é dilacerada e a atuação dos governos faz com que as vítimas preferenciais sejam na ampla maioria dos casos os trabalhadores, as mulheres, os negros e a juventude, ou seja, os mais explorados e oprimidos. Esse cenário de terror em que muitos países já se encontram irá piorar muito ainda nos próximos meses, com isso, as contradições sociais tendem a se radicalizar com ações políticas. Logicamente que essa não é uma dinâmica mecânica, passaremos por processos de embotamento sócio-político das massas e desigualdades em sua reação.
Estamos em uma situação em que as condições para uma nova crise econômica mundial já estavam sendo dadas, o que faz com que a pandemia tenha entrado em cena como um elemento que acelerou e agravou uma tempestade perfeita que já estava em curso, colocando sobre a mesa as condições para que uma recessão/depressão de dimensões planetárias seja posta. Além desse cenário econômico de crise, uma série de países no mundo vive um processo de rebelião popular ainda inconcluso que a partir da pandemia irá tomar rumos diversos, podendo até se tornarem mais radicalizados.
No conjunto dos demais países que não passavam por processos de tamanha polarização política, pelo medo de contágio viral, desarticulação social e expectativa nos governos, a tendência é que as massas fiquem atônitas inicialmente, porém as medidas dos governos burgueses e da classe dominante diante da pandemia podem criar condições explosivas que poderão levar a novos processos convulsivos com características de rebeliões populares em várias outras partes do mundo.
A questão é que esse novo cenário mundial não coloca imediata e automaticamente uma mudança na conjuntura política com explosões de massas em todos os países nos quais a pandemia se faz sentir. A nova realidade mundial só pode provocar mudanças de conjunturas políticas (principalmente referida à correlação de forças entre as classes) a partir da combinação do cenário mundial com os elementos progressivos e regressivos preexistentes no interior dos países. Desta forma, não podemos ter uma expectativa mecânica/esquemática, é necessário, assim, seguir cada conjuntura nacional à luz da evolução das suas contradições no interior desse novo cenário mundial de pandemia, crise econômica e polarização política crescentes.
Deslocamentos políticos massivos
A pandemia encontrou o Brasil em uma situação nacional reacionária, marcada por uma ofensiva generalizada contra os direitos dos trabalhadores: cortes orçamentários, destruição das conquistas de períodos anteriores e aumento da violência policial contra as mulheres e o conjunto dos oprimidos. Essa ofensiva só pôde se desenvolver com tamanha violência devido à traição da burocracia, que fez com que as lutas não pudessem enfrentar de forma mais radical e duradoura os ataques do governo e do conjunto da classe dominante, nesse primeiro ano de Bolsonaro a ação política se deu principalmente por cima, sem contar com a ação efetiva das massas.
A partir da metade do ano passado, as lideranças do “centrão” criaram o “parlamentarismo branco”, que se traduz em uma frente parlamentar para fazer andar as reformas ultraliberais, ter maior controle sobre o orçamento e fazer frente à ofensiva bonapartista sobre o Congresso. Mas a conjuntura nacional entre o final do ano anterior para o início deste é impactada pelas rebeliões populares que acometem países da América Latina, pela cronicidade da crise recessiva, pelo recrudescimento da frente de batalha entre governo e parlamento pelo controle do orçamento, pela greve nacional dos petroleiros e pelo amotinamento das polícias com forte influência miliciana.
O que tornou a conjuntura ainda mais conflitiva à medida em que se demonstrou abertamente uma fissura no interior da classe dominante, a classe operária – através da greve dos petroleiros -, começa a colocar a cabeça para fora e a protagonizar processos, enquanto o governo assanha as massas protofascistas contra o Parlamento. Assim, tudo já indicava no começo de 2020 que iríamos para um ano decisivo em relação à dinâmica política nacional, com o governo pressionando cada vez mais para impor um regime (semi) bonapartista, em que o parlamento e o judiciário nacional fossem se tornando peças cada vez mais decorativas, no momento em que a pandemia começa a atingir de forma direta a realidade nacional.
