Estamos diante do décimo artigo da SÉRIE PARTIDO. Agora, Roberto Sáenz, em seu A importância de fazer cálculos, coloca a importância das avaliações quantitativas e qualitativas no momento de realizar o balanço das atividades ou de um dado período de atividades e/ou construção partidária. A particular ênfase sobre a importância dos “números” no balanço ocorre porque estes são os que dão a medida do desenvolvimento ou retrocesso na construção partidária. O autor nos lembra que com uma política incorreta não se constrói, mas apenas a politica não garante para nada o crescimento e a ampliação do alcance político da organização. É necessário trabalhar constantemente com a tensão construtiva, e essa se mede por números de novos contatos, membros, resultados eleitorais e das disputas sindicais, entrada de cotizações, vendas de materiais, lucro das festas e atividades financeiras de forma geral. Ou seja, o balanço construtivo deve contar com a avaliação qualitativa do avanço politico, da formação e da divisão de tarefas mas, para ser concreto, não pode em hipótese alguma prescindir dos números. Boa leitura!
Redação
A importância de fazer cálculos
ROBERTO SÁENZ
“Em Vpered [1](nº 5, 11 de dezembro de 1906), foi publicada uma divisão regional dos membros do POSDR, que apresentava os seguintes números: 6.000 em São Petersburgo, 6.700 em Moscou, 13.500 na região central, 3.000 em Kazan, Samara e Saratov, 25.000 no sul da Rússia, 16.000 no Cáucaso, 3.000 no noroeste da Rússia, 1.000 no Turquestão, 6.000 nos Urais e 1.500 na Sibéria: um total de 81.000 membros (…) Em 1907, o número total de membros havia aumentado para 150.000: 46.143 bolcheviques, 38.174 mencheviques, 25.468 bundistas, 25.654 para a seção polonesa e 13.000 para os países bálticos” (David Lane, “Las raices del comunismo. Un estudio social e histórico de la socialdemocracia rusa 1989-1907”).[2]
Neste artigo, queremos nos dedicar à importância de fazer um balanço da atividade do partido e, sobretudo, à importância específica de quantificar cada atividade que realizamos, um aspecto essencial quando se trata da construção do partido. Entre as organizações com forte tradição em temas, fazer balanços e números de cada atividade é um uso e costume estabelecido que se impõe como algo natural. Mas esse não é o caso das organizações que são, em sua maioria, jovens, caracterizadas pela falta de experiência, a experiência que vem de ter realizado uma atividade semelhante várias vezes.
Política e construção
Os balanços implicam que toda atividade realizada pelo partido deve ser avaliada qualitativa e quantitativamente. A avaliação qualitativa refere-se ao fato de a atividade ter sido bem-sucedida do ponto de vista político. Por exemplo, se o partido conseguiu impor sua política diante de uma determinada luta operária ou estudantil, se deu a resposta certa a uma determinada situação política, se a participação em uma determinada marcha foi correta, se os eixos de uma intervenção eleitoral foram os corretos e outras avaliações do mesmo tipo no número infinito de atividades realizadas pela organização.
Mas também é uma questão de fazer uma avaliação numérica de cada atividade: quantas pessoas compareceram a uma determinada coluna ou evento partidário; quantos exemplares do jornal ou revista foram vendidos; se os fundos planejados foram arrecadados em uma festa, almoço ou atividade financeira, e assim por diante. Em outras palavras: é uma questão de aprender a quantificar o balanço político de uma atividade: medir com um critério objetivo e racional como nos saímos do ponto de vista dos índices críticos da construção do partido: o número de pessoas que compareceram à atividade, o número de jornais vendidos, o número de companheiros que estamos tentando reunir, e assim por diante.
