Hoje publicamos o segundo artigo da SÉRIE PARTIDO: Como formular uma política revolucionária?, de Roberto Sáenz. Como todos os artigos dessa série, o presente dedica-se a conceitos básicos do marxismo revolucionário, tanto no que se refere à formulação, quanto à intervenção na luta de classes e à construção partidária.

Este artigo, especificamente, dá conta das coordenadas básicas na hora de formular a politica revolucionária. O que requer uma apreciação objetiva dos principais elementos da realidade, das tendências da luta de classe e dos nossos objetivos estratégicos. Ou seja, a elaboração da política, em seu conteúdo, parte sempre das necessidade objetivas, da correlação de forças e da dinâmica do movimento dos trabalhadores. 

Mas, essa formulação não pode ser revolucionária se não for vinculada dialeticamente aos nossos princípios (independência de classes, internacionalismo e democracia operária) e às nossas estratégias (mobilização permanente, construção de organizações independentes e construção do partido revolucionário). De outra forma, as correntes que não respeitam esses limites acabam caindo no oportunismo, muitas vezes irreversível. O exemplo dado pelo artigo de que se pode ter várias táticas nas eleições, mas nunca participar ou defender frentes e/ou governos de conciliação de classes –  o que sempre leva à degeneração das correntes que ultrapassam esses limites -, cabe totalmente dentro do cenário em que estamos vivendo no Brasil hoje. O PSOL e suas correntes internas, ao participarem da frente Lula-Alckmin e, depois das eleições, do governo burguês de conciliação de classes, perdem totalmente a independencia e caem no campo da esquerda da ordem, aprofundando assim a necessidade de superar a crise da esquerda socialista no Brasil. 

A elaboração, do ponto de vista da adequação formal, precisa ser desenvolvida considerando a subjetividade das massas. Nesse sentido, a “politica é para as massas”, precisa, na sua forma de apresentação, dialogar com a consciência das massas, do contrário, a sua formulação não passa de um exercício sectário, estéril, que não serve para mobilizar e, muito menos, para elevar o nível de consciência. O que muitas correntes desconsideram é que a luta no interior da vanguarda para a ganhar para a politica revolucionária, é parte conatural da luta para se atingir as massas. Por isso, sem perder o critério de disputa das massas para tarefas táticas e estratégicas, batalhar pela vanguarda é fundamental. O que exige uma densidade política muito maior do que pratica a maioria das correntes.   

Por ultimo, para finalizar essa apresentação, o artigo insiste em outro elemento chave para a formulação da política revolucionária: trata-se do diálogo das correntes revolucionárias com a classe. A construção da politica, em qualquer ordem, sempre é uma elaboração, um construto, que se apoia na teoria, estratégias e táticas – tudo isso em disputa no interior da vanguarda -, mas que não pode prescindir do contato íntimo com a realidade, da militância revolucionária na base, do diálogo com a vanguarda e com as massas através de instrumentos politicos, como as assembleias, os piquetes, as panfletagens, as redes sociais e outros que a luta de classes direta e indireta nos proporciona. Sem isso, não se pode encontrar nem conteúdos e nem formas políticas concretas que possam fazer com que as correntes e os partidos revolucionários contribuam, de fato, com a luta e se construam nesse processo – o que é dialeticamente necessário. Do mais, deixamos nosso leitor com o texto Como formular uma política revolucionária?

Redação

Como formular uma política revolucionária?

ROBERTO SÁENZ

Aprender a escutar

A primeira regra geral para a formulação de uma política revolucionária é partir da realidade objetiva, daquilo que existe de fato e de maneira independente de nosso partido.

O existente são as condições objetivas gerais de nossa atuação (economia, Estado, governo), assim como as classes e relações de força entre elas, seus partidos e demais representações e, por fim, as tendências mais gerais que denotam cada ciclo político (internacional e nacional). Todas estas determinações endereçam às condições objetivas de nossa ação.

Mas existe uma segunda “lei” ou regra fundamental na hora de formular a política. A realidade sempre está determinada por tendências progressivas e conservadoras, e é óbvio que o partido deve saber apropriar-se, ter a sensibilidade de apoiar-se nessas tendências objetivas que lhes podem ser favoráveis para opor-se às outras, as conservadoras.

A formulação de uma política revolucionária (o mesmo que a construção partidária) seria impossível sem essa relação com a realidade, caso a realidade aparecesse como uma “caixa fechada”, algo imodificável e não sulcada por estas tendências contraditórias nas quais há que saber apoiar-se para construir o partido e transformar a realidade.

Uma política que não partisse desta riqueza da realidade, de suas contradições, seria um mero exercício de laboratório e não o que deve ser: um diálogo do partido com a classe (que é outra das determinações de uma política revolucionária).

Este era – como destacava Trotsky – um dos aspectos mais fortes de Lênin: saber escutar (estando inclusive a milhares de quilômetros da Rússia) com a maior profundidade o que animava os sentimentos das massas trabalhadoras.