Com o início da transmissão comunitária (não apenas por pessoas que chegavam de viagem) do coronavírus no Brasil, as autoridades sanitárias recomendam mudanças de hábitos de higiene, isolamento e políticas públicas para que o sistema de saúde pudesse comportar o impacto do surto epidêmico. Mas Bolsonaro se comporta como outros líderes de extrema direita pelo mundo, nega a importância do surto epidêmico, diz que a epidemia não passa de uma fantasia, que as preocupações com a disseminação do vírus eram histeria, que essa era uma “gripezinha” …
O ponto alto do momento pré-mudança conjuntural foi a manutenção das manifestações contra o Congresso e de apoio ao presidente no dia 15 de março. Além de manter e convocar estes atos, mesmo depois de noticiado pela imprensa que vários dos seus assessores próximos estava com o novo coronavírus, Bolsonaro se aproxima, cumprimenta e tira selfies pelo celular com apoiadores que estavam diante do Palácio da Alvorada. Esse foi o momento em que parte importante da opinião pública, dos setores que ainda tinham expectativa que o governo pudesse mudar de orientação, chegassem à conclusão que com Bolsonaro não dá mais.
No entanto, foi na última quarta-feira (18/03), durante uma audiência pública de Bolsonaro com ministros que começaram as primeiras manifestações contundentes contra o governo através dos panelaços espalhados por todo o país, manifestações que desde então ocorrem diariamente, e que mostra uma clara mudança de conjuntura, marcada pela ampliação da divisão entre Bolsonaro e setores da classe dominante, pelo rápido deslocamento de setores da classe média para a oposição e pela lenta retomada da ação direta dos trabalhadores em defesa dos seus interesses.
Desde os panelaços do dia 18/03 instalou-se uma nova conjuntura no Brasil. Em relação ao seu desdobramento, da mesma forma que o próprio desdobramento da epidemia, é difícil de prever todas as suas consequências, mas, de qualquer forma, passamos a viver não apenas uma mudança quantitativa de agravamento do cenário anterior.
A pandemia do coronavírus, combinada com os elementos e contradições anteriores da realidade, criou um cenário qualitativamente distinto. Uma nova conjuntura que se distingue qualitativamente pela mudança na dinâmica total da vida (sanitária, social, econômica e política) provocada pela crise epidêmica, pela radicalização da polarização política e pela entrada em cena da ação das massas contra o governo – elemento da realidade nacional ficou em segundo plano nos últimos anos mas que tem potencial profundamente transformador e pode ser decisiva daqui para frente.
Como componentes dessa nova conjuntura temos a tendência de uma polarização política qualitativamente superior, marcada por fissuras no interior da classe dominante, e que se alargam pelo rápido deslocamento de setores médios para a oposição ao governo e pelo possível protagonismo da classe trabalhadora, que tem se manifestado de forma ainda diluída através dos panelaços, que entraram com força nos bairros operários, mas também nas lutas em defesa do emprego, do salário e pelo direito ao isolamento.
Essa nova conjuntura coloca enfrentamentos mais duros entre setores da classe dominante com o governo e entre esse e setores de massa. Obviamente que não podemos esperar da classe dominante e dos seus representes que levem a luta contra esse governo até o final, apenas a classe trabalhadora e suas organizações independentes podem concretizá-la, mas as fissuras no interior da classe dominante são elementos decisivos para que a classe trabalhadora possa assumir o necessário protagonismo político para virar a situação em seu favor.
Teremos, por outro lado, um governo ainda mais beligerante – com o apoio político-eleitoral de aproximadamente 30% da população – que tentará impor sua política de bonapartização do regime, para impor uma patamar medonho de destruição das condições de vida – e da própria vida se formos considerar a sua política negacionista diante da atual pandemia que poderá vitimar milhões em todo o mundo – sobre o conjunto da sociedade. Para isso irá mover sua perigosa política calcada no imperialismo ianque, em uma fração da classe dominante nacional, em setores das forças armadas, na pequena-burguesia e nos setores mais lumpens da sociedade.