O fato é que o partido, independentemente de seu tamanho, precisa avançar em sua construção. Em outras palavras: toda atividade realizada deve ter um lado prático e construtivo, não apenas a apresentação de uma posição política: ela deve resultar na construção efetiva do partido. E a maneira de medir cientificamente a eficácia construtiva de uma política é por meio de uma avaliação numérica que se expressa em um aumento das fileiras do partido.[3]
Um exemplo é representativo disso, um discurso que Lênin fez em Paris no início de 1903, lembrado por Trotsky na obra que escreveu sobre ele logo após sua morte: “O discurso foi sobre o programa agrário que o Iskra mantinha naquela época e, particularmente, sobre a restituição às comunas das terras divididas. Não me lembro dos nomes de seus oponentes, mas lembro que Vladimir foi maravilhoso em seu discurso final. Um dos camaradas parisienses do Iskra me disse na saída: “Hoje Lênin se superou”. Como era de costume, os camaradas foram com o orador até o café. Todos estavam muito felizes, e o próprio orador tinha um ar de agradável satisfação. O tesoureiro do grupo teve o prazer de nos informar sobre a quantia que a conferência havia trazido para o caixa do Iskra: entre 75 e 100 francos, uma soma nada desprezível. Isso foi no início de 1903” (“Lênin”, Leon Trotsky).
O que é significativo aqui não é apenas o retrato que Trotsky faz de Lênin no período imediatamente anterior ao histórico Congresso de 1903, mas a naturalidade com que ele introduz o balanço financeiro da atividade.
O fato é que a abordagem dos problemas de construção do partido leva ao problema numérico por excelência, o das finanças do partido. Essa nunca é uma discussão simples com novos companheiros. É preciso explicar essa necessidade, que surge do fato de que a organização revolucionária não depende da contribuição de nenhum setor patronal ou do estado capitalista e, portanto, só pode ser sustentada por seus próprios membros e pelo apelo à classe trabalhadora em geral por meio de coletas, rifas, contribuições ou o que quer que seja.
Como acabamos de observar com o exemplo espontâneo de Trotsky, não apenas a avaliação numérica de uma atividade em geral, mas que a avaliação financeira é de vida ou morte. As finanças do partido são a condição material para a construção do partido: sem finanças não há desenvolvimento do partido em quaisquer termos possíveis, e isso começa com a contribuição pessoal de cada um de seus militantes.
Em síntese: antes de cada atividade que o partido realiza, é preciso fazer uma avaliação qualitativa e política da mesma; essa é a primeira e principal coisa, e é o que dá o tom ao balanço como um todo. Mas essa atividade deve necessariamente ter seu lado numérico ligado a resultados construtivos. Se um resultado construtivo positivo, em geral, não pode surgir de uma política errada, o inverso, no entanto, não é correto e não tem automatismo: a política pode ser muito correta, mas se não houver uma tensão construtiva consciente, nenhum centímetro de progresso construtivo será feito com base nessa conquista. Isso já aconteceu não uma, mas milhares de vezes em organizações dos mais diversos tamanhos, épocas e lugares, e é chamado de sindicalismo, e apenas sindicalismo, do qual se deve fugir como da peste.
Os limites do sindicalismo
“O partido está sujeito a uma dupla tensão: por um lado, é ou deve ser um instrumento a serviço do desenvolvimento das lutas, mas por outro lado, como organização específica e fator permanente de organização, deve proceder à sua própria construção porque não há ninguém que o faça por ele: sua construção é a coisa menos ‘objetiva’ e ‘espontânea’ que existe” (R. Sáenz. “Anatomia de la esquerda sindical“).
Vamos nos voltar agora para o lado político do problema numérico, que diz respeito ao sindicalismo. Sejamos claros: não queremos dizer com esse termo a necessidade de o partido assumir a responsabilidade pela condução das organizações de massa, sejam elas comissões internas, órgãos de delegados, sindicatos, centros estudantis, federações e assim por diante. Qualquer organização revolucionária que se recuse a fazer isso seria simplesmente uma seita que renuncia à luta pelas necessidades básicas dos explorados e oprimidos, condenando-se à irrelevância e à marginalidade.
