As eleições do último domingo na Itália produziram um resultado inédito desde o fim da Segunda Guerra Mundial: um partido abertamente herdeiro do fascismo chegou ao topo.
O triunfo de Meloni quebra tantos consensos político-democráticos na Europa das últimas cinco décadas que sua ascensão ao poder tem significados muito contraditórios para a própria burguesia europeia e para o imperialismo. Para a classe trabalhadora, imigrantes, mulheres e a comunidade LGBT, por outro lado, a questão é muito mais clara: ela é uma inimiga feroz dos ganhos sociais e dos direitos democráticos conquistados por aqueles que estão na base.
Quem é Giorgia Meloni
Embora sua ascensão eleitoral tenha sido acompanhada por uma tentativa de atualizar (relativamente) suas posições políticas, especialmente com relação à reivindicação da figura de Benito Mussolini, a verdade é que desde sua juventude Meloni tem sido um militante de extrema direita, ideologicamente herdeira do fascismo italiano.
Na verdade, ela começou sua carreira política na juventude do Movimento Social Italiano (MSI), partido fundado em 1946 literalmente pelos remanescentes do movimento fascista após o fim da Segunda Guerra Mundial, adaptado às novas condições do pós-guerra. O MSI, do qual Meloni se tornou presidente de sua organização juvenil, a Fronte della Gioventù (“Frente da Juventude”), nunca escondeu sua herança abertamente fascista. Meloni começou sua militância lá quando tinha 15 anos de idade.
Em uma entrevista que deu como líder juvenil do MSI quando tinha 19 anos, Meloni declarou sua admiração por Mussolini. “Para mim, ele era um bom político. Tudo o que ele fez, ele fez pela Itália”, explicou ela na ocasião. “Não tem havido outros políticos como ele nos últimos 50 anos”. Embora durante a última campanha eleitoral ela tenha tentado se distanciar dessas declarações, Rachelle Mussolini, vereadora da cidade de Roma e neta do ditador fascista, é membro de seu partido.
Além disso, o logotipo dos Irmãos da Itália, o partido que atualmente preside, contém a mesma “chama tricolor” que foi o símbolo criado pelos seguidores de Mussolini que fundaram o MSI, reivindicando assim sua herança abertamente fascista.
Sua campanha eleitoral foi marcada por uma agenda focada em falar contra “a ideologia de gênero e o lobby LGBT” e a favor da “família natural”, bem como por uma forte retórica antimuçulmana e reivindicando a Itália como uma nação cristã.
Sua mensagem contra os povos islâmicos vem à tona sempre que se refere à política migratória, onde defende uma política racista de fronteiras fechadas semelhante à promovida por Donald Trump durante sua campanha eleitoral primeiro e sua administração depois. Meloni propõe um bloqueio naval no norte da África para impedir que barcos migrantes naveguem para a Europa. Como parte desta campanha racista, chegou ao ponto de publicar na internet um vídeo sobre o estupro de uma mulher por um imigrante africano em busca de asilo, fato que foi duramente repudiado por usar o estupro de uma mulher para se envolver em demagogia xenofóbica.
O aliado de Putin na União Europeia?
O outro aspecto chave que representa uma grande fonte de incerteza por trás de sua chegada ao governo italiano é a geopolítica. Meloni construiu um perfil marcadamente nacionalista antieuropeísta. Em seu discurso, tem o cuidado de defender “a soberania nacional” e “o povo comum” contra “os burocratas de Bruxelas” e promete acabar com os “gastos públicos excessivos” a que a estrutura da UE e suas políticas conduzem.
Trata-se de nada menos que a possibilidade de outro abalo na UE, que já está sofrendo com Brexit. A Itália é a terceira maior economia da zona do euro, atrás da França e da Alemanha. Por esta razão, o imperialismo e a burguesia pró-europeia estão olhando com preocupação para o impacto que o governo de Meloni poderia ter sobre a aliança continental.
A unidade europeia pode rachar novamente justamente quando a invasão russa da Ucrânia fez com que os governos da UE fechassem as fileiras contra a aventura militar de Putin. A vitória de Meloni representa um ponto de interrogação inesperado sobre esse consenso. Não apenas por causa de suas políticas antieuropeias, mas também por sua simpatia mal escondida pelo líder russo, com quem ele compartilha uma visão nacionalista e religiosa do Estado.
Meloni deu as boas-vindas à última reeleição de Putin em 2018, apesar de uma eleição contestada com o principal candidato da oposição banido. Em sua biografia, publicada apenas no ano passado, Meloni argumenta que a Rússia é um importante aliado, com o qual ela compartilha “o mesmo sistema de valores, a identidade cristã e a luta contra o terrorismo islâmico”.
Meloni, como Marine Le Pen da França, é das líderes nacionalistas europeias que apoiam Putin, e seu avanço dentro da UE pode se tornar um sério problema para, por exemplo, a pretendida adesão da Ucrânia à aliança.
Entretanto, não se deve descartar que a necessidade de fazer pactos com outras partes e manter boas relações com a grande burguesia aliada ao imperialismo ocidental possa fazer com que Meloni se adapte e acabe se alinhando com o eixo EUA/UE contra Putin, pelo menos no que diz respeito à guerra na Ucrânia.
Mas os europeus ainda não viram as piores consequências econômicas da guerra na Ucrânia, agora que o inverno está se aproximando e os preços da energia estão subindo a níveis históricos. Neste contexto, o nacionalismo “protecionista” e antieuropeu do governo que Meloni liderará continuará sendo um problema preocupante para o futuro da União Europeia.
Publicado originalmente em Italia: el festejo de liberales y fascistas ¿quién es Giorgia Meloni? – Izquierda Web