Entramos, assim, desde a chegada da epidemia, em uma conjuntura mais dramática, mais perigosa e, também, com maior potencial de transformação. No entanto, a inclinação da balança a favor da classe trabalhadora depende em última instância da ação política das massas, o que não é um processo simples, pois a classe trabalhadora no Brasil tem um enorme atraso político em relação a formação de partidos socialistas independentes que possam ser fator subjetivo de mobilização popular, pois o lulismo – que sistemática e invariavelmente trai a mobilização popular independente – segue sendo um importante freio para a ação independente das massas.
Mas, também não é correto afirmar que explosões populares não possam ocorrer de forma espontânea. As rebeliões populares que têm acontecido pelo mundo não contam com uma direção centralizada, os partidos reformistas ficaram a direita, foram totalmente ultrapassados ou se diluíram nos movimentos e as organizações revolucionárias ainda são muito pequenas e não tem capacidade de direção de processos nacionais, o que traz para as rebeliões populares um claro limite político e organizativo, mas não sejam impedidos.
Estamos falando apenas de uma tendência de polarização política nacional que, ao contrário do ano passado, poderá contar com uma participação popular mais ampla e mais ativa, esse é um elemento novo que precisa ser valorizado e estimulado com todas as forças.
De forma imediata, com a quarentena massiva imposta em todo o território nacional, com parte significativa da classe desemprega/precarizada e com medo diante de um crescimento exponencial do contágio e das vítimas fatais, com os principais dirigentes sindicais e políticos sem apresentar uma alternativa nacional dos de baixo diante da crise instalada – a linha das centrais burocráticas é a de exigir que sejam chamadas para negociatas e a do lulismo é de criticar pontualmente o governo e suas medidas sem apresentar uma alternativa – a tendência é que a disputa com o governo ainda siga através dos panelaços, pelas redes sociais e superestrutura.
Mas começam a haver importantes experiências de resistência entre os trabalhadores da indústria, do telemarketing e de outros ramos, como demonstra a vitoriosa greve dos operários Caoa Chery, em São José dos Campos, que após a greve de um dia (19/03) reverteram temporariamente a demissão de 70 trabalhadores. Experiências como essa tendem a se ampliar e precisam contar com solidariedade e ações que as nacionalizem de forma a impactar a realidade nacional.
Bolsonaro redobra aposta no negacionismo genocida
O governo federal até agora tomou medidas extremamente tímidas para conter o avanço da epidemia em território nacional e articular a ação entre os estados após grande pressão. Na verdade, a grande ação de Bolsonaro tem sido no sentido de negar a gravidade e os riscos da epidemia para a saúde das massas, e seguir sua fala negacionista, que está em sintonia com parte da classe dominante, mas que vai na contramão de todos os consensos científicos.
As medidas de maior impacto do governo estão muito longe de combater efetivamente o avanço da epidemia, pois tem se dedicado a medidas de redução de impostos para grandes empresas, suspensão temporária da dívida dos estados e municípios, transferência de recursos para o Ministério da Saúde e liberação do depósito compulsório dos bancos no Banco Central para ampliar a oferta de crédito, para os trabalhadores o governo oferece uma ajuda financeira de R$200 para pensionistas e aposentados.
Ou seja, é um plano de rolagem de dívidas e aumento da liquidez em relação ao qual quase nenhum dinheiro novo entra na economia para o combate direto a epidemia. Para se ter uma ideia das desproporções, enquanto isso, na Alemanha a previsão de gastos é de 37%, no Reino Unido e Espanha 17% e nos EUA provavelmente chegará a R$ 11%, o duvidoso plano de combate ao coronavírus de Bolsonaro não soma mais do que 4% do PIB.
Além de não atuar de forma a não atender às necessidades concretas de conter a epidemia no Brasil, o que se for mantido irá multiplicar à milhares a quantidade de vítimas fatais dessa doença e criar um colapso no sistema de saúde e processos de degradação social inauditos, Bolsonaro e sua base de sustentação querem aproveitar a pandemia para impor relações de superexploração para toda a classe trabalhadora.
O governo de domingo (22/03) para segunda-feira feira editou uma Medida Provisória (MP 927) que possibilita a suspensão dos salários por 4 meses sem qualquer compensação, excluir a Covid-19 como acidente de trabalho e excluir os sindicatos da representação dos trabalhadores.