No entanto, é bem diferente abordar a luta por demandas imediatas e pelo lugar de direção que uma organização revolucionária busca ocupar à frente das organizações de massa, desvinculada da luta pelos objetivos gerais de poder e socialismo, ou seja, desvinculada de uma luta política.
O último é muito comum quando a organização assume responsabilidades sindicais cada vez maiores e a pressão das tarefas de direção desses organismos (ou mesmo do poder do próprio Estado proletário; essas são essencialmente as mesmas pressões) enfraquece a abordagem política geral dos problemas. O resultado é uma atividade frenética que não deixa nenhum rastro construtivo.
Acredite ou não, o simples fato de ser obrigado a “fazer números” em termos de construção partidária (de camaradas em recrutamento, de contatos, de jornais ou folhetos distribuídos, de contribuintes e de arrecadação financeira de uma atividade etc., o que exige um ponto específico em cada reunião dos organismos partidários) já atua como um contrapeso ao sindicalismo, definido, repetimos, como uma atividade frenética desvinculada da construção partidária.
Essas pressões não são difíceis de explicar: os trabalhadores ou estudantes agrupados em um sindicato, movimento ou organização de massa consideram que isso é suficiente, que não há nada além das demandas elementares. É por isso que nem sequer lhes ocorre ingressar nas fileiras de um partido revolucionário, que seria apagado em sua especificidade política, algo que pode parecer abstrato para o trabalhador ou estudante comum. É por isso que insistimos que a formação de partidos é a coisa menos espontânea que existe.[4]
O contrapeso ao sindicalismo é a capacidade de apresentar o partido como um todo, de fazer com que as pessoas entendam que é necessário ir além das demandas imediatas para alcançar soluções fundamentais, e isso envolve o estabelecimento de algum tipo de vínculo com o partido como tal, até o ponto de ingressar nele como militante. [5]
Saber como resistir às inevitáveis pressões sindicalistas em uma organização que está assumindo responsabilidades cada vez maiores nas frentes em que atua à medida que se fortalece e estabelecer numericamente os índices críticos que contribuem para a construção do partido é outra chave para o avanço do crescimento da organização revolucionária. Todos os organismos partidários precisam aprender a fazer as contas e reservar um tempo orgânico para isso.
Notas:
1. Periódico editado por Lênin a partir de 4 de janeiro de 1905 e durante vários anos, cujo título significa “para a frente”.
2. É um trabalho sociológico ianque, no estilo dos que estavam em voga no segundo pós-guerra, cujo apêndice estatístico fornece dados interessantes.
3. Note-se aqui a questão da composição geracional do partido. Lane assinala que, ao pesquisar as fileiras da social-democracia russa no início do século passado, os bolcheviques eram mais jovens do que os mencheviques nos níveis mais baixos da organização (na base), e mais ainda entre os militantes que influenciavam. O autor salienta, com razão, que este facto se deve a uma estrutura organizativa mais flexível, que permitia que os jovens ascendessem mais facilmente a lugares de responsabilidade, tornando a primeira fração mais dinâmica do que a segunda.
4. Dizemos “espontâneo” porque o balanço financeiro da atividade salta aos olhos de Trotsky quase automaticamente, por reflexo, uma vez que o texto não se referia de todo à questão financeira mas ao salto maturacional de Lenine nesse ano.
5. A natureza dos vínculos dos militantes e simpatizantes com o partido é uma discussão histórica para as organizações revolucionárias, que classicamente teve lugar no Partido Operário Social-Democrata Russo entre bolcheviques e mencheviques, estabelecendo o critério elementar do partido revolucionário. Lenine insistiu em que a consideração “militante” só deveria ser dada aos membros que se reunissem e agissem de forma disciplinada num órgão do partido. Um simpatizante ou amigo do partido, mas que não participasse num órgão disciplinado do partido, não podia ser considerado membro, mesmo que isso reduzisse o número de membros da organização, uma censura dirigida a Lenine pela ala oportunista do partido, o menchevismo.
Ilustração: Wassily Kandinsky, Deepened Impulse,1928.