ANTONIO SOLER
Nesta sexta-feira (8/11), Luiz Inácio Lula da Silva, depois de 580 dias de prisão na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba (PR), foi libertado. A libertação do ex-presidente, além de ser uma derrota para o “bonapartismo de toga” da Lava Jato e para Bolsonaro, coloca uma série de expectativas em relação ao panorama político nacional de agora em diante.
A soltura de Lula, que já poderia ter progressão de pena e ficar em liberdade condicional, só foi possível porque o STF (Supremo Tribunal Federal), no dia 7/11, julgou procedente a ação que solicitava à suprema corte inconstitucionalidade de prisões antes do trânsito em julgado, ou seja, antes que todos recursos dos condenados fossem julgados pelos tribunais superiores. Na verdade, esse julgamento, mediante os criminosos procedimentos adotados pela Operação Lava Jato e ao crescimento do descontentamento popular, foi o mero reconhecimento do que está expresso de forma inconteste na Constituição Federal e no código penal.
Em meio à ofensiva reacionária iniciada em 2015 e à febre “redentora” da Operação Lava Jato – que, falsamente, prometia acabar com a corrupção sem a participação direta das massas, sem profundas transformações na relação do estado com as atividades econômicas e sem atacar a propriedade privada -, o mesmo STF em 2016 interpretou que caberia prisão após condenação em segunda instância. Assim, a apertada decisão do STF não foi nada mais do que o simples reconhecimento da letra e do espírito Constitucional e pelo seu placar (6 a 5) revela a polarização que ainda subsiste em torno as garantias constitucionais na suprema corte e, também, no país como um todo.
Não se pode deixar de considerar que essa condenação sem provas de Lula esteve a serviço de uma verdadeira fraude eleitoral que tinha por objetivo proibir o povo de escolher livremente qual seria o Presidente da República nas eleições de outubro de 2018. Processo que possibilitou tirar Lula, candidato que contava com mais de 40% das intenções de voto, da disputa eleitoral. Essa foi uma espoliação política das massas e a retirada de um direito democrático extremamente funcional às contrarreformas neoliberais que estavam por serem apresentadas após as eleições.
Aqui não se coloca nenhuma ilusão de que se Lula fosse eleito não iria tentar fazer avançar as mesmas contrarreformas exigidas pela classe dominante. Porém, com Lula à frente do governo contradições muito maiores seriam postas para as contrarreformas neoliberais devido à sua relação e do seu partido com o movimento de massas. Por isso, precisava ser tirado à fórceps do processo eleitoral.
Também queremos reiterar não termos a menor concordância programática, estratégica e tática com o Lula e o PT, que durante essas décadas têm hegemonizado a direção do movimento de massas no Brasil. Lula é dirigente de uma corrente política de origem reformista – hoje social-liberal – que teve como marca de nascença uma traição histórica da classe ao não levar até o final a luta da operária contra a ditadura militar no final dos anos 1970.
Depois desse momento, no final dos anos 1980 e começo dos 90, expulsou todas as forças revolucionárias do interior do PT para ter caminho aberto para sua trajetória de regressão político-programática e traições que culminaram com o pacto social lulista. Um arranjo governamental baseado na conciliação de classes, nas políticas de compensação social, na pequeno-política e na cooptação institucional de lideranças do movimento de massas.
Essa estratégia política, diante da crise econômica de 2018 e do ascenso massivo de junho de 2013, não parou em pé. Diante da força do movimento o lulismo tentou cooptá-lo. Mas como não foi bem-sucedido, passou para a mais dura repressão da luta estudantil e das greves operárias em unidade com a classe dominante e, após a eleição de 2014, cometeu um dos maiores estelionatos eleitorais da história. Contexto que foi aproveitado pelas classes dominantes para mover a ofensiva reacionária que culminou na eleição de Bolsonaro.
Voltando à libertação de lula, diante de um cenário de avanço de terríveis contrarreformas, significa um importante revés para o “bonapartismo de toga” da Lava Jato, para a classe dominante e para Bolsonaro. Revés político que, diante das ondas de rebeliões populares que voltam a sacudir o mundo, da intensificação das contradições nacionais com a crescente bronca popular contra o governo, da insubmissa juventude que desde o começo deste governo se colocou na oposição direta, da dinamização de setores que estavam fora de combate e das próprias contradições do governo, coloca uma nova conjuntura política que pode, a depender dos seus desdobramentos, mudar a correlação de forças.
Mas isso não se fara de maneira automática. Lula fora da prisão não será um porta-voz da necessidade de derrotar Bolsonaro e suas contrarreformas a partir da luta direta das massas. Ao contrário, sua ação política procurará levar todo o descontentamento para as eleições de 2020/22 enquanto terríveis contrarreformas avançam. Por essa razão, sem deixar de considerar que a soltura de Lula significa uma mudança importante na conjuntura pela energia de massas que pode liberar para a luta, e de nos solidarizar com a alegria de setores de massas diante dessa derrota do bonapartismo no judiciário, no governo e no congresso, os trabalhadores e a juventude só podem confiar em suas próprias forças para lutar para derrotar Bolsonaro.
Assim, não podemos ficar restritos ao jubilo popular com a libertação de Lula, como fazem várias correntes da esquerda socialista. Todas organizações de esquerda, a começar pelo PSOL, precisam exigir de Lula, agora fora da prisão, e do seu partido (PT), que rompam com sua política de traições – como foi o caso da aprovação da reforma da previdência praticamente sem resistência – e que passem imediatamente a organizar a luta de forma unitária e pela base para derrotar Bolsonaro e seu projeto de devastação global em curso.