Apesar de ter recuado de parte dessa MP, a do afastamento sem remuneração e compensação depois de uma enxovalhada de críticas, os demais aspectos da medida provisória estão mantidos. Além disso, o governo está preparando uma MP para reduzir a jornada e o salário do funcionalismo público. E trata-se de atacar essa massa de trabalhadores que garante o funcionamento dos hospitais públicos, das escolas, as obras públicas e dos demais serviços.
Com o desdobramento do atual cenário, o isolamento massivo – medida que é consenso na comunidade científica internacional para conter/diminuir o ritmo de propagação da pandemia – imposto por governos estaduais e municipais e a consequente desaceleração da economia, não se poderá manter a mesma política econômica de cortes sistemáticos dos gastos públicos. Ao contrário, é necessária uma política de ampliação dos gastos, de mudanças orçamentárias drásticas, de suspensão de gastos com a dívida pública, taxação do grande capital e etc.
Mas, Bolsonaro vai na contramão dessa orientação não-neoliberal que os governos em todas as partes do planeta vêm tomando para que as próprias bases civilizacionais das sociedades possam se manter. Isso acabou de ser evidenciado de forma cabal em seu terceiro pronunciamento sobre a pandemia à nação em rede nacional da rádio e televisão que Bolsonaro fez nesta terça-feira (24/03). Querendo seguir a orientação de Trump que disse querer a economia funcionando normalmente nos próximos 20 dias,
Em resumo, disse que o governo quer conter o “pânico e a histeria”, que os meios de comunicação “espalham medo e pavor”, que “nossas vidas tem que continuar”, que temos que “voltar à normalidade”, que os governadores têm “abandonar o conceito de terra arrasada”, que o grupo de risco é de “pessoas acima de 60 anos”, por que “fechar as escolas?” que a Covid-19 é uma “gripezinha ou resfriadinho”.
Ou seja, o pronunciamento de Bolsonaro redobra a aposta no negacionismo, na irresponsabilidade com a vida das massas, no genocídio de parte da população mais desassistida e na política (necropolítica) que escolhe quem deve e quem não deve sobreviver à epidemia. Tudo isso, evidentemente, está em sintonia com o imperialismo ianque e com os setores da horrenda classe dominante local a quem esse governo ultra reacionário cumpre a função de manter suas elevadas taxas de lucro a serviço de retrocessos históricos nas conquistas dos trabalhadores.
Engana-se quem pensa que Bolsonaro não tem um método de ação e objetivos claros. É um psicopata, genocida, reacionário e irresponsável, que faz uma aposta política arriscada para salvar o seu governo totalmente inepto diante da perda crescente de popularidade, de crise econômica e da espiral epidêmica que terá efeitos devastadores. Essa tática pode levar o governo a ganhar nas duas pontas, se não houver uma reação à altura. Se as medidas tomadas pelos governadores funcionar e reduzir o ritmo do contágio, poderá dizer que estava certo em negar a gravidade e, com o provável avanço da recessão, irá dizer que a responsabilidade sobre a situação é dos governadores e suas políticas de isolamento social.
Além desses objetivos mais imediatos, quer criar as condições para impor um regime político no qual os poderes presidenciais estejam de alguma forma acima dos demais poderes (um bonapartismo reacionário). Junto com a tática de se desresponsabilizar dos efeitos econômicos, sociais e sanitários mais imediatos, quer estabelecer um estado de semi caos social para criar pretextos para avançar sobre o funcionamento do regime, colocar-se acima dos demais poderes e acabar/reduzir com as garantias democráticas. Para tanto, dispõe da simpatia do imperialismo estadunidense, de um amplo setor social que ainda lhe é fiel, de parte do empresariado e do apoio em um setor das forças repressiva.
Superar economismo e possibilismo – reinventar a esquerda
Para entrar no tema da política da esquerda socialista para o atual cenário, em primeiro lugar, é necessário dizer que em meio à crise orgânica (total) aberta com a epidemia, a necessidade de apresentar uma saída alternativa para a realidade é questão de vida ou morte – inclusive no sentido literal do termo.