Os maiores revolucionários têm insistido sempre que a única maneira de formular uma política correta é partindo de escutar o que “dizem” as massas. Em uma recente conferência nacional de nosso partido – atendendo aos traços juvenis de nossa organização – insistimos na importância de que nossa militância aprendesse a escutar a nossa classe; que antes de “falar” (antes de formular a sua política) partisse de saber o que opina, o que sente a classe trabalhadora.

Parte disto é algo já assinalado: ter sensibilidade frente às tendências mais dinâmicas da realidade (não só nacional, senão internacionalmente) e saber utilizá-las como um ponto de apoio em nossa ação.

Sublinhamos as tendências internacionais e não só as nacionais, porque a construção de nossos partidos tem colocado sempre como necessidade o que estamos mencionando: saber como marcha o mundo, compreender que o localismo é cego, que somente o internacionalismo permite ver mais além e compreender as tendências esboçadas nacionalmente como parte de algo mais global.

A formulação da política revolucionária é assim um “diálogo”: diálogo entre o partido e a realidade, diálogo entre o partido e a classe operária. E nunca um “monólogo”, que é uma das marcas do fio condutor que tornam a uma organização estéril, sem força transformadora.

Massas e vanguarda

Outro elemento importante nesta discussão é a abordagem das relações do partido com as massas e com a vanguarda. Em relação a quais destas duas determinações se formula a nossa política?

Este é outro debate recorrente que parte do assinalado e é evidente para o marxismo: sempre se parte da realidade, do que é mais objetivo.

E o mais objetivo são as classes e os partidos majoritários que a “representam”: as grandes forças burguesas e burocráticas. Logo depois disso entram no quadro de avaliação a vanguarda e suas organizações.

Isto mesmo vale para as relações gerais entre as massas e a vanguarda. Porque a vanguarda é, enfim, definitivamente, uma expressão específica da própria classe. Uma expressão que se refere, ao fim, a essa mesma classe, que é sempre o agrupamento maior.

Nahuel Moreno, nos anos 70 (em sua luta contra o guerrilheirismo), levava demasiado longe esta expressão (a extrapolava até quase dissolver a vanguarda) quando afirmava que a vanguarda era um “fenômeno” e que a classe era o objetivo, o que sempre persistia, o “ser ou essência” da coisa.

Mas, se havia uma grama de verdade nesta afirmação, o problema estava em que depois o morenismo se caracterizou por cometer um erro simétrico pelo lado oposto: perder de vista a importância estratégica da luta na vanguarda como uma engrenagem indispensável do partido revolucionário, como uma “alavanca” indispensável para o acesso às massas maiores (aquelas que não podem ser conquistadas de maneira orgânica a não ser pela ação da vanguarda mesma, seus organismos e partidos).

A vanguarda é uma alavanca para que o partido conquiste as massas. No entanto, a formulação da política deve sempre remeter – para que seja correta – às tarefas colocadas pelas mesmas classes sociais na arena dos grandes acontecimentos.

Se não for assim essa política será estéril, taticista, carecendo de verdadeira força material.

Oportunismo e sectarismo

Vejamos agora a consequência do que estamos assinalando na hora da formulação de uma política revolucionária.

Regra geral, o oportunismo em política significa adaptar-se passivamente às circunstâncias, não ter uma abordagem crítica destas, algo que resulta em renunciar a transformá-las.

O não adaptar-se à realidade (algo que não nega que devamos partir dela tal e qual é) se expressa na forma revolucionária em que intervimos, a partir de uma posição estratégica, que os meios devam ser adequados aos fins, que os passos que damos devem servir ao objetivo da transformação social.

A partir disso, fica claro que não podemos fazer, por exemplo, frentes eleitorais com qualquer força (somente são admissíveis frentes de independência de classe), ou que não podemos adotar uma estratégia de obter cargos parlamentares renunciando à nossa política revolucionária.

O sectarismo, por sua parte, significa crer que a política pode ser formulada independentemente das circunstancias de tempo e lugar: ou seja, sob um enfoque que poderíamos chamar de um “laboratório” abstrato, geral.

O erro de não partir do mais objetivo, das condições mais gerais, pode expressar-se na hora de formular uma política que não seja regida pelas grandes forças de classe, senão somente pela disputa na vanguarda; ou que confunda o conteúdo de nossa política (inegociável) com a forma acessível, ou flexível, de formulá-la para os mais amplos setores.

A política revolucionária não é sectária, nem oportunista, é revolucionária. Parte criticamente da realidade, das condições tais quais são, mas sempre para transformá-la. Apoia-se nos elementos mais dinâmicos para combater os mais conservadores. E arranca sempre de um diálogo com nossa classe para tentar formulá-la da maneira mais acessível possível (nunca para adaptá-la ao nível estritamente reivindicativo ou sindicalista).

Assim, nossa política não é de laboratório, não é doutrinária, forja-se na realidade da luta cotidiana de nossa classe, partindo das condições tais quais são e aposta sempre em transformá-las.