Certamente as palavras de ordem e os sistemas (pequenos programas feitos para dado momento conjuntural) que criamos com elas, em relação ao conteúdo e a correlação de forças mais estrutural devem responder às necessidades mais sentidas das massas. Em relação à forma, a política socialista revolucionária também nos ensina que as consignas devem responder ao nível de consciência das massas para que as palavras de ordem não sejam hieróglifos para as massas trabalhadoras e populares.
Assim, adequar as consignas apenas ao nível de consciência política sem considerar as necessidades e a correlação de forças estrutural leva ao oportunismo – ao economicismo e ao eleitoralismo – que não apresenta saídas globais pela negativa e pela positiva a serem tomadas pelas massas. De outra forma, não considerar o nível de consciência das massas e a correlação de forças estrutural leva ao sectarismo, ao maximalismo, que apresenta saídas políticas incompreensíveis e de tal dimensão que sejam inalcançáveis em dada conjuntura.
Fazemos esse preâmbulo para dialogar com companheiros da esquerda socialista (radical) que dentro e fora do PSOL, mesmo diante da nova conjuntura, dos panelaços massivos, da divisão da burguesia, do deslocamento da classe média e do crescimento da ação coletiva dos trabalhadores em defesa das suas vidas e dos seus empregos, negam-se, ou tardam, a aderir à consigna de “Fora Bolsonaro” combinada com todas as demais que devem estar voltadas para um combate anticapitalista à proliferação da pandemia no Brasil.
No momento anterior poderíamos trabalhar com consignas políticas no final dos sistemas, tais como “Derrotar Bolsonaro nas ruas”, “Por uma saída dos trabalhadores e oprimidos para a crise” ou “Basta de Bolsonaro”, com o objetivo de politizar as ações que se dariam diretamente em defesa desta ou daquela consigna. Ou seja, consignas mais gerais servem para preparar ações políticas futuras quando novas correlações de forças surgem. Método este que “educação”, preparação para ação, que o economicismo que graça no interior de certos setores também recusa.
A posição contrária do PT em relação a agitação do “Fora Bolsonaro” não se dá pelo economicismo, mas sim pelo possibilismo (atuar somente nos estreitos limites da institucionalidade burguesa), mas dentro de uma chave diretamente reformista e eleitoreira. Não defende o “Fora Bolsonaro” porque a saída, para eles, deve ser totalmente defensiva e respeitando as instituições do regime. Assim, “Ditadura nunca mais”, “Defesa do estado de direito de 1988”, “Lula Livre” e etc., tudo para apenas desgastar o governo e derrotá-lo apenas no tempo certo, ou seja, em 2022 sem convulsões sociais e políticas, nos estreitos limites das instituições estabelecidas, dos seus prazos e ritos.
Se em momentos menos convulsivos não se apresentar saídas políticas (nacionais) necessárias, dentro das possibilidades da correlação de forças mais estruturais e compreensíveis para as massas, já é um erro economicista (uma concepção pré-política que não contribui para unificar as demandas parciais dos trabalhadores) que não serve para armar a classe para enfrentar a burguesia, que sempre trabalha com formulações políticas (pela negativa ou positiva). Manter essa postura hoje, na qual setores de massas se deslocam a esquerda, é um desastre político que significa estar totalmente atrás dos acontecimentos.
Bolsonaro, acabou! O povo tem que decidir!
Apesar de termos entrado em uma nova conjuntura de maior polarização, de divisão no interior da classe dominante, de deslocamento de um setor da classe média para a oposição e na qual a classe trabalhadora tende a ser mais ativa, esse é um governo extremamente perigoso que precisa ser derrotado o quanto antes.
Para impor os seus objetivos táticos e estratégicos teria que contar com a unidade no interior da classe dominante, do apoio da classe média, dos meios de comunicação e das forças armadas. Mas como vimos, há divisão no “andar de cima”, deslocamento político da classe média e maior atividade da classe trabalhadora. Como sabemos, é a evolução deste último elemento o mais importante para que o quadro político evolua de forma favorável, por isso precisamos apostar todas as fichas em sua evolução.
Em um contexto em que já temos 2433 casos confirmados de contágio do coronavírus e 57 mortes – estamos ainda muito longe do pico da espiral ascendente. Sem parar todo o país, colocar em isolamento centenas de milhões de habitantes, investir bilhões na testagem de suspeita de contagiados, insumos, equipamentos e pessoal médico para ampliar em milhares os números de leitos em condições de receber pacientes, não se poderá minorar de forma significativa os impactos da pandemia em território nacional. Ou seja, é necessário aplicar a receita do que deu resultado em países como Cingapura, Coreia do Sul e China.
Assim, lutar por um programa de emergência para a contenção da epidemia através do isolamento, de garantia de uma renda integral dos trabalhadores afastados dos seus postos de trabalho, de uma renda de um salário mínimo para os desempregados/precarizados, de equipamentos, insumos e condições de trabalho para que pessoal médico possa salvar vidas e de condições básicas para as comunidades que vivem em condições sanitárias totalmente precárias, é fundamental para a sobrevivência de dezenas/centenas de milhares de trabalhadores. Trata-se, assim, da sobrevivência física daqueles que não querem ir para o abatedouro.
Esse é um programa que só pode ser financiado pela suspensão do pagamento da dívida pública, pela taxação as grandes fortunas e pelo fim dos subsídios às grandes empresas. Programa emergencial de combate a pandemia que só pode ser conquistado se lutarmos de forma combinada pelo Fora Bolsonaro e Mourão e por Eleições gerais democráticas.
E a junção das tarefas de luta por um programa dos trabalhadores para conter a epidemia e para expulsar Bolsonaro do poder já é percebida por amplos setores de massas. Assim, enquanto socialistas, precisamos lutar para que essa percepção seja consolidada e que se estabeleça de forma ativa entre a maioria da classe trabalhadora. Para isso, servem os partidos socialistas: para identificar e impulsionar as dinâmicas mais progressivas da luta de classes, de contrário não passaríamos de comentadores da realidade, formuladores de cenários políticos e de propagandistas estéreis da realidade.
Como tarefas centrais, pensamos que devemos combinar a luta pelo Fora Bolsonaro e Mourão e Eleições gerais democrática com as campanhas que já estão sendo tomadas espontaneamente pelas massas, como os panelaços diários em todo o país, que fazem com que os amplos setores que estão em isolamento possam ter minimamente uma vida política ativa.
Por outro lado, devemos apoiar os trabalhadores que estão lutando pelo direito ao isolamento e em defesa do emprego e do salário amplamente ameaçado. Em São José dos Campos, os metalúrgicos liderados pelo Sindicato filiado à CSP-Conlutas realizaram uma greve a partir de segunda-feira (22/03) que conseguiu impor férias remuneradas 24 mil metalúrgicos.
Lutas como essa estão sendo desenvolvidas em outras partes do país e precisam ser cobertas de solidariedade para que ganhem destaque nacional e a classe trabalhadora se anime a ser cada vez mais protagonistas das mobilizações contra o governo e por uma saída operária para enfrentar e epidemia. O que começa a permitir a agitação de consignas como Unificar as lutas por medidas contra epidemia, rumo à Construção da Greve Geral para derrotar Bolsonaro e seu governo.
Assim, além da militância virtual, dos panelaços diários e apoio efetivo às categorias em luta, precisamos de forma responsável e com todos os cuidados sanitários, desenvolver outras experiências, como a agitação através de carros de som, megafones e outros meios. Uma experiência interessante de auto-organização para atender as necessidades dos moradores é da organização de Comitês de Solidariedade que poderia ser testada nas demais comunidades, nos locais de trabalho e demais espaços sociais.
Para finalizar, estamos apenas no começo de uma nova conjuntura que, certamente, terá desdobramentos ainda mais dramáticos. Assim, parece-nos que o fundamental é aproveitar essa conjuntura de deslocamento político de setores de classe para criar de forma unificada um amplo movimento para derrotar Bolsonaro, expulsá-lo do poder e impor medidas de combate a epidemia que garantam a existência física, social e política dos setores mais vulneráveis da classe trabalhadora e das massas em geral.